A rede portuguesa de auto-estradas: motivo de orgulho? (2)

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(continuação) (clique aqui para ler a primeira parte deste artigo)

A auto-estrada permite, geralmente, um encurtamento dos tempos de deslocação. E é fundamentalmente este factor que conduz a uma aceitação tão generalizada do investimento milionário que tem sido realizado nas auto-estradas em Portugal. Não é por acaso que a diminuição dos tempos de deslocação é repetida até à exaustão nos documentos nos quais se descreve a análise custo/benefício da infra-estrutura (a comparação, como sempre, é efectuada em relação à realidade preexistente).

Se transformássemos toda a rede viária principal do país (mais de 8 500 quilómetros) em auto-estradas, a satisfação dos utilizadores aumentaria em proporção equivalente: chegaríamos mais rapidamente a qualquer ponto do território continental. Mas seria, evidentemente, um completo absurdo - tal como seria absurdo cobrir todo o país com linhas ferroviárias de alta velocidade.

Ora, se entre a auto-estrada e a estrada a diferença de custos é grande, o ganho relacionado com o encurtamento dos tempos de viagem não parece ser muito significativo.

A diminuição dos tempos de deslocação nas auto-estradas está relacionada com o aumento da velocidade máxima permitida, com a inexistência de cruzamentos de nível e com a existência de pelo menos duas faixas de rodagem. A diferença entre a auto-estrada e a via rápida depende, sobretudo, do volume de tráfego, mas numa estrada com as características do referido troço do IP2 é aceitável considerar que a auto-estrada permitiria uma velocidade média de circulação superior em 20 km/h. No caso da auto-estrada Amarante-Bragança, por exemplo, os estudos prévios realizados apontaram para um aumento de 25 km/h, mas por compararem a nova auto-estrada com o actual IP4, que tem alguns troços lentos.

É sabido que, em auto-estrada, se o automobilista (de veículo ligeiro) não exceder a velocidade máxima permitida [e não se pode, obviamente, partir de outro pressuposto], mas tentar circular a essa velocidade, percorrerá, na melhor das hipóteses, uma média de 100 km por hora (se não fizer paragens); da mesma forma, numa via rápida, se tentar circular à velocidade máxima, a sua velocidade média de circulação não será, por regra, superior a 80 km/h.
[note-se que, em qualquer caso, a velocidade média de circulação diminui quanto mais curta for a distância a percorrer]
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Assim [e mesmo esquecendo factores como o maior afastamento das auto-estradas relativamente às cidades que elas servem, a eventual paragem nas praças de portagem e outros que também implicam perdas de tempo]:

- num percurso de 20 quilómetros (Fundão-Covilhã, por exemplo), o automobilista demorará 12 minutos em auto-estrada e 15 minutos em estrada: a diferença é de apenas 3 minutos;

- num percurso de 50 quilómetros (de Évora a Estremoz, por exemplo), demorará 30 minutos em auto-estrada e 37 minutos em estrada: a diferença é de apenas 7 minutos;

- num percurso de 100 quilómetros (da Guarda a Castelo Branco, por exemplo) demorará 1 hora em auto-estrada e 1 hora e 15 minutos em estrada: a diferença é só de 15 minutos;

- num percurso de 200 quilómetros (de Bragança ao Porto, por exemplo), demorará 2 horas em auto-estrada e 2 horas e meia em estrada: a diferença é de apenas meia hora.

É claro que para maiores distâncias, as diferenças de tempo aumentam:

- uma viagem de 400 quilómetros (Lagos-Castelo Branco, por exemplo) demoraria mais uma hora em estrada do que em auto-estrada;

- num percurso de 600 quilómetros (de Vila Real a Faro, por exemplo), a diferença seria já de uma hora e meia.

Note-se, no entanto, que estes dois casos pressupõem que nenhuma parte do percurso mais lento seria percorrida em auto-estrada, o que, diga-se, só seria altamente provável se o país não tivesse quaisquer auto-estradas: as diferenças serão, por isso, por regra menores do que as indicadas.

Abstraindo deste pormenor, dir-se-á que sendo a auto-estrada o tipo de estrada mais rápida que existe, ela é, precisamente, mais necessária quando é preciso vencer grandes distâncias.

Mas com que frequência é que os portugueses se deslocam, em Portugal, 400, 500 ou 600 quilómetros de automóvel?

Esta questão é normalmente omitida quando se propagandeia até à exaustão a poupança de tempo decorrente da utilização da auto-estrada – mas é, obviamente, uma questão importante.

Ora, paradoxalmente, alguns estudos têm indicado que em Portugal as auto-estradas são sobretudo utilizadas para percorrer distâncias curtas.

Tomando como exemplo o corredor Lisboa – Porto, verifica-se que [dados de 2003] as deslocações curtas eram (mais de) cinco vezes superiores às deslocações de média e longa distância. Um estudo de tráfego da Brisa divulgado na comunicação social há não muito tempo apontava no mesmo sentido: o grosso dos utilizadores da auto-estrada A1 não percorre médias e longas distâncias, mas sim deslocações curtas, ao longo de toda a auto-estrada (e, curiosamente, quanto maior é a distância, mais os portugueses preferem o comboio à auto-estrada – ver adiante).

Ora, se de facto assim for, terá de se concluir que os ganhos de tempo na generalidade dos percursos feitos por auto-estrada, por comparação com o tempo que os mesmos percursos demorariam a fazer em estrada, são pouco significativos, tornando mais pertinente que se questione a opção muito mais cara da auto-estrada. O encurtamento dos tempos de trajecto tem sido (a par da diminuição da sinistralidade) o principal motivo invocado pelo Estado para construir novas auto-estradas. Faz sentido encher-se o país de auto-estradas para permitir à generalidade dos automobilistas poupanças de poucos minutos nos trajectos que eles normalmente fazem? Insista-se: não estamos a considerar a realidade de um país rico.
[nota: o exemplo do corredor Lisboa-Porto foi apenas isso: não estamos a sugerir que não devesse ter sido construida a A1, que é a auto-estrada com maior volume de tráfego]


Vamos, ainda assim, abstrair do que acabámos de dizer. Em que é que se traduz o benefício da poupança de tempo da viagem em auto-estrada relativamente à viagem em estrada? Os quinze minutos que se poupam numa viagem de 100 quilómetros significam exactamente o quê?

Temos de distinguir consoante o tipo de utilizador. No último inquérito de satisfação da Brisa, concluiu-se que 50% dos utilizadores das auto-estradas [as geridas por aquela empresa] que foram inquiridos viajavam em férias ou em lazer e 48% em deslocação de / para o trabalho ou em deslocação profissional. Se é verdade que não é possível extrapolar estes dados, eles darão, ainda assim, uma ideia de que para uma parte bastante significativa dos utilizadores da auto-estrada a poupança de tempo nas deslocações não constitui mais do que uma comodidade.

Sobra, no entanto, o outro grupo de utilizadores.

Relativamente às viagens diárias de casa para o trabalho e vice-versa, será legítimo pressupor que, como regra, elas não implicam ganhos de produtividade, isto é, que o tempo ganho nas deslocações não é utilizado a trabalhar: o automobilista terá, simplesmente, mais tempo disponível para fazer outras coisas, o que se traduz numa maior qualidade de vida. Isto esquece, de qualquer modo, duas coisas: primeiro, que nesse tipo de viagens – geralmente curtas - os tempos poupados por se viajar em auto-estrada são, por regra, mínimos; segundo, que, sobretudo nas zonas urbanas, hoje é incontestável que nesse tipo de deslocações se devem privilegiar meios de locomoção mais sustentáveis, nomeadamente o transporte público.


Nas deslocações profissionais, devemos voltar a distinguir: em primeiro lugar, temos as deslocações em serviço em viatura particular (por exemplo, eu, Joana Roque Ortigão, desloco-me a Viseu de automóvel por motivos profissionais) e o transporte de mercadorias em veículos comerciais ligeiros (neste último caso, sujeito a um limite máximo de velocidade de 110 km/h nas auto-estradas). Nestes casos, o ganho de tempo traduz-se num incontestável valor económico.

Mas – e isto é frequentemente esquecido – pelos menos parte desse ganho económico é anulado pelos maiores custos inerentes à utilização da auto-estrada, já que:

a) a partir dos 60/70 km/h, os custos de operação dos veículos crescem com o aumento  da velocidade de circulação – implicando, nomeadamente, um acréscimo de despesas de combustível (o carro "gasta mais" a 120 km/h do que a velocidades inferiores);

b) as auto-estradas são pagas (ao contrário do que sucede com as estradas), e as portagens agravam significativamente os custos de deslocação;

c) as auto-estradas implicam, por regra, a realização de percursos mais extensos (devido, por exemplo, ao muito menor número de saídas), o que, mais uma vez, implica um aumento de custos.

(não são aqui considerados acréscimos de custos eventuais, como por exemplo o preço mais elevado dos combustíveis nas áreas de serviço das auto-estradas, os preços exorbitantes das áreas de serviço ou o que se paga a mais em caso de avaria do veículo numa auto-estrada)


Em segundo lugar, temos os veículos pesados – quer os veículos pesados de passageiros, quer os de mercadorias. É em especial quanto a estes últimos veículos que usualmente se invoca o benefício da auto-estrada para a economia, na medida em que a auto-estrada permitiria uma circulação mais rápida das mercadorias.

Curiosamente, no entanto, se é verdade que são os veículos pesados que maiores distâncias percorrem, é relativamente a eles que menos se justificam as auto-estradas (considerada a alternativa das vias rápidas): um veículo pesado de passageiros pode circular, no máximo, a uma velocidade de 100 km/h numa auto-estrada e para um veículo de mercadorias esse limite baixa para 80 km/h (veículo com reboque) ou 90 km/h (sem reboque).

Por outro lado, o aumento de custos associado à utilização da auto-estrada (como referido acima para os veículos ligeiros) é, neste caso, agravado, devido, sobretudo, ao pagamento de portagens mais elevadas.


Não significa tudo isto que não exista um ganho económico, considerados todos os factores relevantes. Poderá é tratar-se de um ganho com bastante menor significado do que aquele que poderia parecer à primeira vista - resultado, mais uma vez, de apenas se comparar a auto-estrada com a situação preexistente e não com a alternativa de uma boa estrada.

Por outras palavras, o benefício do ganho de tempo existe - e é a principal vantagem da auto-estrada. Mas num país com dificuldades económicas, é legítimo questionar se a dimensão desse benefício justifica o investimento faraónico realizado.

(continua)


Nota: este artigo não pretende, obviamente, constituir um estudo de custo / benefício das auto-estradas portuguesas. São apenas algumas reflexões, feitas por uma leiga (seguramente com falhas de análise), e não passam disso.

A rede portuguesa de auto-estradas: motivo de orgulho? (1)

I
No artigo anterior, comparámos a rede portuguesa de auto-estradas com as de outros países da Europa e concluímos, designadamente, que Portugal está no topo da União Europeia neste domínio.

Mas será um facto do qual nos devamos orgulhar (como entendem alguns) ou é antes um facto do qual nos devemos envergonhar (como entendem outros)?

Muita gente reage com perplexidade quando se critica que Portugal tenha quase 3 mil quilómetros de auto-estradas e que esteja prestes a acrescentar mais 500 quilómetros à sua já extensa rede: «como é que pode ser mau termos uma “excelente rede de auto-estradas?”», pergunta-se.

Todos temos mais ou menos noção da importância que as vias de comunicação têm tido ao longo da história. Cidades houve que se desenvolveram junto a portos (exemplos: Lisboa e Porto / Gaia), no cruzamento de caminhos e estradas (exemplo: Viseu) ou no entroncamento de linhas férreas (sendo o exemplo mais flagrante a cidade do Entroncamento). Não há economia que possa prosperar sem boas infra-estruturas de transporte, através das quais seja possível fazer circular, sem grandes constrangimentos, os bens produzidos.

Todos temos também uma percepção nítida da grande mudança que as auto-estradas trouxeram em termos de mobilidade no nosso país, com um significativo encurtamento das distâncias-tempo - que, aliás, está longe de ser surpreendente, sobretudo se pensarmos que tínhamos uma rede de estradas nacionais lenta e em grande parte mal conservada.

Estas duas circunstâncias explicam, em grande medida, a grande aceitação que as auto-estradas têm tido entre os portugueses.

Mas se nos ficarmos por aqui na avaliação do esforço português de construção de auto-estradas estaremos a ver apenas uma parte da realidade.


Um dos problemas básicos na análise custo / benefício das auto-estradas é comparar-se a auto-estrada apenas com a realidade preexistente, e nunca se fazer a comparação com uma boa alternativa a ela – e não estamos agora a pensar apenas na ferrovia (que será referida adiante), mas sim numa boa estrada. Assim, se compararmos a A24 (Viseu–Chaves) com o percurso rodoviário que existia anteriormente (a Estrada Nacional 2), torna-se muito mais fácil encontrarmos vários benefícios na construção daquela auto-estrada. Tem sido este o tipo de caminho trilhado por quem tem governado o nosso país nos últimos 25 anos, com o apoio expresso ou o silêncio mais ou menos cúmplice dos autarcas locais (de todos ou de praticamente todos os partidos) e a satisfação do povo.

E, no entanto, decidir-se construir uma auto-estrada sem se considerarem previamente outras alternativas (e sem se fazer a análise custo / benefício tendo também em conta essas alternativas) é algo que, no mínimo, nos devia deixar perplexos, ou não fosse o nosso país um país com uma economia débil e cheio de carências em inúmeras áreas, da saúde à cultura, passando pela justiça e pelo ensino, só para citar alguns exemplos.

É que as auto-estradas são muito caras, quando comparadas com as outras estradas. Implicam maiores exigências em termos de construção e de traçado. Exigem elevadíssimos custos de investimento e maiores custos de exploração e de conservação. Só a auto-estrada Amarante–Bragança (presentemente em construção) está a custar-nos mais de 850 milhões de euros (mais de 5,2 milhões de euros por quilómetro, se não houver derrapagens), e isto considerando apenas os custos de construção previstos: os avultados prejuízos para o erário público associados à sua exploração vão prolongar-se pelas próximas décadas, afundando ainda mais um país já muito endividado (com as consequências que estão à vista de todos).

Há casos em que foi acertada a decisão de construir uma auto-estrada: não estamos a sugerir que o país não devesse ter auto-estradas. Mas em relação a uma parte bastante significativa da rede é lamentável que não tenha sido considerada uma alternativa mais barata [isto esquecendo por ora os casos em que pura e simplesmente nenhuma nova via devia ter sido construída].

A alternativa à construção de uma auto-estrada não tem de constituir necessariamente uma estrada sinuosa, com mau piso e que atravesse dezenas de povoações. Em lugar de uma auto-estrada, pode, por exemplo, construir-se uma boa via rápida, bem projectada, sem os disparates construtivos que tinham, por exemplo, alguns troços do IP5 (declives muito acentuados e curvas apertadas). Provavelmente não há melhor exemplo que possa ser citado: o troço do IP2 entre São Manços (perto de Évora) e as proximidades de Beja é um exemplo de uma boa via rápida, bem projectada e bem construída, onde é possível conduzir, em segurança, à velocidade máxima permitida (100 km/h), não obstante a existência de alguns desníveis no traçado – nos quais se construiu (e bem) uma segunda via para veículos lentos – e de alguns cruzamentos de nível (que podem ser suprimidos). Não é apenas um exemplo de uma boa estrada: é também um exemplo de como teria sido um completo disparate a construção no seu lugar de uma auto-estrada, aumentando um pouco a velocidade de circulação e diminuindo ligeiramente os tempos de percurso.

Uma estrada (uma boa estrada) pode, nos troços onde isso se justifique (e apenas nesses), ter duas faixas de rodagem em cada sentido: há inúmeros troços de estradas nacionais em Espanha ou em França, por exemplo, onde isso sucede. Na óptica do utilizador, não se distinguem muito das auto-estradas propriamente ditas, a não ser na velocidade permitida, que é um pouco mais baixa (geralmente, 20 km/h mais baixa, como sucede em Portugal com as vias reservadas a automóveis, onde a velocidade máxima é de 100 km/h). Noutros casos, a estrada pode ter pequenos troços de duas faixas regularmente distribuídos ao longo do seu trajecto, de modo a possibilitar ultrapassagens mais seguras.

A única alternativa a uma auto-estrada não é, portanto, uma estrada lenta, sinuosa ou com características urbanas.

E nesse caso as coisas mudam de figura.

E mudam de figura, desde logo, relativamente ao primeiro dos grandes benefícios que são apontados à auto-estrada: o conforto do utilizador e a diminuição dos tempos de deslocação.

Se o conforto na deslocação em auto-estrada não é muito diferente do de uma viagem numa boa estrada (nos termos já explicados), é de notar, de qualquer modo, que, por si só, nunca justificaria um tão elevado investimento num país que não é rico.

E quanto aos tempos de deslocação?

(continua)


Nota: este artigo não pretende, obviamente, constituir um estudo de custo / benefício das auto-estradas portuguesas. São apenas algumas reflexões, feitas por uma leiga (seguramente com falhas de análise), e não passam disso.

Os campeões das auto-estradas: Adenda 2 – O caso da Noruega

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A Noruega, delimitada a vermelho neste mapa da Europa, é um grande país: é o 8.º maior país da Europa e é três vezes e meia maior do que Portugal. Se quisermos viajar de Kristiansand (a 8.ª maior cidade do país), no Sul, até Vardø, no Norte, temos de percorrer quase 3 000 quilómetros; até Trondheim (a 4.ª maior cidade da Noruega) percorrem-se mais de 800 km; até Tromsø (a 9.ª maior cidade) são cerca de 2 000 km; até Bodø (14.ª maior cidade) são mais de 1 500 km; e até Harstad (a 20.ª maior cidade) percorrem-se mais de 1 800 km.

Assim, sem surpresa, em 2008, a rede viária principal da Noruega, com 27 344 km, mais do que triplicava a de Portugal (8 576 km). Mas desses mais de 27 mil quilómetros, apenas 253 km eram de auto-estradas (e não era por falta de dinheiro para as construir...). Assim, enquanto em Portugal praticamente um terço (31,4%) da rede viária principal era constituída por auto-estradas, na Noruega essa percentagem era de 0,9% (ZERO VÍRGULA NOVE POR CENTO).

Se é verdade que a população da Noruega (4,7 milhões) é muito inferior à portuguesa (10,6 milhões), mesmo introduzindo este fator de ponderação a Noruega tinha, em 2008, muito menos quilómetros de auto-estrada do que Portugal: enquanto o nosso país tinha 253 km de auto-estrada por milhão de habitantes, a Noruega tinha apenas 53 km (valor este próximo do do Reino Unido).

A Noruega tinha 7 km de auto-estrada por cada 10 mil km2 de território (valor inferior ao da Roménia). Portugal tinha 292 km.

Por fim, no terceiro fator de ponderação a que recorremos (quilómetros de auto-estrada / PIB per capita), aos 141 km de Portugal contrapunham-se apenas 5 km de auto-estrada da Noruega (o que a colocaria na cauda da União Europeia, se a Noruega a ela pertencesse).

A Noruega era, em 2008, uma das economias mais pujantes da Europa, o 3.º país mais rico do mundo, tinha o maior índice de desenvolvimento humano do planeta e uma das mais baixas taxas de sinistralidade rodoviária do mundo. 

(continua)

Joana Ortigão


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Os campeões das auto-estradas (3)
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Os campeões das auto-estradas (5)
Os campeões das auto-estradas: Adenda 1 - Os novos países da UE

Fonte: Eurostat

Os campeões das auto-estradas: Adenda 1 – Os novos países da UE

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Portugal é membro da União Europeia há quase 25 anos. Como é sabido, recorreu abundantemente aos fundos estruturais da UE para ajudar a custear as auto-estradas que se decidiram construir: em Portugal construiram-se (até 2010) pelo menos 2 571 km de auto-estrada, tendo a nossa rede de auto-estradas crescido mais de 1 600% desde a adesão à Comunidade Económica Europeia.

Doze dos 27 países da União Europeia são membros recentes: dez entraram em Maio de 2004 e dois em Janeiro de 2007, e todos beneficiam igualmente dos fundos estruturais da UE. Embora seja necessário esperar mais alguns anos para se poder fazer um balanço, tem, de qualquer modo, interesse saber como se estão a comportar esses países neste domínio – sendo que não incluiremos nesta análise a Bulgária e a Roménia, por ter decorrido muito pouco tempo entre a data da adesão (2007) e os últimos dados oficiais disponíveis.

Assim, no que diz respeito aos dez países que entraram na UE em Maio de 2004, verifica-se que a maioria não construiu auto-estradas ou construiu poucos quilómetros de auto-estrada:

1) a Eslováquia construiu apenas 68 km de auto-estrada;

2) o Chipre não construiu um único quilómetro de auto-estrada: desde 2004 diminuiu mesmo a sua rede de auto-estradas de 268 km para 257 km;

3) a Estónia construiu 8 km de auto-estrada;

4) a Letónia não construiu um único quilómetro de auto-estrada;

5) a Lituânia também não construiu auto-estradas e, pelo contrário, diminuiu a sua rede de auto-estradas de 417 km para 309 km;

6) Malta não construiu um único quilómetro de auto-estrada.

Em conjunto, estes seis países construíram, portanto, 76 km de auto-estrada. Seria uma média de 12,6 km por país, não fosse a circunstância de em dois deles a rede ter diminuído 119 km: na realidade, no conjunto destes seis países o que se verificou - desde que entraram na União Europeia - foi uma diminuição de 43 km de auto-estrada.

Apenas quatro dos dez países aumentaram a rede em termos significativos:

7) a República Checa construiu 145 km de auto-estrada;

8) a Eslovénia construiu 213 km de auto-estrada;

9) a Polónia construiu 223 km de auto-estrada;

10) a Hungria construiu 289 km de auto-estrada.

Em média, o crescimento em cada um destes quatro países foi de 217,5 km.


No conjunto destes 10 países, a rede de auto-estradas aumentou 827 km, ou seja, em média cerca de 83 km por país.

No mesmo período, em Portugal a rede de auto-estradas (que já era enorme) cresceu 490 km.

(continua)

Joana Ortigão


Artigos relacionados:
Os campeões das auto-estradas (1)
Os campeões das auto-estradas (2)
Os campeões das auto-estradas (3)
Os campeões das auto-estradas (4)
Os campeões das auto-estradas (5)
Os campeões das auto-estradas: Adenda 2 - O caso da Noruega

Fonte: Eurostat

Os campeões das auto-estradas (5)

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(continuação) (clique aqui para ler a primeira parte; a segunda parte; a terceira parte; e a quarta parte)


Como decorre do que atrás ficou dito a propósito de cada um dos três fatores de ponderação considerados (área, população e riqueza), qualquer deles, isoladamente considerado, é insatisfatório. Por exemplo, a Holanda surge como o país da União Europeia com mais auto-estradas por km2 de território, mas esta posição é, em grande parte, explicada pelo facto de ser um país muito populoso - tem a maior densidade populacional da UE – e ainda pelo facto de ser um dos países mais ricos da União. O Luxemburgo surge em terceiro lugar segundo os critérios da população e da área, mas é penúltimo entre os 27 na ordenação feita segundo a riqueza de cada país: é o país mais rico da União Europeia.

O ideal seria, por isso, reunir numa mesma classificação estes três fatores de ponderação. Foi o que A Nossa Terrinha fez, de uma forma um pouco grosseira: somámos as posições de cada país nas tabelas referentes aos três critérios mencionados e ordenámos os 27 países de acordo com os resultados obtidos:
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Países da União Europeia com mais quilómetros de auto-estrada, ponderadas a área, a população e a riqueza produzida (2008).


Entre os dez países da União Europeia com mais auto-estradas aparecem, sem surpresa, alguns dos países mais ricos: Eslovénia e Portugal são as únicas exceções. Portugal é, aliás, o país mais pobre nestes dez primeiros. E o nosso país está mesmo à beira de «conquistar» o 1.º lugar: os 490 km de auto-estradas presentemente em construção (422 km) e adjudicação (68 km) são suficientes para destronar a Espanha do 1.º lugar.

Se tivéssemos utilizado, no terceiro fator de ponderação, o indicador PIB em valores absolutos (e não per capita) - como fez há dois anos o economista Avelino de Jesus -, Portugal surgiria já hoje, nesta classificação ponderada, à frente de todos os outros países da União Europeia.


Quando se procura saber quais os países da União Europeia com mais auto-estradas, esta tabela apresenta, pelos motivos já explicados, resultados mais aproximados da realidade do que qualquer das quatro tabelas anteriores (1 - quilómetros de auto-estrada, 2 - quilómetros de auto-estrada por área, 3 - quilómetros de auto-estrada por habitante e 4 - quilómetros de auto-estrada por riqueza do país).

Deve, no entanto, ter-se presente que são resultados muito limitados e que está longe de ser uma tabela que retrate rigorosamente a realidade.

De resto, os três critérios utilizados são apenas três dos fatores relevantes - embora sejam, provavelmente, os mais importantes: há outros fatores que pesam, mas que seriam dificilmente mensuráveis, de forma a reduzi-los a números com base nos quais se pudessem construir outras tabelas. Por exemplo, o relevo de cada país (fator com muito menor relevância, diga-se), a configuração geométrica, a situação geográfica ou o tipo de povoamento (concentrado ou disperso) são fatores que não devem deixar de ser tidos em conta [ver adiante nesta série].

Entre os fatores que por vezes são referidos encontra-se o índice "quilómetros de auto-estrada / quilómetros da rede viária". Avelino de Jesus concluiu, há dois anos, que em 2006 as auto-estradas portuguesas correspondiam a 2,3% da rede viária total do país, e que na União Europeia só a Espanha e o Luxemburgo estavam à nossa frente.

Os números relativos à totalidade da rede viária de cada país não são, no entanto, muito rigorosos, pelo menos no que diz respeito a parte dos países da União, face à dificuldade de apurar a extensão exata da rede secundária [nem em Portugal se sabe em termos exatos qual a extensão da rede viária total: sabemos apenas que ela tem hoje aproximadamente 100 mil quilómetros, excluindo as auto-estradas; mais de 3 mil quilómetros da rede não têm "dono" conhecido]. Em relação a alguns países da UE, os números não são sequer conhecidos (ou divulgados).

Por outro lado, esse critério não constitui um bom indicador para ajudar a apurar quais os países da União com mais auto-estradas: a extensão da rede viária secundária (que, em Portugal, inclui, por exemplo, as estradas e os caminhos municipais) depende muito mais do tipo de povoamento, tornando a comparação menos interessante.

Mais interessante é apurar a percentagem das auto-estradas na rede principal (que, em Portugal, inclui, nomeadamente, os IP, os IC e algumas estradas nacionais) – por outras palavras, apurar qual a parcela da rede viária principal de cada país que tem "perfil de auto-estrada". Os dez países com maior percentagem de auto-estradas são os seguintes:
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Percentagem de auto-estradas relativamente à totalidade da rede viária principal (2008).


Mais uma vez, a tabela é dominada pelos países ricos, mais uma vez as únicas exceções são Eslovénia e Portugal (o nosso país tem praticamente um terço da rede principal em auto-estrada) e mais uma vez Portugal é o país mais pobre entre os dez primeiros. Por curiosidade, regista-se o 12.º lugar da Bélgica (com apenas 12,2%), o 13.º lugar da Suécia (com 12 %), o 16.º lugar da Irlanda (com 10,4%), o 20.º lugar do Reino Unido (com apenas 6,7%) e o 21.º lugar da Finlândia (com 5,5%), que não deixam de impressionar face aos 31,4% de Portugal.


Ainda que possam não retratar com rigor a realidade, estas tabelas dão uma ideia aproximada dessa realidade. Elas mostram inequivocamente que Portugal está nos lugares de topo da União Europeia no que diz respeito à rede de auto-estradas.

No entanto, se é certo que estas tabelas revelam que Portugal surge classificado em posições que não são “normais” face à sua dimensão, população, riqueza e dimensão da sua rede viária principal, elas não nos dizem se isso é positivo ou negativo.

Por outras palavras, estes números serão motivo para nos orgulharmos ou para nos envergonharmos?

É sobre esta questão que nos vamos debruçar a seguir, depois de darmos uma rápida vista de olhos a duas situações particulares.

(continua)


Joana Ortigão


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Os campeões das auto-estradas: Adenda 1 - Os novos países da UE
Os campeões das auto-estradas: Adenda 2 - O caso da Noruega

Fontes:
- a tabela relativa à rede viária principal foi feita a partir de dados do Eurostat
- artigo do economista Avelino de Jesus “O caso das auto-estradas portuguesas: a evidência do excesso de vias

Os campeões das auto-estradas (4)

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(continuação) (clique aqui para ler a primeira parte; a segunda parte; e a terceira parte)


O terceiro fator de ponderação geralmente aceite sem grande discussão é, justamente, a riqueza de cada país, critério que, aliás, não é menos importante do que os outros: as auto-estradas são vias de comunicação muito caras (quando comparadas com outros tipos de estradas), consumindo quantidades astronómicas de recursos financeiros que, em países mais pobres, com orçamentos mais limitados, são indispensáveis para fazer face a outras necessidades, muitas vezes mais básicas e prementes.

Menos fácil é medir a riqueza de cada país. O indicador usualmente empregue é o Produto Interno Bruto (PIB), que constitui a soma de todos os bens e serviços produzidos por um país.

Há cerca de dois anos, o economista Avelino de Jesus fez um cálculo semelhante, no quadro dos países da OCDE, recorrendo ao PIB em valores absolutos. Calculando, com dados de 2006, os quilómetros de auto-estrada por bilião de dólares de PIB, concluiu que, entre os 33 países da OCDE, Portugal era o segundo país com mais quilómetros de auto-estrada por bilião de dólares de PIB: só o Canadá (o segundo maior país do mundo) ultrapassava Portugal. Concluiu ainda que, embora o PIB português correspondesse apenas a 1,3% do PIB da União Europeia, Portugal tinha 3,2% do total de (quilómetros de) auto-estradas da União Europeia [número entretanto desatualizado: em 2008, a percentagem era já de 4,1%].

Em relação a 2008 (o ano que temos vindo a considerar, pelos motivos explicados), Portugal tinha 114 km de auto-estrada por 10 mil milhões de dólares de PIB, valor que coloca o nosso país no 2.º lugar entre os 27 países da UE - só na Eslovénia encontramos um valor (ligeiramente) superior (117 km) -, enquanto no quadro da OCDE o Canadá continuava a liderar [com 129 km (valor este baseado em números de 2006)]. Refira-se, no entanto que os 422 km de auto-estrada que estão a ser construídos em Portugal são suficientes para o nosso país - com 134 km por 10 mil milhões de dólares de PIB - passar para o 1.º lugar na União Europeia (e, fora da UE, ultrapassar mesmo o gigante Canadá). Se adicionarmos os 68 km da auto-estrada Coimbra-Viseu e os 122 km de auto-estradas da Concessão Centro, o valor sobe para 141 km por 10 mil milhões de dólares. Mas com ou sem Concessão Centro, estamos, segundo este critério, prestes a liderar a União Europeia e a ficar confortavelmente distanciados do segundo lugar e bastante longe de alguns grandes da Europa: só para se ter uma noção, o maior país da União Europeia (França) tem 51 km de auto-estrada por 10 mil milhões de dólares de PIB (surge em 8.º nesta lista).

Este indicador revela, no entanto, uma fraqueza: só tem em conta a riqueza produzida pelo país, independentemente da sua dimensão populacional. Para este efeito, parece-nos fazer mais sentido recorrer ao PIB per capita. Por exemplo, Portugal tem um PIB próximo do da Dinamarca, mas tem mais do dobro da população deste país nórdico, o que significa que, em termos reais, a riqueza produzida (em média) por cada português é muito inferior àquela que cada dinamarquês produz. Este indicador permite-nos concluir que a Dinamarca gera mais riqueza do que Portugal (não constitui novidade para ninguém que a Dinamarca é mais rica do que Portugal), o que se reflete, naturalmente, nos orçamentos de ambos os países: a Dinamarca tem mais dinheiro disponível para construir auto-estradas do que Portugal.

Mais pacífico é que, querendo-se fazer uma comparação entre os 27 países da União Europeia, que têm poderes de compra muito diferentes, é recomendável recorrer ao PIB – Paridade de Poder de Compra (PPC), de modo a eliminar essas diferenças. Isto também não é difícil compreender. A construção de uma escola ou de um quilómetro de auto-estrada não custa o mesmo em Portugal ou na Suécia. Dois países podem ter um PIB per capita idêntico, mas se tiverem custos de vida muito diferentes, na realidade a mesma riqueza produzida “vale mais” num dos países do que no outro. Recorrendo a este critério, as diferenças entre os 27 países da União surgem normalmente mais esbatidas do que se considerássemos os valores reais de PIB: baixam os valores de PIB de países ricos como o Luxemburgo, a Holanda, a Áustria, a Suécia, a Dinamarca, a Alemanha, a França, etc., e aumentam os de países mais pobres, entre os quais Portugal. E utilizando este fator de ponderação (em vez daquele que referimos atrás e que colocava Portugal no topo da UE), o nosso país baixa uns lugares na tabela. Eis, portanto, a tabela dos dez países da União Europeia com mais quilómetros de auto-estrada por riqueza produzida:
I
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Quilómetros de auto-estrada / PIB per capita avaliado em PPS (Paridade de Poder de Compra Padrão). Os valores apresentados na tabela resultam da multiplicação do índice obtido por 1 000, para facilitar a leitura do quadro (por exemplo, o índice real da Espanha é 0,525 e não 525). Média (UE): 95.


As seis maiores economias da União Europeia - França, Alemanha, Itália, Espanha, Holanda e Reino Unido - estão entre os sete primeiros lugares e o único país que se intromete entre elas é… Portugal. Portugal é, aliás, a única "anomalia" desta tabela: sem surpresa surgem, nos dez primeiros lugares, alguns dos países mais ricos da Europa comunitária. Anómalo seria se os campeões das auto-estradas fossem os países mais pobres, que continuam a ter orçamentos muito limitados para todas as suas necessidades nas diversas áreas (saúde, educação, transportes, etc.) e tendo, por conseguinte, de orientar os seus insuficientes recursos para as despesas mais prioritárias.

O primeiro lugar da Espanha não deixa, ainda assim, de constituir um desvio (sobretudo pela diferença de números), não obstante estarmos a falar da quarta maior economia da União Europeia e do segundo maior país - cinco vezes e meia maior do que Portugal.

Impressionante, nos resultados obtidos, é a enorme disparidade entre os 27 países da União. Só os primeiros seis países da tabela estão acima da média europeia.

(continua)

Joana Ortigão


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Fontes:
- tabela feita a partir de dados do INE / Eurostat
- artigo do economista Avelino de Jesus “O caso das auto-estradas portuguesas: a evidência do excesso de vias

Os campeões das auto-estradas (3)

I
(continuação) (clique aqui para ler a primeira parte e a segunda parte deste artigo)


As auto-estradas são muito caras e um tão elevado investimento só se justifica perante a previsão de determinados índices mínimos de tráfego. Estes dependem, em grande parte, do número de habitantes do país: por exemplo, se a Irlanda tivesse cinco mil habitantes, seria absurdo construir-se uma rede de auto-estradas nesse país.

A população é, portanto, o segundo fator de ponderação que é necessário introduzir.

Assim, é a seguinte a lista dos dez países da União Europeia com mais quilómetros de auto-estrada por habitante:
I
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Quilómetros de auto-estrada por milhão de habitantes (2008). Média (UE): 141.


Embora Portugal seja apenas o 11.º país mais populoso da União Europeia, aparece em 5.º lugar na tabela, revelando, mais uma vez, um desvio. Contando com os quilómetros de auto-estrada presentemente em construção, Portugal atinge a Espanha no 4.º lugar. Com a auto-estrada Coimbra-Viseu (já em fase de concurso), atinge o Luxemburgo no 3.º lugar. E se adicionássemos as auto-estradas da concessão Centro (com adjudicação por enquanto suspensa), Portugal ficaria já muito perto do 2.º lugar.

Na situação inversa estão vários países «de peso»: o país mais populoso da União Europeia (Alemanha) só surge em 12.º na tabela; o segundo mais populoso (França) só aparece em 9.º lugar; o terceiro mais populoso (Reino Unido) está na cauda da tabela (22.º); o quarto mais populoso (Itália) só surge em 15.º na tabela; o sexto mais populoso (Polónia) é apenas 24.º; o sétimo mais populoso (Roménia) é 25.º; o nono mais populoso (Grécia) surge em 16.º; o 12.º em população (República Checa) é 21.º nesta tabela; etc.

Espanha, Holanda, Bélgica, Estónia, Letónia, Lituânia, Hungria, Malta e Eslováquia ocupam na tabela as mesmas posições (ou sensivelmente as mesmas posições) correspondentes à dimensão relativa da sua população no seio da União.

Tal como na tabela anterior, além de Portugal, há outros países com um desvio no mesmo sentido: o Luxemburgo é o segundo país menos populoso (26.º mais populoso) mas surge em 3.º lugar; o Chipre é o terceiro país menos populoso (25.º) e aparece em 2.º lugar; a Eslovénia é o 23.º país em população mas lidera esta tabela; a Dinamarca é o 17.º país da União em população e aparece em 7.º nesta tabela; e quatro outros países apresentam variações menos significativas (Irlanda, Áustria, Finlândia e Suécia).

Se olharmos para a lista de países referida no parágrafo anterior, verificamos, porém, que todos são mais ricos do que Portugal. De resto, quer nesta tabela (população), quer na tabela anterior (tamanho do país), constatamos que todos os outros nove países mais bem classificados são mais ricos do que Portugal.

(continua)

Joana Ortigão


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Os campeões das auto-estradas (4)
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Fonte: tabela feita a partir dos dados do Eurostat

Os campeões das auto-estradas (2)

I
(continuação) (clique aqui para ler a primeira parte deste artigo)


Um dos fatores de ponderação consensuais é, precisamente, a dimensão territorial de cada país, cuja relevância toda a gente entende facilmente. Da fronteira luxemburguesa com a Bélgica (na ponta Ocidental do pequeno país, junto a Aarlen) à fonteira com a Alemanha, na ponta Oriental (junto a Trier) são pouco mais de 40 km em linha reta (55 km em estrada). Entre Esposende e Miranda do Douro ou entre Cascais e Elvas são cerca de 200 km em linha reta (cerca de 290 km em estrada no primeiro caso, 230 km no segundo caso). Entre Brest (Oeste da França) e Estrasburgo (Leste, na fronteira com a Alemanha) são 930 km em linha reta (1 100 km pelas estradas existentes). As auto-estradas são, precisamente, as vias rodoviárias que permitem percorrer maiores distâncias da forma mais rápida.

Assim, os dez primeiros países da União Europeia com mais quilómetros de auto-estrada por quilómetro quadrado de território [independentemente da configuração geométrica de cada país] são os seguintes:
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Quilómetros de auto-estrada por 10 000 km2 de território (2008). Média (UE): 185.

Embora Portugal seja apenas o 13.º maior país da União Europeia, surge em 6.º lugar na tabela, revelando, assim, uma distorção - com tendência para aumentar: os quilómetros de auto-estrada atualmente em construção no nosso país são suficientes para Portugal atingir a Eslovénia no 5.º lugar. E se adicionarmos a auto-estrada presentemente em fase de concurso (Coimbra-Viseu), Portugal igualará a Alemanha no 4.º lugar.

Há países cuja posição na tabela corresponde sensivelmente à sua posição na ordenação dos 27 por tamanho: para citar alguns exemplos, a Alemanha surge na 4.ª posição e é o 4.º maior país da União, a Áustria aparece em 14.º e é o 11.º maior país, a República Checa aparece em 15.º e é o 15.º maior país, a Irlanda aparece em 16.º e é o 16.º maior país, a Eslováquia surge em 18.º e é o 19.º maior, a Lituânia é 17.º sendo o 19.º maior país, Malta é o país mais pequeno e aparece no último lugar na tabela.

Ocorrem também desvios no sentido inverso ao verificado para Portugal, alguns bastante significativos: por exemplo, a Suécia é o 3.º maior país da União Europeia mas é apenas o 20.º na tabela; a Finlândia é o 5.º maior país mas está na cauda da tabela (24.º); a França é o maior país da União mas só aparece em 12.º na tabela; a Roménia é o 9.º país em tamanho e está também na cauda (25.º); a Polónia é o 6.º maior país e só surge em 22.º lugar; a Bulgária é ligeiramente maior do que Portugal (é 11.º em tamanho), mas é 21.ª na tabela (15 posições atrás de Portugal); a Espanha é o 2.º maior país e só surge na 8.ª posição na tabela; etc.

Mas há 6 países com uma distorção no mesmo sentido de Portugal – curiosamente, trata-se de 6 dos 7 países mais pequenos da União Europeia (a única exceção é Malta, que não tem auto-estradas): a Holanda tem quase os mesmos quilómetros de auto-estrada do que Portugal, mas é duas vezes e meia mais pequena: é o 22.º maior país da União mas lidera esta tabela; o mesmo sucede com os outros dois países do Benelux: Bélgica (2.º na tabela e 23.º em tamanho) e Luxemburgo (é 3.º na tabela embora seja o segundo país mais pequeno entre os 27); a Eslovénia é o quarto país mais pequeno da União (24.º maior), mas aparece em 5.º lugar na tabela; o Chipre é o terceiro mais pequeno país (25.º maior) e surge em 7.º lugar; e a Dinamarca é o 21.º em tamanho, mas é 9.º nesta tabela.

Praticamente todos estes desvios têm uma explicação lógica. Por exemplo, o país que lidera esta tabela (Holanda) tem uma população significativamente maior do que a portuguesa: 16,5 milhões de habitantes. Trata-se de outro fator de ponderação importante.


Os campeões das auto-estradas (1)

I
Estávamos em 1944 quando Oliveira Salazar inaugurou a primeira auto-estrada portuguesa, entre Lisboa e o Estádio Nacional (hoje integrada na A5), com um total de 8 quilómetros. Sinais de modernidade num país então muito atrasado e muito pobre. Até ao fim da ditadura seriam ainda construídos pequenos troços de auto-estrada que hoje estão integrados na A28 (Porto-Caminha), na A3 (Porto-Valença), na A1 (Lisboa-Porto) e na A2 (Lisboa-Algarve).

Nos anos 70 e princípios dos anos 80, quando o mundo atravessou duas grandes crises petrolíferas, que afetaram gravemente o nosso país, poucos quilómetros de auto-estrada se construiram.

A febre das auto-estradas iniciou-se com a chegada de Cavaco Silva ao poder (final de 1985), que coincidiu com o início da entrada em Portugal dos fundos milionários da União Europeia e com a baixa do preço do petróleo para níveis históricos. A história é conhecida, mas não deixa de ser impressionante. No ano anterior (1984), havia em Portugal cerca de 160 km de auto-estradas. Em cinco anos (1985-1990), a rede de auto-estradas praticamente duplicou, chegando aos 316 km em 1990. Mais cinco anos passaram e este número mais do que duplicou (crescimento de 117% ou 371 km), passando para 687 km em 1995, ano em que Cavaco Silva abandonou o poder, mas não sem deixar mais projetos de auto-estradas em execução, que o seu sucessor António Guterres prosseguiu, ao mesmo tempo que lançava novos projetos: nos 5 anos seguintes (1995-2000), a rede de auto-estradas voltaria a mais do que duplicar (aumento de 116% ou 795 km), para se fixar nos 1 482 km em 2000. Entre 2000 e 2005, sendo primeiros-ministros, sucessivamente, António Guterres, Durão Barroso e Santana Lopes, registou-se um crescimento de 58% (859 km), atingindo a rede os 2 341 km. Entre 2005 e 2010, já com José Sócrates no poder, o número de quilómetros de auto-estrada cresceu a um ritmo mais moderado: 17% (390 km de novas auto-estradas). Haverá hoje em Portugal 2 731 km de auto-estradas [isto de acordo com os critérios oficiais, porque o número real será superior a este: ver adiante].

Mas a rede continua a crescer. Em construção estão, neste momento, pelo menos 422 km de auto-estradas (no âmbito das concessões Litoral Oeste, Baixo Alentejo, Baixo Tejo, Transmontana, Douro Interior e Douro Litoral; há mais auto-estradas em construção além destas, como por exemplo a CRIL e algumas variantes com esse perfil), a que acrescem 68 km com adjudicação para breve (auto-estrada Coimbra-Viseu) e a que se juntarão, em princípio, pelo menos mais 116 km de auto-estradas (no âmbito da concessão Centro, e que o Estado decidiu, para já, “reavaliar” antes de decidir prosseguir com a adjudicação; há ainda outras auto-estradas com projeto aprovado mas adjudicação suspensa, como a auto-estrada de 34 km entre Abrantes e Ponte de Sor).

Entre 1990 e 2008, a rede portuguesa de auto-estradas cresceu uns impressionantes 752%, crescimento este que na União Europeia só foi superado pela Irlanda, que no mesmo período viu a sua rede de auto-estradas aumentar 2 210% (de 26 km em 1990 para 601 km em 2008 - ainda que cerca de metade destes quilómetros de auto-estrada tenham resultado de requalificação de estradas que já existiam). Na União Europeia, Grécia (481 %), Finlândia (228%), Hungria (221%), Eslovénia (205%) e Polónia (198%) foram os outros países cujas redes mais cresceram no mesmo período. Enquanto países como a Bélgica, a Alemanha, a Itália, a Holanda, a Áustria ou o Reino Unido registaram baixos crescimentos nas suas redes nos últimos 20 anos, há ainda casos singulares como o da Lituânia, cuja rede de auto-estradas diminuiu 27% desde 1990.

Em termos absolutos, nestas últimas (cerca de) duas décadas (1990-2008), 23 dos outros 26 países da União Europeia tiveram crescimentos da rede de auto-estradas inferiores a 1 000 km (as únicas exceções foram França, Espanha e Alemanha, três dos quatro maiores países da UE); 21 países tiveram crescimentos inferiores a 600 km; em 17 países (ou seja, mais de metade dos países da União) a rede cresceu menos de 500 km; e 10 países construiram menos de 200 km de auto-estrada. Em Portugal, construiram-se 2 377 km.

Estas variações têm, no entanto, de ser lidas com cautela, porque países como Portugal ou a Irlanda tinham, em 1990, uma rede pequena (mínima no caso da Irlanda), enquanto outros países da União já tinham construído o essencial das suas redes.

Olhemos então para a tabela das 10 maiores redes de auto-estrada da União Europeia em 2008 [são de 2008 os últimos dados comparativos disponíveis a nível oficial]:
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Notas:
1 - O número real referente a Portugal será superior ao apontado pelo INE e pelo Eurostat: em 2008, a rede teria já 2 860 km de auto-estradas. Os critérios oficiais deixam, porém, de fora algumas estradas com perfil de auto-estrada, como por exemplo as auto-estradas da ilha de São Miguel. Uma vez que estamos a fazer uma análise comparativa entre os 27 países da União, é imperioso fazer a comparação de acordo com um critério uniforme, e daí não mexermos no número oficial.
2 - Os números referentes à Grécia, à França, à Hungria e à Holanda são relativos a 2007. Tanto quanto conseguimos apurar, não houve, porém, alterações em 2008.
3 - Dois países da União Europeia não têm auto-estradas: Letónia e Malta.


Se estes números são significativos, é preciso, no entanto, ter em conta que estamos a comparar países muito diferentes. Por exemplo, se é verdade que temos 20 vezes mais quilómetros de auto-estrada do que o rico Luxemburgo, também não devemos esquecer que o Luxemburgo é muito mais pequeno do que Portugal.

Daí que, para se fazer uma comparação séria entre os 27 países da União Europeia, seja necessário introduzir fatores de ponderação.

Que fatores devam ser esses é coisa que não é fácil determinar, mas há pelo menos três que serão mais consensuais.

(continua)

Joana Ortigão


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Fontes:
- Eurostat
- INE
- mapas antigos de Portugal 

Palavras ditas [17]

I
"Há quem afirme que o indicador geral das auto-estradas existentes em Portugal é já elevado. Com convicção, eu digo que não devo concluir, por honestidade intelectual e por humildade intelectual [que existem auto-estradas em excesso].

Não é suficiente fazer uma comparação entre o ratio número de quilómetros de auto-estrada e número de quilómetros de rede, número de quilómetros de auto-estrada e população, etc., porque isso tem de ser corrigido com outros indicadores. Tem a ver, por exemplo, com o próprio povoamento português. Há uma manifesta macrocefalia de algumas localidades, e isso é fator de embaraço para a fluidez de tráfego. (...)

Se a alternativa só existe quando ao lado de uma auto-estrada há outra auto-estrada, então é que ficariam a surgir excessos de auto-estradas".

Almerindo Marques, Presidente das Estradas de Portugal, 16 de Julho de 2010.

Retratos do país das auto-estradas

I
Todo o histerismo, discussão e confusão a que temos assistido ao longo deste ano em torno da questão da introdução do pagamento de portagens em algumas auto-estradas que até aqui permaneciam “gratuitas” (as chamadas SCUT) constituem um bom indicador da importância que as auto-estradas ganharam na nossa terrinha. Há 30 anos, vivíamos e sobrevivíamos sem elas. Há 20 anos, quando o "betão" das auto-estradas invadia o país, protestávamos, em vão, contra o encerramento de linhas férreas. Hoje, parece que seria impossível passarmos sem as auto-estradas. Como se constituíssem um bem essencial no nosso dia-a-dia. Em 2009, o ano do pico da crise económica, o PIB português retraiu 2,7% e seria de esperar uma redução na mesma proporção no tráfego nas auto-estradas com portagem, mas tal não sucedeu, o que significa que os cortes nos gastos de muitos portugueses não incluiram as portagens de auto-estrada. A verdade é que cada vez mais pessoas e empresas planeiam a sua vida (mediante a fixação do seu domicílio) em função da auto-estrada, não obstante a inevitabilidade de um aumento brutal do preço dos combustíveis - o próximo aumento  provavelmente já sem retorno.

Ao mesmo tempo que anunciou as tarifas das portagens das auto-estradas até aqui “gratuitas”, o Estado anunciou também descontos especiais para os residentes nos concelhos próximos, como por exemplo a gratuitidade para o utilizador nas primeiras dez viagens por mês e descontos nas seguintes. A introdução das portagens seria uma excelente oportunidade para tentar dinamizar os transportes públicos, nomeadamente o comboio, o que, aliás, estaria em consonância com as obrigações internacionais assumidas pelo Estado Português relativamente à diminuição das emissões de CO2, de que o sector rodoviário é um contribuinte fundamental. Oferecer descontos na utilização do comboio (e melhores horários, e mais investimento...), nos percursos correspondentes aos daquelas vias rodoviárias, relançando, assim, a ferrovia, é coisa que nem sequer terá, contudo, passado pela cabeça dos nossos governantes. Porque o país de hoje é, de facto, o país das auto-estradas.

O país das auto-estradas” foi justamente o título do primeiríssimo artigo publicado neste blogue, há um ano. E vai ser o tema da pequena série de artigos que agora se inicia. Não passam de meras divagações sobre o tema, sempre que possível feitas a partir de factos e de números (quem estiver interessado em ler estudos sobre as auto-estradas portuguesas, está no sítio errado).

Tem-se dito frequentemente que temos auto-estradas em excesso. Mas há quem não concorde, e o certo é que nunca se verifica grande contestação à construção de novas auto-estradas, mesmo em períodos de grave crise económica. Os portugueses adoram-nas, acolhem-nas bem e parecem até não se importar de serem assaltados nas áreas de serviço. Estudos recentes indicam um índice de satisfação global dos utentes das auto-estradas de 7,2 numa escala de 0 a 10. Os portugueses continuam, porém, a não saber conduzir em segurança nas auto-estradas – curiosamente, as estradas mais seguras que há e aquelas onde a condução é mais simples. As auto-estradas são mais cómodas para os automobilistas, tornam o país mais acessível, mas nem por isso nos tornam um povo melhor. E há coisas surpreendentes nas auto-estradas, de que também vamos dar conta.

Esta série de artigos não pretende ser exaustiva (longe disso!) e vai deixar muitos assuntos de fora, como por exemplo a questão da cobrança de portagens; as empresas que mais lucraram com os negócios milionários que estiveram na base da construção e da concessão das auto-estradas (a BRISA, por exemplo, tornou-se a maior empresa de infra-estruturas de transporte em Portugal e uma das maiores operadoras de auto-estradas do mundo); ou o (in)cumprimento, pelas empresas concessionárias, dos contratos de concessão celebrados com o Estado.

É legítimo questionar a oportunidade da publicação destes artigos. Mas é muito provável que seja precipitado concluir que a nossa rede de auto-estradas está terminada. Apesar de algumas declarações dispersas, tem existido uma quase unanimidade nos partidos políticos relativamente à bondade do crescimento da rede de auto-estradas: basta constatar o flagrante contraste entre a fortíssima e insistente oposição de alguns partidos à construção da linha de TGV entre Lisboa e Madrid e o silêncio (ou quase silêncio) ou mesmo o aplauso expresso face aos novos projetos de auto-estradas que têm sido aprovados e executados. Perante este estado de coisas, é de esperar que projetos de novas auto-estradas continuem a surgir e a serem aprovados praticamente sem oposição.

Em qualquer caso, parte daquilo que vai ser publicado a seguir continua, pensamos nós, a fazer sentido independentemente de a rede continuar ou não a crescer.

Bem-vindos ao mundo das auto-estradas.