Comboios e intermodalidade

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É um problema que está diagnosticado há décadas e é um dos fatores que inibe a utilização do transporte ferroviário (por natureza, menos flexível do que o rodoviário): a deficiente interligação entre o comboio e os restantes transportes coletivos, designadamente o autocarro. Já nos anos 80, pela altura em que ocorreu a primeira grande sangria na rede ferroviária nacional, esse problema era há muito lamentado e mencionado como carecido de resolução, na medida em que afastava viajantes do comboio. Desde então, não há plano de transportes que não refira a necessidade de se promover uma eficiente intermodalidade entre o comboio e o autocarro. Até no sítio da CP se reconhece que «o transporte ferroviário é o mais eficiente em termos de emissões poluentes e consumo energético, no entanto a sua eficácia depende da articulação aos outros meios de transporte» e que «é necessário promover a complementaridade entre os vários modos de transporte existentes de modo a que cada cliente encontre a solução mais adequada à sua necessidade».
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Apesar de se tratar de uma questão consensual, a verdade é que, nestes anos todos, mais depressa se gizaram planos para diminuir a oferta ou para fechar linhas férreas - com fundamento na sua fraca procura - do que se deram passos no sentido de resolver este problema, que se reconhece ser um fator inibidor da procura do comboio.
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O problema coloca-se basicamente a dois níveis:
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a) A inexistência, na estação ferroviária de destino (ou de partida), de autocarro de ligação às localidades (ou ao centro das localidades) que essa estação serve - problema que se agrava nas estações localizadas fora das respetivas povoações ou nos seus arrabaldes;
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b) Nas deslocações regionais ou de longo curso, a deficiente intermodalidade entre o comboio e o autocarro.
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Da primeira questão já aqui falámos várias vezes. O problema subsiste e para muitas pessoas isso pode, de facto, inibir a utilização do comboio, na medida em que uma viagem de táxi (quando disponível) pode encarecer significativamente a viagem, tornando outros meios de transporte muito mais atractivos. Tomemos o exemplo da capital do Alentejo (Évora), uma cidade servida por uma linha férrea recentemente modernizada e eletrificada, com um serviço ferroviário de qualidade de ligação a Lisboa. Quase metade das carreiras de autocarros urbanos da cidade param junto do terminal rodoviário - mas já a estação ferroviária é servida por apenas uma carreira (que, desde logo, exclui vários bairros residenciais da cidade extra-muros). Se o leitor entrar no posto de turismo eborense e pedir informações sobre os horários do (único) autocarro urbano que serve a estação ferroviária, poderá constatar que só à chegada / partida de alguns dos comboios diários é que há autocarro de ligação [por semana, um em cada três comboios não tem autocarro de ligação], e que ao sábado a partir das onze e meia da manhã e ao domingo não há um único autocarro de ligação à estação (isto numa cidade com uma grande procura turística de fim-de-semana! Aliás, também não há autocarro a partir da estação relativamente ao comboio que chega a Évora à sexta-feira ao fim do dia - 20:25 h). Isto poderá parecer inacreditável numa cidade, mas, na verdade, só quem não esteja habituado a utilizar o comboio é que ainda se poderá admirar com esta chocante realidade. 
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A segunda questão prende-se com a utilização sucessiva de diferentes modos de transporte num mesmo percurso: o viajante, para se deslocar entre os pontos A e C, utiliza o comboio entre os pontos A e B e depois o autocarro entre os pontos B e C, ou vice-versa. Este problema coloca-se sobretudo quando não há linha férrea até ao destino pretendido.
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Um argumento insistentemente utilizado quando se encerram linhas férreas, ou troços de linhas férreas, é o de que o viajante fica mais bem servido se os correspondentes percursos forem realizados de autocarro, e apela-se à utilização combinada do comboio e do autocarro. Exemplo: encerra-se a linha férrea entre Évora, Estremoz e Vila Viçosa? O viajante pode descer no comboio em Évora e apanhar o autocarro para Estremoz. Ou para Borba. Ou para Elvas.
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Este transbordo enfrenta, porém, obstáculos (a própria necessidade de um transbordo pode ser, para muitos viajantes, um fator desmotivador do recurso a esta solução, que leva desde logo muita gente a afastar a utilização do comboio - mas nem é isso que estamos aqui a considerar, até porque uma boa coordenação de transportes pode minorar essa desvantagem).
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O primeiro obstáculo sério é de operacionalidade: a falta de coordenação em termos horários. Se o viajante sair do comboio no ponto B e tiver de esperar aí uma, duas ou três horas por um autocarro que o leve ao ponto C, só se não tiver outra alternativa é que optará por essa utilização combinada de transportes. A regra, porém, é a de não existir qualquer esforço de coordenação neste domínio, não faltando até os casos em que o autocarro parte minutos antes de o comboio chegar, obrigando o viajante a uma longa espera pelo autocarro seguinte. Muitas vezes, esta descoordenação de horários é do interesse da própria transportadora rodoviária, quando esta oferece um serviço concorrente com o comboio (ou seja, quando o autocarro daquela empresa também faz a ligação entre os pontos A e B; por vezes, aliás, o autocarro que o viajante vai apanhar, depois de uma longa espera, é proveniente do mesmo local onde ele apanhou o comboio...).
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O segundo obstáculo é infraestrutural: o facto de as estações ferroviária e rodoviária estarem, em muitos casos, localizadas em sítios distantes entre si. O conceito de interface de transportes é bastante antigo, mas continua a ser olimpicamente ignorado em muitas cidades deste país. Voltando ao exemplo de Évora, a estação rodoviária está a mais de dois quilómetros de distância da estação ferroviária…
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Évora
A azul: estação de caminho-de-ferro; a amarelo: estação rodoviária
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…e o caso de Évora está longe de ser único (ver, a título exemplificativo, outros casos no final deste artigo).
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Como se disse, relativamente a vários comboios que partem de / chegam a Évora, não há autocarros urbanos de ligação à estação e, portanto, nesses casos a alternativa que se coloca ao viajante é andar mais de dois quilómetros a pé - porventura carregando bagagens - até à estação rodoviária, para aí apanhar o autocarro regional ou expresso/longo curso para o seu destino. Ou então paga um táxi, o que encarecerá a viagem.
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Por vezes, com sorte, o autocarro regional, no seu percurso natural (isto é, sem fazer desvios), tem uma paragem em algum local mais próximo da estação ferroviária (por exemplo, o autocarro de Évora para a cidade de Reguengos passa a cerca de um quilómetro da estação ferroviária).
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Por vezes também, o autocarro regional ou o autocarro expresso faz escala na estação ferroviária, eliminando esse transtorno. Não é, porém, essa a regra (por exemplo, voltando ao caso de Évora, isso sucede apenas com 1 dos 8 autocarros diários de ligação de Évora à cidade de Estremoz; mesmo assim, e no sentido Estremoz-Évora, o autocarro chega à estação ferroviária pouco mais de cinco minutos antes de o comboio partir, o que é muito apertado para comprar bilhetes, e isto já para não falar da possibilidade de atrasos na viagem, nomeadamente em Évora - porque a chegada a Évora acontece em plena hora de ponta na cidade).
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Nos restantes casos, quando existe autocarro urbano de ligação entre as estações ferroviária e rodoviária, está-se, ainda assim, a introduzir mais um transbordo que pode ser desmotivador, por vezes com a agravante da incerteza de horários / de se chegar à outra estação a tempo de apanhar o transporte seguinte (se o intervalo entre transportes for curto).
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Estes obstáculos funcionam, quase sempre, a favor do autocarro (quando não do automóvel) e, portanto, em prejuízo do comboio. O que não é difícil perceber. Se o viajante tiver de escolher entre:
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- fazer a primeira parte do trajeto de comboio; chegar ao ponto intermédio e ter de se deslocar a pé entre a estação ferroviária e a estação rodoviária; eventualmente, esperar muito tempo pelo autocarro de ligação;
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- fazer o percurso todo de autocarro (mesmo quando a ligação não é direta, o transbordo é normalmente feito no mesmo local);
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escolherá, naturalmente, o autocarro e deixará, assim, de utilizar o comboio.
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Há quem argumente que, sobretudo no que diz respeito à coordenação de horários, este problema é de difícil resolução, quer por ser necessário conciliar diversos tipos de procura, quer por o transporte rodoviário ser normalmente explorado por empresas privadas e os respetivos contratos públicos de concessão, quando existem, não imporem este tipo de obrigações de serviço público: seria necessário sentar à mesma mesa governantes e transportadores ferroviário e rodoviário, no sentido de se conseguir uma melhor articulação do sistema de transportes.
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Por outro lado, esta é mais uma pescadinha-de-rabo-na-boca da ferrovia portuguesa (a juntar a tantas outras): as transportadoras rodoviárias até teriam, em princípio, interesse em fazer escala na estação ferroviária, se o número de utentes do comboio fosse suficientemente interessante (a menos que essas empresas sejam, de facto, concorrentes do comboio). Mas o número de utentes do comboio mais dificilmente crescerá enquanto subsistirem estes (e outros) obstáculos…
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O certo é que cada supressão que se decide na rede ferroviária, cada linha que se encerra, vai contribuindo irremediavelmente para a perda de utentes do transporte ferroviário em Portugal, que não se resume à perda de viajantes no troço encerrado. Em termos simples: se o utente dispõe de uma ligação ferroviária entre as cidades de Torres Vedras e de Leiria; se o troço entre Caldas da Rainha e Leiria encerra; tendencialmente, o viajante passará a fazer todo o percurso (entre Torres Vedras e Leiria) de autocarro (em vez de passar a apanhar o comboio até às Caldas e o autocarro das Caldas para Leiria), o que significa que o comboio não perde apenas os utentes do troço encerrado entre as Caldas e Leiria: perde também passageiros no troço entre Torres Vedras e Caldas da Rainha (que não encerrou, mas tenderá a ter menor oferta, em consequência da diminuição da procura; e a diminuição da oferta afugentará mais clientes nessa linha...).
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Isto funciona como um cancro para a ferrovia. E desde que no final dos anos 80 se começaram a encerrar linhas e a suprimir serviços de passageiros, reduzindo-se a cobertura territorial da rede ferroviária, o número de passageiros da CP caiu para menos de metade.
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Nada indica, no entanto, que alguma coisa vá mudar neste domínio. Tudo deverá continuar na mesma, incluindo nos discursos e nas declarações de intenções: é previsível que se continue a clamar que é "indispensável” promover a intermodalidade entre o comboio e o autocarro. E, depois, que se continue a diminuir a oferta ou a suprimir ligações ferroviárias por “falta de procura”...
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P.S.  Voltando ao exemplo da Linha de Évora, e segundo documento muito recente da CP, os comboios da modernizada linha têm registado uma baixa procura. Poderá haver quem se apresse a atribuir esse facto à eventual escassa procura de transporte público no trajeto Lisboa-Évora. É um erro. Considerando apenas e tão-só os autocarros da Rede Expressos (note-se, mais lentos do que o comboio e muito mais permeáveis a atrasos), existem nada mais, nada menos do que 20 ligações diárias de Lisboa a Évora (ou seja, só num dos sentidos). Entre as 7h e as 22h há, em média, um autocarro de 45 em 45 minutos a sair de Lisboa com destino a Évora (e à sexta-feira são 22 as ligações). A fraca procura nos quatro (4) comboios diários numa linha modernizada, rápida e com excelentes condições para constituir um caso de sucesso na ferrovia portuguesa é um "mistério" cujas causas talvez devessem merecer um estudo. Ou estaremos a caminho de encerrar a Linha de Évora aos comboios de passageiros?...
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Braga
A azul: estação de caminho-de-ferro; a amarelo: estação rodoviária
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Castelo Branco
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Guimarães
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Beja
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Coimbra
A azul: estação de caminho-de-ferro de Coimbra; a amarelo: estação rodoviária
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Coimbra
A azul: estação de caminho-de-ferro de Coimbra-B; a amarelo: estação rodoviária
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Este artigo foi publicado originariamente neste blogue em Julho de 2012.

O exemplo dado de Castelo Branco está, felizmente, desatualizado. Este ano (2014) foi inaugurado o novo terminal rodoviário de Castelo Branco, localizado junto da estação de caminho-de-ferro, na sequência de um protocolo celebrado entre a câmara municipal e a REFER (em cima da mesa esteve também uma outra localização, do lado oposto da linha férrea, junto a uma via rápida). A cidade e o país ganharam um interface de transportes.

Por seu turno, Torres Vedras era uma das (não muitas) cidades portuguesas que se podiam orgulhar de ter o terminal rodoviário situado perto da estação de caminho-de-ferro. Mas a câmara municipal decidiu alterar a sua localização e hoje, 6 de Outubro de 2014, é inaugurado o novo terminal rodoviário, do lado oposto da cidade, bem distante da estação ferroviária. “Descongestionar o trânsito”, “fluidez de tráfego” e “facilitar o estacionamento automóvel” (junto do terminal) foram os argumentos invocados pela autarquia para a mudança. Desfez-se um interface de transportes públicos.

Não é por falta de consciência do problema que isto acontece. Há décadas que o problema está perfeitamente diagnosticado e vem sendo inclusivamente mencionado nos sucessivos planos nacionais de transportes. No plano 2008-2020, por exemplo, proclamou-se solenemente que «será dada especial atenção à articulação modal e intermodal através da integração física e de serviços, nomeadamente ao nível de infraestrutura e equipamentos de transporte (interfaces de articulação e veículos adaptados à intermodalidade) e de horários». No plano de 2011-2015, lá se fala novamente no «planeamento de uma rede de infraestruturas intermodal, integrada e articulada». Na prática, porém, cada autarquia municipal continua a ter inteira liberdade para decidir da localização dos terminais rodoviários.

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De carro para a escola

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O João e o Nuno conheceram-se o mês passado numa festa de aniversário, e ficaram a conhecer as suas bizarras histórias “cruzadas”: o João, de 12 anos, mora a cerca de 300 metros de uma escola (pública) que poderia frequentar (vamos chamar-lhe Escola 1). Mas está colocado numa outra escola (pública), de outro agrupamento, a cerca de 7 km de distância (que vamos chamar Escola 2), porque é lá que anda o seu melhor amigo. O Nuno, da mesma idade, mora a menos de 500 metros da Escola 2. Mas está colocado na Escola 1, de que os pais gostaram mais. Este caso passa-se na Área Metropolitana de Lisboa. Se o João fosse para a escola (onde tem aulas) de transporte público, teria de mudar duas vezes de autocarro e demoraria mais de uma hora. Para o Nuno, seria pior: teria de fazer os mesmos dois transbordos, mas a viagem demoraria mais de hora e meia. As mães do João e do Nuno levam-nos à escola de carro. Se ambos tivessem aulas nas escolas existentes na área da sua residência, poderiam facilmente ir a pé ou de bicicleta. Por seu turno, o João (outro João, chamemos-lhe João II) vive perto do Nuno, ou seja, perto da Escola 2, mas está colocado numa escola (pública) na cidade de Lisboa, não longe do local onde o pai trabalha. O pai leva-o todos os dias de carro para a escola.

Os pais destas crianças não precisaram de usar quaisquer estratagemas para que os filhos ficassem colocados em escolas fora das respetivas áreas de residência. É a própria lei que permite estas situações. No requerimento de matrícula dos seus filhos, os pais podem indicar até cinco escolas, por ordem de preferência, e nenhuma tem de se situar na área de residência. Se não houver vaga em nenhuma dessas cinco escolas, nem assim a criança fica necessariamente colocada na escola situada mais perto de casa: o Ministério da Educação encontrará para ela uma “solução adequada”.     

A lei estabelece, sucessivamente, algumas regras de prioridade na colocação dos alunos que pediram matrícula para a mesma escola (desde que as matrículas sejam pedidas dentro do prazo). Uma delas determina que tem prioridade de colocação a criança cujo encarregado de educação resida na área do respetivo agrupamento escolar. Esta regra de prioridade pode, na prática, tornar difícil a colocação, numa determinada escola, de um aluno que more fora da área do respetivo agrupamento. Mas o certo é que a lei permite, no limite, a situação absurda de todos os alunos de uma determinada escola morarem fora da área do respetivo agrupamento escolar.

O caso do João II é ainda mais discutível: enquanto o João e o Nuno não beneficiaram de nenhuma preferência legal de inscrição nas escolas onde estão, já o João II, apesar de morar ainda mais longe da escola onde está colocado, beneficia, legalmente, de uma regra de prioridade na matrícula: a proximidade do local de trabalho do encarregado de educação.  

[Há também os casos de fraude, praticada pelos pais com o objetivo de colocar a criança numa situação de preferência de inscrição, sendo o caso mais frequente a indicação de uma morada falsa (de residência ou de trabalho). A fraude é muitas vezes consentida pelas escolas, sendo aproveitada como instrumento de seleção dos melhores alunos, contornando as regras legais de preferência de matrícula – basta ser-se bastante rigoroso com a comprovação da morada aos pais dos alunos que “não interessam” e pouco ou nada rigoroso relativamente aos pais dos bons alunos (por vezes, nem é pedida qualquer documentação comprovativa da morada indicada). Há casos relatados de crianças que vivem a poucos metros de uma escola e que não conseguiram vaga nessa escola, quando no mesmo estabelecimento de ensino estão colocados muitos alunos de fora da respetiva circunscrição geográfica.]

Esta situação constitui a negação do planeamento urbano. Por outro lado, a dispersão geográfica dos alunos torna impossível organizar qualquer sistema eficiente de transporte escolar, bem como percursos adequados e rápidos de autocarro, colocando em causa a sustentabilidade do transporte público, que vê reduzida uma das suas principais fontes de procura.

No percurso casa-escola, a utilização do carro é a opção para muitos pais. O resultado disso é, aliás, bem visível – o trânsito automóvel é bastante mais volumoso nos dias de escola, por comparação com os dias úteis fora do período escolar.

A questão da mobilidade pura e simplesmente não tem qualquer peso neste tipo de decisões políticas. Uma política de mobilidade sustentável, tendo por objetivo a redução da utilização do automóvel em meio urbano, só é verdadeiramente eficaz se for encarada como uma questão transversal. E ainda não é.
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[O que se passa com as escolas é, infelizmente, apenas um exemplo. Hoje, continuam a planear-se e a construir-se equipamentos públicos que pressupõem - como se fosse algo natural, lógico - o uso do automóvel particular, como é o caso deste polo universitário que vai começar a ser construído no próximo ano, com mil (!) lugares de estacionamento automóvel.]
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Os atropelamentos de crianças, a reação leviana da CML e o silêncio da PSP

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Mais uma vez, as estatísticas revelam que a esmagadora maioria dos atropelamentos de crianças em Lisboa ocorre na proximidade das escolas. A reação dos responsáveis camarários consistiu, fundamentalmente, em criticar os pais «que insistem em transportar os seus filhos de automóvel», uma «arma» que devia ser deixada em casa, não havendo «grande razão para as crianças não irem a pé ou de bicicleta para a escola».

É apropriado comparar o automóvel a uma arma? Sim. É lamentável que tão poucas crianças em Lisboa vão a pé para a escola? Sem dúvida. Mas, apesar de ter dito duas coisas acertadas, a reação da CML é de uma leviandade preocupante.

Reagir aos números dos atropelamentos de crianças afirmando que os pais deviam deixar os carros em casa é uma estratégia de segurança rodoviária, no mínimo, anómala. É como se, perante os tristes números da sinistralidade rodoviária em Portugal, a Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária resolvesse reagir criticando os portugueses por não deixarem os seus carros em casa. Não resulta.

Embora estejam à vista de todos, diariamente, os comportamentos de risco de muitos pais que levam as crianças de carro à escola, não há, creio, estudo algum do qual resulte que resida nesses pais a principal causa dos atropelamentos. Pelo contrário, os números divulgados revelam que a maioria (61%) dos atropelamentos nas imediações das escolas ocorrem fora dos períodos de entrada e saída das escolas! E mesmo quanto aos 39% de atropelamentos registados nesses períodos, nada indica que se possa imputar aos pais automobilistas a principal responsabilidade pelos desastres. As crianças podem passar a ir todas a pé para a escola e continuar a ser atropeladas!! Ao dirigir a sua reação contra os pais que levam as crianças de carro à escola, a CML parece ignorar ou desvalorizar aquilo que todos os dias vemos nas proximidades dos estabelecimentos de ensino, nomeadamente automobilistas (pais, não pais, viaturas comerciais, taxistas, viaturas pesadas e até veículos da CML) a conduzir a velocidades criminosas e a vergonha do estacionamento de carros em cima de passeios e passadeiras e/ou a prejudicar a visibilidade sobre as crianças nos atravessamentos pedonais. Aliás, como todos sabemos, um pouco por toda a cidade, muitos professores (e outros funcionários) das escolas estacionam irresponsavelmente os seus carros em cima dos passeios e passadeiras enquanto vão dar aulas.

Reduzir os fatores de risco aos pais que não deixam a “arma” em casa é, em suma, de uma leviandade inacreditável. A CML tem obrigação de reagir com mais cautela aos números de sinistralidade, pela mensagem que transmite e pela oportunidade que se perde. Se o objetivo é acabar com esta vergonha, que se enfrente seriamente o problema.  

A verdade é que, se existisse uma vontade séria de resolver o problema, há muito que estaria executado no terreno (pela própria CML, evidentemente) um plano de segurança rodoviária nas imediações das escolas da cidade, nomeadamente com medidas físicas impondo aos automobilistas velocidades baixas de circulação (a CML voltou a recordar a sua necessidade, mas continua sem as implementar) e mediante proteção de passadeiras e passeios da invasão dos automóveis. Desejavelmente convocando o envolvimento da polícia, que tem um programa denominado Escola “Segura” mas tudo tolera em matéria de insegurança infantil rodoviária nas imediações dos estabelecimentos escolares; persistindo a polícia na incompetência a que nos habituou na fiscalização dos comportamentos de risco dos automobilistas na proximidade das escolas, no que ao estacionamento diz respeito, os pilaretes continuam a ser uma solução barata e eficaz. Basta haver vontade.

Dito isto, o apelo a que os pais deixem as “armas” em casa e a que as crianças vão a pé para a escola continua a soar estranho vindo de uma CML que, por ação e por omissão, tem incentivado os automobilistas em geral a utilizar o carro na cidade e desincentivado as pessoas de andar a pé. Porque não nos esquecemos da construção de mais parques de estacionamento subterrâneos, de mais vias rápidas na cidade, de urbanizações de onde os residentes / trabalhadores só saem / entram de carro, da criação de bolsas de estacionamento em ruas onde os passeios são estreitos (ou não existem), da criação de lugares de estacionamento automóvel em cima dos passeios, de novos obstáculos nos passeios, de novas passagens de peões mal desenhadas e/ou construídas, da vergonhosa temporização dos semáforos para peões, etc., etc., etc., tudo isto incluindo zonas circundantes de escolas.

Quanto ao silêncio da polícia face aos números divulgados, hesitamos entre a crítica e o alívio. Porque, infelizmente, quando lhe ocorre falar sobre este assunto sobre o qual tem tanta responsabilidade (por omissão), a polícia costuma centrar o discurso no apelo a que as crianças tenham mais cuidado a atravessar as ruas…

Catarina
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Esclarecimento: não resido, nem trabalho em Lisboa, nem levo crianças à escola de carro.
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Vias rápidas urbanas

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O Campo Grande é um sítio pavoroso da cidade de Lisboa – de onde só apetece fugir. E, no entanto, há ali escolas, há a Biblioteca Nacional, há várias faculdades, igrejas, lojas, escritórios e muitos outros locais de trabalho (incluindo um grande edifício de serviços da Câmara Municipal de Lisboa). Há um jardim - entre o asfalto - que pedia menos barulho e um ar menos poluído. Há muito trânsito pedonal, incluindo centenas ou milhares de estudantes que por ali passam a pé todos os dias. E moram ali muitas pessoas - como quem vive junto a uma auto-estrada.
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Campo Grande, junto a uma universidade: sete (7) vias de trânsito, só num dos sentidos (Sul-Norte). Do outro lado há mais... (chega a haver nove vias no sentido Norte-Sul, se incluirmos duas vias de acesso a um parque de estacionamento). Só o verde do jardim do Campo Grande permite disfarçar o cenário completamente absurdo de asfalto e de via rápida.
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A fotografia anterior foi tirada do cimo de uma passagem superior de peões - algo que nunca deveria existir numa avenida urbana.
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Passagem superior para peões
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Em baixo, na imagem anterior (bem como na imagem seguinte), repare-se nas barras de proteção do tipo daquelas que se vêm nas autoestradas e nas vias rápidas em geral.
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Imagem do Google
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Repare-se também neste tipo de separadores, próprios de via rápida:
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Imagem do Google
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Entre as características de via rápida que estas avenidas lisboetas têm – além da multiplicação de vias de trânsito (é frequente haver mais vias do que aquelas que vemos normalmente nas autoestradas) - estão as placas indicadoras de direção, estruturas muito semelhantes àquelas que estamos habituados a ver nas autoestradas e nas vias rápidas. Nas vias rápidas, o seu tamanho está relacionado com as velocidades máximas permitidas nessas vias, sendo concebidas para se verem a uma distância razoável pelos condutores que circulam a velocidades elevadas. Em avenidas urbanas onde a velocidade máxima de circulação é de 50 km/h, essas estruturas não fazem sentido. E no entanto…
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Imagem do Google
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Repare-se na grande semelhança com o que se vê, por exemplo, na autoestrada A5:
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Auto-estrada A5
Imagem do Google
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Campo Grande
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Avenida da República
Imagem do Google
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[Ver outros exemplos no fim deste artigo]
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O eixo Avenida da República – Campo Grande, sobretudo a partir do Campo Pequeno, está há muitos anos transformado numa autêntica via rápida em plena cidade, com vários túneis para que o trânsito “flua com rapidez” e muitas vias de trânsito para “melhor escoar o tráfego”.
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Um ex-colega de trabalho costumava dizer que, com pouco trânsito, chegava a percorrer, de carro, esta parte da cidade a 150 km/h (cento e cinquenta e poucos quilómetros por hora foi o “recorde” desse personagem). Não é preciso levar um radar para verificar que quase ninguém aqui cumpre o limite de velocidade de 50 km/h, a não ser quando a intensidade do trânsito impede velocidades maiores – e a Câmara Municipal de Lisboa parece nunca ter tido verdadeira vontade de o impedir. Quando, há alguns anos, depois de mais um atropelamento mortal de uma estudante universitária, se reclamaram medidas de acalmia de tráfego (e, nomeadamente, um semáforo de controlo de velocidade de 50 km/h), a resposta do então Presidente da Câmara de Lisboa foi a de que tal iria causar um excessivo embaraço no trânsito.
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Entre o Campo Pequeno e o Campo Grande, a quantidade de asfalto é completamente absurda: as mesmas sete vias de trânsito…
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Haverá mesmo quem não se impressione com isto?
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só num dos sentidos (na zona do túnel do Campo Pequeno, contam-se 14 vias, incluindo as cinco do túnel).
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Em contrapartida, neste reduzido passeio ainda se mete, imagine-se, uma paragem de autocarro:
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Não é apenas ridículo: é absolutamente patético.
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Além do grotesco espaço concedido ao automóvel, é normal haver carros estacionados em cima dos passeios.
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[E neste "eixo rodoviário" não é raro encontrar-se carros a ocupar a toda a largura do passeio, como se exemplifica em imagem mostrada no fim deste artigo]
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Que agradável deve ser viver ou trabalhar aqui!
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Mais à frente - no sentido do Saldanha -, na parte menos selvagem da avenida tipo-via-rápida, a faixa de rodagem chega a ter 13 vias de trânsito (nunca tem menos de 10), mais duas para estacionamento (total: 15), contrastando com passeios de largura miserável (tendo em conta a largura da avenida e o elevado fluxo pedonal existente).
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Imagem do Google
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Imagem do Google
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ICaminho improvisado para os peões bloqueado e o mar de asfalto ao lado, na zona do Campo Pequeno.
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Como é que se continua a aceitar candidamente este disparate?
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Joana Ortigão
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ANEXO:
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Avenida Fontes Pereira de Melo, num pedaço de passeio excecionalmente mais largo.
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Painéis na Av. Fontes Pereira de Melo, perto do Marquês de Pombal
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Painéis na Av. Joaquim António de Aguiar, junto do Marquês de Pombal.
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(Este artigo foi publicado originariamente no blogue em Março de 2012. Mais de dois anos depois, continua, infelizmente, atual. Entretanto, foi inaugurada, pela Câmara Municipal de Lisboa, mais uma avenida-tipo-via-rápida, com 6 - por vezes, 7 - vias de trânsito, e que pretendeu constituir, precisamente, a continuação deste absurdo "eixo central" lisboeta de que fazem parte os referidos Campo Grande e avenidas Fontes Pereira de Melo e da República)
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Desastres de viação: as outras vítimas

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Nos últimos 40 anos, os desastres nas estradas em Portugal fizeram mais de dois milhões de vítimas, entre mortos e feridos.

Neste estúpido número não se incluem as outras vítimas

[nota: o caso seguinte é verdadeiro; os nomes citados são fictícios]

*
2007. A meio da manhã de um sábado, a Joana e a Ana dirigem-se de Lisboa para Cascais, de automóvel. A Joana vai a conduzir. Tinham passado a noite a divertir-se em Lisboa. A Joana tinha bebido e conduz também sob o efeito de estupefacientes. Está bom tempo e o piso está seco. O carro circula a mais de 80 km/h num local onde a velocidade máxima é de 70 km/h. Vai na via da esquerda, numa estrada de duas vias em cada sentido. A Joana não consegue manter o carro totalmente na sua via e o veículo colide lateralmente com outro que circula na via da direita e que, em consequência do choque, vai embater frontalmente contra um poste de eletricidade. Por seu turno, o carro da Joana vira e depois capota, só parando algumas dezenas de metros depois do embate.

A Joana e o condutor do outro veículo saíram quase ilesos do acidente. Mas a Ana sofreu lesões muito graves. Foi levada de ambulância para as urgências do hospital. Estava consciente. Tinha fortes dores e sofria muito. Foi dessa forma que viveu as últimas três horas da sua vida. Acabou por morrer.

A Ana tinha 19 anos e estava a dias de fazer 20. Era uma rapariga muito feliz, estava no primeiro ano de um curso superior e estava cheia de planos para a vida, que incluíam ir continuar o seu curso para o estrangeiro.

Provou-se, em tribunal, que o desastre se deveu exclusivamente ao facto de a Joana conduzir o carro em excesso de velocidade e sob a influência do álcool e de estupefacientes.

À Joana (de 24 anos de idade) tinha morrido um irmão, alguns anos antes, também num desastre de viação (ia ele a conduzir), circunstância que a tinha abalado muito. A Ana era muito sua amiga e a Joana ficou com grandes sentimentos de culpa e de arrependimento: mais uma pessoa que daria tudo para poder voltar atrás.

Mas os desastres de viação deixam normalmente outras vítimas. Os pais e a irmã da Ana ficaram de rastos. Eram uma família muito feliz e muito unida e a contribuição principal para essa harmonia era, precisamente, da Ana, que todos adoravam. Sem esse pilar, tudo se desmoronou. Todos perderam a alegria de viver.

A Ana era, para a sua irmã Catarina, de 21 anos, a melhor amiga. Desde a morte da irmã, Catarina passou a ter enormes problemas de relacionamento social e mesmo de comunicação, não havendo tratamento médico que a ajude. Chumbou nesse ano letivo e voltou a chumbar no seguinte [desconhece-se a evolução posterior à data da sentença do tribunal].

O desgosto e o sofrimento dos pais da Ana foram enormes. O pai entrou numa depressão, que acabou por o levar a abandonar a atividade de professor universitário. E a mãe entrou numa depressão mais grave [que se mantinha à data da sentença do tribunal] e acabou, por essa razão, por perder o emprego que tinha. É acompanhada psicologicamente há anos.

[No mesmo processo-crime em que a Joana foi condenada a uma pena de prisão de quatro anos e meio pelos crimes de homicídio negligente e de condução sob a influência do álcool e de estupefacientes e em que ficou proibida de conduzir durante três anos, foi ainda condenada a pagar, a cada uma destas outras vítimas, uma indemnização por danos morais de trinta mil euros (a acrescer a uma indemnização pelo sofrimento da Ana nas suas últimas três tristes horas de vida, a pagar aos seus herdeiros: os pais). Mas a indemnização jamais reparará os danos causados.]

Os desastres de viação dão cabo de vidas - e não apenas as de quem é diretamente envolvido neles. O número de vítimas que vem nas estatísticas constitui apenas a ponta de um icebergue.

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As "outras vítimas" referidas no título deste artigo são, obviamente, os pais e a irmã da Ana. Mas pensemos agora na outra vítima, a Ana, que morreu e não ia a conduzir. Conheço muitas pessoas que, no papel de ocupantes de um veículo conduzido por outra pessoa [amigo(a), namorado(a), colega, cônjuge…], se conformam com a condução perigosa deste, e até mesmo quando os seus próprios filhos também são transportados no carro. Depois, casualmente, em conversas sobre o assunto, muitas dessas pessoas acabam por confessar: «ele é doido a conduzir, eu já lhe disse, mas não me ouve, tenta convencê-lo tu…».

Há muito que me recuso a fazer o papel de candidata a vítima. Hoje, quem quer que me ofereça boleia sabe bem que só a aceito se a condução for feita em determinadas condições. O álcool está, obviamente, excluído. E o cumprimento dos limites de velocidade é coisa de que também não prescindo (aliás, exijo o mesmo dos taxistas: era o que faltava colocarem-me em perigo contra a minha vontade e ainda pagar para isso!). Caso contrário, recuso. Tenho amor à minha vida. No princípio, encaravam isto como brincadeira (mais uma da Contestatária!). Mas depois passaram a levar-me a sério. E já levei algumas pessoas a fazer o mesmo, mesmo sem as tentar convencer.

Por amor à vossa vida (e às dos vossos filhos, se os tiverem), deixem de se conformar! A segurança rodoviária também passa muito por aí.

Joana Ortigão
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(publicado originariamente no blogue em Novembro de 2010, por ocasião do Dia Mundial em Memória das Vítimas da Estrada)
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Um passeio na 24 de Julho (conclusão)

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(clique aqui para ler a parte anterior do artigo)
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Estou agora na parte final do percurso. Entretanto, para mal dos meus pecados, terminaram as arcadas.

Atravesso a Avenida Infante Santo…

[Olho para o lado direito, para o início da avenida: outra avenida em que só o automóvel é importante.]

…e entro numa “zona de acidentes”:
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Para minha sorte, na "zona de acidentes" há obras - e, por causa das obras, a via da direita está cortada ao trânsito, para que os trabalhadores possam trabalhar em segurança.
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É que o passeio aqui é inacreditavelmente estreito:
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[É engraçado como a passagem provisória tem mais do dobro da largura do passeio.]

Mesmo com as obras e este “alargamento” provisório da travessia, é assustador andar aqui, atenta a velocidade a que circulam muitos veículos (incluindo veículos pesados) e o facto de se tratar de uma “zona de acidentes”.

E, no entanto, concluída a obra, o passeio está a ser reconstruído exatamente com a largura que tinha antes – porque, pelos vistos, isto é julgado normal:
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Chego a um cruzamento, onde o chefe da obra está sentado numa carrinha a observar os trabalhos - e a carrinha está estacionada assim:
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Não sobra nem um bocadinho de passadeira.

Por cima da carrinha, o grande painel publicitário anuncia “apartamentos de assinatura” para este local. É difícil imaginar “melhor” sítio para se viver. É, aliás, isso que nos explicam no sítio do promotor na internet, onde, sobre a localização do empreendimento, se pode ler o seguinte:

«Localização:
A Alma Urbana atravessa a cidade.
Aterra no Bairro.
Molda-se às ruas, praças e vielas.
É isso que transforma os recantos em cidade.
É disso que vivem Alcântara e a 24 de Julho.
Alma Urbana, espírito ribeirinho, encontro intenso de vida coletiva e viver contemporâneo.
Bairro com vida».

Contorno a carrinha, atravesso a rua e continuo o “agradável” passeio por este belo recanto citadino cheio de vida coletiva e de Alma Urbana.
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[Depois de terminada a obra, voltei a fazer este percurso, porque vale a pena mostrar o que é este passeio:
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Pela enésima vez, compare-se a largura da avenida com a largura do passeio.

Em grande parte da extensão deste passeio, só passa uma pessoa de cada vez. Quando se cruzam duas pessoas em sentido contrário, a solução, para se evitar pisar o asfalto (coisa muito pouco recomendável), é uma delas parar e encostar-se à fachada do prédio para deixar passar a outra.
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No cruzamento mostrado acima, onde estava a carrinha em cima da passadeira, o passeio foi rebaixado apenas numa pequena parte da passadeira e com inclinação para a avenida-tipo-via-rápida:

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Depois das obras, todo este estreito passeio acabado de reconstruir, e que atravessa dois quarteirões da avenida, ficou com muita areia. Se alguém escorregar e cair, é aborrecido, porque não há muito espaço no passeio para cair e o asfalto está logo ali ao lado…]

Do outro lado da bifurcação com a Avenida da Índia, espera-me mais um passeio estreito:
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Mas primeiro tenho de lá chegar. Aguardo uma eternidade que o sinal para os peões fique verde.
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Finalmente o verde. Mas apenas para atravessar isto:
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Na “ilha” no meio deste cruzamento de avenidas-tipo-via-rápida, fico à espera mais uma eternidade pelo verde para passar para o outro lado.
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Chego por fim ao outro lado. Encontro mais um recanto cheio de "Alma Urbana". Por comparação com a experiência imediatamente anterior, este passeio é “largo”: cabem duas pessoas:
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Muitos veículos continuam a passar a velocidades elevadas, o ar é muito poluído e o ruído enorme - mas um grande sorriso invade agora o meu rosto: já estou a ver o meu destino: a estação de comboios de Alcântara-Mar:
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Só não sei como chegar ao outro lado. Entre mim e a estação, um horizonte de asfalto com carros a passar e nenhuma passagem de peões, nem mesmo junto das duas paragens de autocarro (uma de cada lado, mostradas na imagem de cima):
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Depois percebo finalmente. É o corolário “normal” de tudo isto: para não perturbar Sua Excelência o Senhor Automóvel, obrigam-me a ir até bastante mais à frente para descer a uma passagem subterrânea…
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…aliás bastante “aprazível e bem cheirosa”.
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E chego, aliviada, à estação.

Da plataforma vejo, sobre a avenida da qual acabei de fugir como uma toupeira, um painel publicitário que mostra uma grande área citadina cheia de espaço para os peões e com pessoas sorridentes.
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Desvio o olhar para o lado oposto: do outro lado da linha férrea, existe mais uma larga avenida, paralela àquela por onde vim (já que, ao que parece, todas aquelas vias de trânsito não chegavam)…
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…com estes maravilhosos passeios…
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…que davam outro artigo. Mas não contem comigo. Gosto de andar a pé, mas não nestas condições. E o comboio está a chegar. Daqui a alguns minutos estarei a viajar ao lado do rio e do mar e sentir-me-ei no paraíso…

Joana Ortigão


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[Este artigo foi publicado originariamente no blogue em 23 e 24 de maio de 2011, e em 25/5/2011 foi remetido ao Presidente da Câmara Municipal de Lisboa e aos vereadores José Sá Fernandes e Fernando Nunes da Silva. Três anos depois, continua atual.]
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