Catarina de Bragança


Nasceu princesa em Portugal, foi rainha de Inglaterra (a única portuguesa a sê-lo) e por duas vezes chegou a ser regente do trono de Portugal. À portuguesa Catarina de Bragança está associado o nome do bairro de Queens, em Nova Iorque, o nome do bolo que todos conhecemos por “queque”, o hábito de beber chá na Grã-Bretanha (entre outras novidades introduzidas na corte inglesa) e o início do grande império britânico na Índia, tendo tido ainda um contributo primordial para a independência de Portugal face a Espanha.

Filha do (futuro) rei João IV, nasceu em Vila Viçosa no dia de Santa Catarina, faz hoje exactamente 371 anos (25 de Novembro de 1638), quando reinava em Portugal o rei espanhol Filipe III. Dois anos depois, o 1.º de Dezembro - restauração da independência nacional - marcou o início de um longo período de 28 anos de guerra com os espanhóis, que não se conformaram com a declaração de independência e a subsequente ocupação do trono português por João IV (duque de Bragança). Este facto iria marcar o destino de Catarina.

Em 1661, mais de 20 anos de guerra tinham deixado o país “exausto e as populações desesperadas, com a sobrecarga dos impostos, as contínuas levas de soldados, a falta de mantimentos e o cansaço dos espíritos” e a fome alastrava a várias zonas do país. Nesse ano, havia notícias seguras de que Espanha estava a preparar uma grande invasão de Portugal. Para agravar a situação, muitos países, incluindo a Santa Sé, não tinham ainda reconhecido a nova situação portuguesa. Portugal estava cada vez mais dependente do apoio de Inglaterra e negociou, por isso, um novo tratado confirmativo da velha aliança luso-britânica e o casamento da princesa Catarina de Bragança com o rei de Inglaterra, Carlos II, que ocorreu no ano seguinte. A temida invasão espanhola veio a acontecer uns meses depois. Os espanhóis chegaram a tomar posse de Évora, mas a invasão acabou por ser repelida pelo nosso exército, com a preciosa ajuda de milhares de soldados ingleses. Nova grande invasão foi tentada em 1665, mas mais uma vez sem sucesso. Espanha e Portugal acabaram por assinar um tratado de paz e a guerra terminou finalmente. Portugal tinha garantido a independência conquistada em 1/12/1640.

O casamento de Catarina de Bragança com o rei de Inglaterra, tendo sido fundamental para o futuro de Portugal, custou muito ao país. O dote da princesa incluía o pagamento, por Portugal, de dois milhões de cruzados, que custaram muito a reunir. A rainha (Leonor de Gusmão) terá dado o exemplo, desfazendo-se das suas numerosas e valiosas jóias. Empenharam-se pratas, jóias e outros tesouros de conventos e igrejas portugueses. E durante dois anos foi necessário dobrar o pagamento das sisas. Além dos dois milhões de cruzados, o dote da princesa Catarina incluiu ainda a transferência, para os ingleses, da posse de Tânger, em Marrocos, e de Bombaim, na Índia. Foi precisamente com Bombaim, oferecida pelos portugueses, que os ingleses iniciaram a sua presença na Índia e aí construíram um grande império, que se manteve até à independência indiana e paquistanesa no século XX...

Catarina de Bragança partiu para Inglaterra, para casar, em 1662. Tinha sido educada num convento, de onde só tinha saído meia dúzia de vezes, e não sabia uma única palavra de inglês. Católica num país de protestantes (foi a última rainha católica de Inglaterra), foi alvo de inúmeras suspeições, intrigas e conspirações, o que se agravou com a circunstância de nunca ter conseguido ter um filho do rei (que, em contrapartida, teve 15 filhos das suas muitas amantes). Tentaram convencer a rainha a entrar num convento, o parlamento inglês chegou a oferecer ao rei 500 000 libras caso este se divorciasse de Catarina e em 1678 a rainha foi mesmo formalmente acusada, pelo parlamento, de estar por detrás de uma conspiração para matar o rei. Era, ainda assim, estimada em Inglaterra. Sobre Catarina de Bragança escreveu a escritora britânica Lillias Campbell Davidson que foi "uma das melhores e mais puras mulheres que se sentaram no trono de Inglaterra".

Em Inglaterra, introduziu algumas novidades. Entre elas, a mais conhecida é a de ter introduzido o hábito de tomar chá com bolos, hábito esse que permaneceu até aos dias de hoje e está de tal modo enraizado que o chá é hoje uma verdadeira bebida nacional em Inglaterra. Associado a Catarina de Bragança está ainda, segundo a tradição, o bolo que hoje conhecemos sob a forma de queque, feito com massa inglesa e com uma coroa de rainha a toda a volta (“queque” deriva da palavra inglesa “cake”). A primeira ópera italiana que os ingleses puderam ouvir foi mandada trazer por ordem de Catarina. A rainha introduziu ainda na corte inglesa o uso de pratos de porcelana (por lá usavam-se pratos de ouro ou prata e os alimentos ficavam frios num instante...) e o dos leques em substituição da máscara de passeio em seda negra.

Durante o reinado de Carlos II, a cidade norte-americana de Nova Amesterdão, fundada pelos holandeses, foi conquistada pelo inglês duque de Iorque, passando a denominar-se Nova Iorque. A um dos dois principais bairros de Nova Iorque foi dado o nome de Queens, de "queen", "rainha", em homenagem à "nossa" Catarina.

Carlos II veio a falecer, Catarina ficou mais 9 anos em Inglaterra e acabou por regressar a Portugal em 1693. As festas da sua chegada demoraram três dias. Antes de morrer, 12 anos depois, ainda ocupou por duas vezes o cargo de regente do reino português, em substituição do rei Pedro II. Foi sepultada no Mosteiro dos Jerónimos (no século XIX, os seus restos mortais foram transladados para o Mosteiro de S. Vicente de Fora).

Catarina de Bragança tem uma estátua no Parque das Nações, em Lisboa, réplica da estátua mandada fazer para o bairro de Queens, em Nova Iorque.

"A vida de Catarina de Bragança dava um livro" - terá pensado a escritora Isabel Stilwell que, no ano que passou, publicou o romance histórico “Catarina de Bragança”, de que este texto era apenas um aperitivo.

Fontes:
- História de Portugal de Veríssimo Serrão, vol. V (de onde foi retirado o trecho citado entre aspas no 3.º parágrafo)
- D. Catarina de Bragança, de Maria Luísa Boléo


Olá, o meu nome é Catarina Bragança, também nasci num 25 de Novembro e a partir de hoje sou a terceira autora d’A Nossa Terrinha, embora para colaborações muito mais esporádicas.

A mobilidade na Grande Lisboa, segundo o ACP


"Lisboa é uma cidade citiada. Uma rede de portagens em seu redor, entre os 12 e os 15 kms, só permite entrar através do IC19 e do IC2, sem pagar. Para quem reside na margem Sul ou em concelhos onde os transportes alternativos são também eles, rodoviários, o recurso ao automóvel torna mais curto o orçamento familiar, mas acaba por ser a única solução, pelo que representa em termos de facilidade na mobilidade e ainda de conforto e garantia (nem sempre confirmada) de poder estar a horas no destino. As portagens impõem-nos o princípio do utilizador-pagador mas, numa região como a Área Metropolitana de Lisboa, há muito de injusto na sua aplicação, pelas diferenças sociais que cava em relação aos seus destinatários, as mais das vezes obrigados a morar longe da capital, onde trabalham, porque os orçamentos familiares a isso obrigam. E quando se fala em portagens para Lisboa é bom ter em linha de conta o que tem vindo a acontecer em cidades como Londres e Estocolmo que, de acordo com o Eurocouncil*, acabaram por não ter sucesso e são hoje fonte de preocupações".

Carlos Morgado, Editorial da Revista do ACP - Automóvel Clube de Portugal, Novembro de 2009

*O Eurocouncil é um órgão da federação internacional dos clubes de automobilistas (FIA)...

A mesma revista traz um artigo sobre este tema, que é, todo ele, uma preciosidade, e onde se podem ler coisas como:

"Como é sabido, a A5 é a melhor solução para quem reside na Linha de Cascais, daí que nela se registem engarrafamentos muito intensos nas principais horas de ponta, quer de manhã, quer ao final do dia".

"A solução metropolitano já chegou a Amadora e a Odivelas, ficando o restante dos concelhos servido apenas pelo transporte rodoviário que se encontra naturalmente condicionado pela dificuldade, na maioria dos casos, de percursos morosos e difíceis, obrigando a deslocações complicadas para os utentes. Estão neste caso praticamente a totalidade dos concelhos de Mafra, Loures, Vila Franca de Xira, Odivelas e mesmo Cascais e Oeiras, na margem Norte do Tejo, enquanto na Margem Sul são praticamente todos eles afectados por estes condicionalismos de transporte (excepção feita, eventualmente, a Almada, que dispõe de rede de metro de superfície)".

Nota: todos os dias entram centenas de milhares de automóveis em Lisboa.

O Presidente do ACP foi eleito para o "pelouro" da Mobilidade e do Turismo na Federação Internacional do Automóvel, para os próximos quatro anos, o que, segundo o ACP, é uma eleição "que vem reconhecer o trabalho feito pelo Clube no que diz respeito à Mobilidade das pessoas em Portugal"...

O ACP tem mais de 210 000 sócios.

Como se deslocam os portugueses nas cidades europeias?

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Há tempos, fui a um encontro internacional em Estrasburgo. No primeiro dia, como sou demasiado cautelosa nestes casos, saí do hotel com 40 minutos de antecedência. Apanhei o metro [de superfície] e cheguei ao local do evento uns 30 minutos antes do seu início (era hora de ponta – 8:30h). Optei por ficar os 30 minutos à espera cá fora, na escadaria do edifício, onde estava uma outra rapariga, aparentemente também à espera das 9h para entrar. Era norueguesa, ouviu-me falar ao telefone em português (ela tem alguns conhecimentos de português), meteu conversa comigo e disse-me que estava admirada por eu ser portuguesa: explicou que ia frequentemente a conferências internacionais e estava habituada a ver os portugueses chegar sempre de táxi e reparou que eu tinha chegado de metro! Não consegui deixar de rir. “Em Portugal têm alguma coisa contra os transportes públicos?”, comentava ela. Uns 2 ou 3 minutos depois, chegou um táxi e... sairam dois portugueses (que comentavam entre si, espantados, o facto de não terem apanhado engarrafamentos). Rimo-nos, ela olhou para o programa, viu que havia mais 12 ou 13 portugueses no encontro e disse: “vamos ficar a ver as pessoas que chegam e tentar adivinhar quais são os portugueses”. Só falharam dois: dos 7 táxis que trouxeram pessoas para o encontro, em 5 vinham portugueses (outro trazia gregos e o sétimo trazia uma pessoa cuja nacionalidade não conseguimos perceber: podia também ser português…). Os restantes participantes apareceram de metro, de autocarro, a pé e de bicicleta. Entre os portugueses que chegaram de táxi, apanhámos outros dois que comentavam "que diferença" que era em relação a Lisboa: sem engarrafamentos, "andava-se bem de carro" em Estrasburgo...
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Expliquei à norueguesa que, no fundo, aquilo não tinha nada de estranho: ao escolherem vir de carro, os portugueses só estavam a agir em Estrasburgo, uma cidade desconhecida para eles, de acordo com a realidade que conhecem - a portuguesa.
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Mas será mesmo assim? Há muitos portugueses a viver em Bruxelas (entre eles os deputados ao Parlamento Europeu) e muitos continuam, desnecessariamente, a usar o carro nas suas deslocações (há meses o jornal Público publicou um artigo sobre o assunto). Conheço 4 pessoas que neste momento estão a trabalhar em Bruxelas. Só uma se desloca regularmente de transportes públicos e a pé. As outras usam o carro: duas alugaram um carro e a outra até comprou o seu carro lá…
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Desde Estrasburgo que, em ocasiões semelhantes, noutras cidades, me tenho divertido a ver os portugueses a chegar de táxi. Quase sempre só os portugueses. E fazem o mesmo quando chegam / quando vão para o aeroporto, apesar dos excelentes transportes de ligação que quase sempre existem entre o aeroporto e as cidades que os servem.
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Muita gente que por cá anda de carro para ir trabalhar, sem necessidade, tem o hábito fácil de invocar que os nossos transportes públicos são maus. Mas o verdadeiro problema não está nos transportes públicos: está antes na cabecinha…
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*Este artigo foi inspirado num comentário da Catarina – uma “frequentadora” do blogue Menos1Carro – no seu blogue Catarina i Kobenhavn. A Catarina vive actualmente em Copenhaga – um outro mundo, como nos revela no seu blogue. Em Copenhaga, a Catarina só conhece duas pessoas que têm carro. Uma delas é portuguesa…
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Reflexões sobre a nossa terrinha (2)

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«Portugal pode já não existir “orgulhosamente só”, mas os portugueses continuam a viver numa ilha isolada. A ilha da sua mentalidade. Rodeada de ignorância por todos os lados, menos o do futebol (…).
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Vivem pior do que a maioria dos seus parceiros europeus. Mas mais felizes, porque alheados do modo como vivem os outros. (…) E esse inestimável desconhecimento, de que não têm, de todo consciência, torna alegre o triste défice de civilização que é o seu. (…)
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Que importa se não têm uma única corrente de pensamento porque só têm fazedores de factos políticos, se o clima é óptimo e a urbanização execrável, se cospem no chão e deitam o lixo nos jardins? Que importa se conduzem mal, se as estradas são más, se querem ir para a CREL e a sinalização que não há os enfia na CRIL, se são maltratados nos restaurantes, nas caixas dos supermercados e nas repartições públicas e gostam disso; que importa se o metro quadrado de construção em Lisboa é dos mais caros da Europa e a insonorização a pior, se a impunidade é regra e a justiça excepção, se os camponeses definham à míngua de futuro e de esperança, ao mesmo tempo que florescem os jaguares a fundo perdido? Que importa se são «feios, porcos e maus»? Que importa, de facto, se ninguém dá por isso ou, melhor, se os portugueses não têm consciência disso? Que importa, se somos uma ilha? Importa-nos tanto como não ter telemóvel se não soubéssemos da sua invenção ou como continuar a olhar para a televisão a preto e branco, felizes e contentes porque desconhecíamos que ela se faz a cores…Bem-aventurados os ricos em ignorância porque deles é a república da felicidade. (…)
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O que é preciso fazer para mudar (…)? Pois mandar toda a classe política, e metade dos nossos jornalistas e da nossa inteligentziaestagiar na Europa. Durante uma década. Depois, no seu regresso, tudo será fácil e andará depressa, porque o exemplo nos virá de cima».
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(José M. Barata-Feyo, 2002)
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Está longe de ser despropositada esta imagem de Portugal como uma ilha. Os portugueses olham demasiado para dentro e muito pouco para fora das suas fronteiras. Como se a toda a nossa volta existisse um gigantesco oceano e o pedaço de terra mais próximo estivesse a muitos dias de viagem.
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Para este alheamento do mundo exterior contribui muito a comunicação social (com honrosas excepções). Ligamos a TV, vemos um telejornal e as notícias do resto do mundo são sempre secundárias e ocupam menos espaço noticioso do que o futebol ou os crimes de faca e alguidar. Com raras excepções - normalmente, quando há uma tragédia lá fora...
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A grande reportagem ou o documentário são, em geral, muito maltratados na televisão portuguesa, e quando existem debruçam-se quase sempre sobre a realidade da nossa terrinha.
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Esta espécie de "isolamento" num país que foi o das descobertas e que deu a conhecer ao mundo diferentes culturas, esta ignorância mais ou menos generalizada em relação ao que se passa lá fora e de como se vive lá fora talvez ajude muito a explicar a falta de confiança de que falava Richard Zimler...
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Reflexões sobre a nossa terrinha (1)

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"Portugal é hoje de longe um país muito mais civilizado, interessante, etnicamente variado e aberto do que quando o visitei pela primeira vez em 1980, mas na minha opinião subsistem uns quantos problemas inter-relacionados que não deixam que nem o país nem o seu povo avancem.
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Talvez o mais importante desses problemas se manifeste no facto de serem raras as pessoas capazes da honestidade e da coragem moral de aceitar as responsabilidades por quaisquer problemas. (...) Alguém já viu algum ministro, algum reitor de uma universidade ou um director de empresa reconhecer numa conferência de imprensa: «É verdade, tomei uma decisão errada e o que vamos fazer para a corrigir é o seguinte...»? Por mim, nem uma única vez. Como ninguém assume a responsabilidade pelo que quer que seja, os problemas ou nunca são resolvidos, ou são resolvidos lentamente e de forma incompleta (...).
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Outro problema que anda associado a este é o facto de a palavra que se dá ter perdido todo o valor em Portugal. Quando um canalizador diz que virá reparar a nossa casa de banho às nove horas, ou um aluno combina connosco uma aula particular para terça-feira, pode muito bem acontecer que não apareçam. E o caso pode arrastar-se durante semanas. E as desculpas que inventam... «A minha mulher adoeceu, morreu-me o cão, furei um pneu...». Será que os portugueses alguma vez aprenderão que há situações em que as desculpas não contam? (...)
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Como não se pode contar com ninguém para cumprir os compromissos assumidos, muito menos no tempo fixado, torna-se praticamente impossível trabalhar em equipa. (...)
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Os trabalhos feitos à última hora e sem coordenação significa também que muitos produtos portugueses não vão além da mediocridade. E quase toda a gente considera a mediocridade como «nada mau»...
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E depois vêm as cunhas... Como os mais capazes não conseguem os lugares que merecem, ninguém acredita na justiça e na equidade. É uma das razões por que tantas vezes os portugueses parece que precisam dos estrangeiros para lhes dizerem se estão a fazer bem; muito simplesmente não confiam na opinião de outro português.
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O resultado de tudo isto é (...) uma sociedade sem nenhuma confiança".
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(Richard Zimler*, 2002)
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* Escritor norte-americano, residente em Portugal (Porto) desde 1990. Naturalizou-se português em 2002.
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O lugar no passeio

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Num destes fins-de-semana, fui almoçar a casa de uns amigos recém-casados, numa cidade algures a umas dezenas de quilómetros de Lisboa. Como não era fácil dar com a rua onde eles viviam, combinámos um ponto de encontro para que eles fossem à frente, no seu carro, a indicar-me o caminho. Ao chegarmos à dita rua, os meus amigos puseram o carro no passeio, sem sequer procurarem antes um lugar livre. Como não encontrei nenhum lugar para estacionar nessa rua, fui procurar um. Demorei uns 30 segundos a encontrar um lugar, numa rua perpendicular àquela, onde havia muitos lugares livres (e gratuitos). Estava a uns 100 ou 150 metros do sítio onde os meus amigos estacionaram. Pouco mais de um minuto a pé.
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Quando cheguei ao pé dos meus amigos, estes disseram-me: "então Joana, tinhas ali um lugar!!". Fiz-me desentendida: "Ah, não reparei! Onde?". Apontaram para o dito "lugar", que, claro, não era nenhum lugar de estacionamento, mas sim um espaço livre no passeio. O único que restava. "Mas aquilo não é um lugar, é o passeio!", respondi eu. "Aqui toda a gente estaciona no passeio, Joana". Fingi que não ouvi e eles insistiram: "sabes, aqui toda a gente estaciona no passeio. É normal. Podias ter posto também". Como nos conhecemos há muito tempo e tenho muito à vontade com eles, lá tiveram de me ouvir: tentei explicar-lhes que nunca deixo o carro no passeio, nem que tenha de andar um quilómetro a pé [nesta parte já estavam a olhar para mim de olhos esbugalhados], que os passeios não são para os carros, mas para as pessoas, que os carros danificam os passeios, que não se devem "atirar" as crianças, os carrinhos de bebé, os idosos, os inválidos e os peões em geral para o asfalto, etc., mas não valeu de nada.
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Enquanto me mostravam, orgulhosos, a sua bonita nova casa, os meus amigos, junto a uma janela das traseiras, apontaram para fora e disseram: "ali são as garagens do prédio. Aqui os prédios têm garagens. Para todos. São garagens enormes, cada uma leva à vontade dois carros!". Foi a minha vez de ficar com os olhos esbugalhados. "Então e vocês não a utilizam?", perguntei eu, a ver que resposta viria ali. "Utilizamos, às vezes, quando não há lugar na rua". "Quando não há lugar no passeio, querem vocês dizer!". E lá tiveram de me ouvir mais um pouco.
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São pessoas de quem gosto muito. São cultos, inteligentes e ambos têm um grau de instrução muito acima da média (têm mestrado e um deles está já a preparar o doutoramento).
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Há muito que me venho apercebendo de que a triste realidade dos automóveis em cima dos passeios não se restringe a Lisboa, Porto e arredores. Chegámos a um ponto em que em quase todo o país passou a ser "normal" estacionar no "lugar" em cima do passeio, perante a inacreditável indiferença das autoridades.
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Há meses que o Passeio Livre vem "lutando" contra este estado de coisas. Até ao dia em que estacionar no passeio deixe de ser "normal", depende de todos nós acabar com este absurdo.
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E enquanto cá na nossa terrinha não conseguimos andar 100 metros a pé, numa estação de metro de Estocolmo experimentou-se, com êxito, uma forma curiosa de convencer as pessoas a utilizar as escadas em vez das escadas rolantes.
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