Cobertura do investimento na ferrovia e a asfixia da REFER

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Há poucas semanas, publicámos um pequeno artigo sobre as regras vigentes em Portugal em matéria de alargamento de autoestradas. Concluímos que todos os contratos de concessão impõem à concessionária o aumento do número de vias de trânsito em determinado troço da autoestrada, sempre que o volume de tráfego automóvel nesse troço ultrapassar determinado limite.
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E concluímos também que, na grande maioria das concessões, é o Estado que suporta a totalidade dos encargos do alargamento da autoestrada. A obra é feita pela concessionária e o Estado deve pagar “atempadamente” o valor que for devido ao adjudicatário da obra. 
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Passemos à ferrovia:
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Na cláusula 17.ª da minuta do contrato-programa entre a REFER e o Estado, diz-se, no que diz respeito ao «financiamento da atividade de investimento na infraestrutura [ferroviária]», que «o Estado procurará, em cada exercício, suportar pelo menos 30% das necessidades, em capital, de investimento da REFER».
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Repare-se: o Estado procurará (procurará…) suportar pelo menos 30% dos encargos de investimento na ferrovia: menos de um terço.
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Em 2004*, só 4% do investimento realizado na ferrovia foi suportado pelo Estado; em 2005, de novo 4%; em 2006, 2%; em 2007, 2%; em 2008, 0%; em 2009, 3%; em 2010, 2%; em 2011, 3%; e em 2012, 21,9% (mas sobre um montante total de investimento muito reduzido).
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[* Não há dados anteriores individualizados: em 2001, 2002 e 2003 o financiamento do Estado aparece integrado nas verbas do PIDDAC, que na sua maior parte constituem fundos comunitários, e que foram, em percentagem, de 25% em 2001, de 12,8% em 2002 e de 8% em 2003.]
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Parte dos encargos de investimento foram suportados por fundos da União Europeia (que variaram entre os 15,7% em 2004 e os 41 % em 2012).
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A maior parte dos custos de investimento foram suportados pela REFER com recurso a endividamento bancário (45% em 2001, 58% em 2002, 76% em 2003, 80% em 2004, 63% em 2005, 65% em 2006, 78% em 2007, 82% em 2008, 69% em 2009, 73% em 2010, 72% em 2011 e 36% em 2012). Parte dos avultados empréstimos bancários tiveram o aval do Estado, outros não.


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O resto da história é conhecido: o passivo da REFER foi crescendo, já atingiu mais de 7 mil milhões de euros e não pára de aumentar, estando a empresa sufocada, não apenas pelo passivo gigantesco, mas também com os juros bancários dos empréstimos contraídos.
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As “soluções” encontradas são conhecidas, nomeadamente a redução de pessoal, o desguarnecimento de estações, o aumento das tarifas a cobrar às transportadoras (que acabam por se refletir num aumento das tarifas pagas pelos passageiros), o corte drástico no investimento na ferrovia e… o encerramento de linhas.
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Entretanto, enquanto a ferrovia portuguesa, hoje reduzida a uma ridícula manta de retalhos, se afunda (com grande probabilidade, já sem retorno) e os sucessivos governos conduziram ao descalabro a empresa gestora da rede ferroviária nacional, empresas privadas concessionárias da ruinosa rede de autoestradas (e de outras concessões rodoviárias) foram e continuam a ser beneficiadas com contratos vantajosos.
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Nada que surpreenda muito… no país das autoestradas.

10 comentários:

antónio vaz disse...

Não é de admirar!!!

antónio vaz disse...

Não é de admirar infelizmente.

antónio vaz disse...

Não é de admirar!!!

o de moskva disse...

Boa tarde. Bom artigo. Onde se pode encontrar o contrato-programa entre a REFER e o Estado?

o de moskva disse...

Boa tarde.
Parabéns pelo artigo.
Onde posso encontrar o contrato-programa entre a REFER e o Estado?

Joao disse...

É uma pena, não se ter investido na ferrovia a sério, nomeadamente a automatização total das carruagens, pelo menos a nível interno do país de forma a garantir um escrupuloso cumprimento de horários, velocidades, diminuição de custos com pessoal (e com respetivas greves) e outros benefícios.
Apenas teriam de ser cuidadosos para garantir que a tecnologia de comunicação era 100% segura e à prova de hacker (que é perfeitamente possível... se levarem a sério a segurança e investirem tempo e recursos humanos e de máquinas, até terem 100% de certeza que não há como dar a volta ao sistema... custaria certamente muitos milhões, mas é atingível, desde que fizessem testes até à exaustão).
Continuariam a ser necessários funcionários, mas para funções secundárias como fiscalização de bilhetes, segurança, limpezas, venda de bilhetes (em complemento às máquinas)... mesmo que fizessem greve tudo poderia continuar a funcionar sozinho.

Albertina Eudora T. da Silva disse...

Na verdade somos um país pequeno mas creio ser dos que têm maior rede de estradas...e talvez mais acidentes!

Albertina Eudora T. da Silva disse...

Creio ser o país de maior rede de estradas e talvez de mais acidentes...
Para quê mais?!

João Pimentel Ferreira disse...

Tenho pena que esse ministro quando saiu do ministério após queda da ponte, não tenha ido para presidente de uma empresa ferroviária

João Pimentel Ferreira disse...

Isto é um escândalo minhas caras. O que vcês fazem é serviço público! Um país sem recursos energéticos endógenos e sem indústria automóvel própria que mais não fez que encher o país de autoestradas, isto é criminoso...