Vias rápidas urbanas

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O Campo Grande é um sítio pavoroso da cidade de Lisboa – de onde só apetece fugir. E, no entanto, há ali escolas, há a Biblioteca Nacional, há várias faculdades, igrejas, lojas, escritórios e muitos outros locais de trabalho (incluindo um grande edifício de serviços da Câmara Municipal de Lisboa). Há um jardim - entre o asfalto - que pedia menos barulho e um ar menos poluído. Há muito trânsito pedonal, incluindo centenas ou milhares de estudantes que por ali passam a pé todos os dias. E moram ali muitas pessoas - como quem vive junto a uma auto-estrada.
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Campo Grande, junto a uma universidade: sete (7) vias de trânsito, só num dos sentidos (Sul-Norte). Do outro lado há mais... (chega a haver nove vias no sentido Norte-Sul, se incluirmos duas vias de acesso a um parque de estacionamento). Só o verde do jardim do Campo Grande permite disfarçar o cenário completamente absurdo de asfalto e de via rápida.
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A fotografia anterior foi tirada do cimo de uma passagem superior de peões - algo que nunca deveria existir numa avenida urbana.
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Passagem superior para peões
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Em baixo, na imagem anterior (bem como na imagem seguinte), repare-se nas barras de proteção do tipo daquelas que se vêm nas autoestradas e nas vias rápidas em geral.
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Imagem do Google
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Repare-se também neste tipo de separadores, próprios de via rápida:
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Imagem do Google
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Entre as características de via rápida que estas avenidas lisboetas têm – além da multiplicação de vias de trânsito (é frequente haver mais vias do que aquelas que vemos normalmente nas autoestradas) - estão as placas indicadoras de direção, estruturas muito semelhantes àquelas que estamos habituados a ver nas autoestradas e nas vias rápidas. Nas vias rápidas, o seu tamanho está relacionado com as velocidades máximas permitidas nessas vias, sendo concebidas para se verem a uma distância razoável pelos condutores que circulam a velocidades elevadas. Em avenidas urbanas onde a velocidade máxima de circulação é de 50 km/h, essas estruturas não fazem sentido. E no entanto…
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Imagem do Google
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Repare-se na grande semelhança com o que se vê, por exemplo, na autoestrada A5:
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Auto-estrada A5
Imagem do Google
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Campo Grande
Imagem do Google
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Avenida da República
Imagem do Google
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[Ver outros exemplos no fim deste artigo]
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O eixo Avenida da República – Campo Grande, sobretudo a partir do Campo Pequeno, está há muitos anos transformado numa autêntica via rápida em plena cidade, com vários túneis para que o trânsito “flua com rapidez” e muitas vias de trânsito para “melhor escoar o tráfego”.
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Um ex-colega de trabalho costumava dizer que, com pouco trânsito, chegava a percorrer, de carro, esta parte da cidade a 150 km/h (cento e cinquenta e poucos quilómetros por hora foi o “recorde” desse personagem). Não é preciso levar um radar para verificar que quase ninguém aqui cumpre o limite de velocidade de 50 km/h, a não ser quando a intensidade do trânsito impede velocidades maiores – e a Câmara Municipal de Lisboa parece nunca ter tido verdadeira vontade de o impedir. Quando, há alguns anos, depois de mais um atropelamento mortal de uma estudante universitária, se reclamaram medidas de acalmia de tráfego (e, nomeadamente, um semáforo de controlo de velocidade de 50 km/h), a resposta do então Presidente da Câmara de Lisboa foi a de que tal iria causar um excessivo embaraço no trânsito.
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Entre o Campo Pequeno e o Campo Grande, a quantidade de asfalto é completamente absurda: as mesmas sete vias de trânsito…
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Haverá mesmo quem não se impressione com isto?
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só num dos sentidos (na zona do túnel do Campo Pequeno, contam-se 14 vias, incluindo as cinco do túnel).
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Em contrapartida, neste reduzido passeio ainda se mete, imagine-se, uma paragem de autocarro:
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Não é apenas ridículo: é absolutamente patético.
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Além do grotesco espaço concedido ao automóvel, é normal haver carros estacionados em cima dos passeios.
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[E neste "eixo rodoviário" não é raro encontrar-se carros a ocupar a toda a largura do passeio, como se exemplifica em imagem mostrada no fim deste artigo]
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Que agradável deve ser viver ou trabalhar aqui!
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Mais à frente - no sentido do Saldanha -, na parte menos selvagem da avenida tipo-via-rápida, a faixa de rodagem chega a ter 13 vias de trânsito (nunca tem menos de 10), mais duas para estacionamento (total: 15), contrastando com passeios de largura miserável (tendo em conta a largura da avenida e o elevado fluxo pedonal existente).
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Imagem do Google
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Imagem do Google
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ICaminho improvisado para os peões bloqueado e o mar de asfalto ao lado, na zona do Campo Pequeno.
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Como é que se continua a aceitar candidamente este disparate?
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Joana Ortigão
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ANEXO:
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Avenida Fontes Pereira de Melo, num pedaço de passeio excecionalmente mais largo.
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Painéis na Av. Fontes Pereira de Melo, perto do Marquês de Pombal
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Painéis na Av. Joaquim António de Aguiar, junto do Marquês de Pombal.
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(Este artigo foi publicado originariamente no blogue em Março de 2012. Mais de dois anos depois, continua, infelizmente, atual. Entretanto, foi inaugurada, pela Câmara Municipal de Lisboa, mais uma avenida-tipo-via-rápida, com 6 - por vezes, 7 - vias de trânsito, e que pretendeu constituir, precisamente, a continuação deste absurdo "eixo central" lisboeta de que fazem parte os referidos Campo Grande e avenidas Fontes Pereira de Melo e da República)
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