(segunda e última parte; para
ir para a primeira parte, clique aqui)
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ATRAVESSAMENTO 3
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Longe, muito longe, vão os
tempos em que as pessoas podiam atravessar o Largo do Rato em múltiplos locais.
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do arquivo fotográfico municipal de Lisboa
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do arquivo fotográfico municipal de Lisboa
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do arquivo fotográfico municipal de Lisboa
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do arquivo fotográfico municipal de Lisboa
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do arquivo fotográfico municipal de Lisboa
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Hoje, uma coisa tão simples
como atravessar a praça de Sul a Norte, na sua zona central…
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[Não lhe vamos chamar “zona
nobre”, porque a palavra “nobre” não assenta bem nesta praça.]
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…não é possível.
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Os
utentes do transporte público “emparedados” no meio da praça.
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Graças a estes muros da
vergonha, e excetuando o atravessamento da Rua Alexandre Herculano à entrada da
praça (o atravessamento da direita na imagem seguinte), o único local onde é
possível fazer o atravessamento do Largo do Rato…
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…obriga os peões a um percurso
que inclui cinco (5) travessias com semáforos (naturalmente, desencontrados, como
seria de esperar), pelos locais onde o automóvel tem de parar para deixar passar outros automóveis:
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Uma coisa tão básica como o
percurso entre paragens de autocarro ou entre uma paragem de autocarro e o lado
sul da praça (onde há várias lojas e cafés) obriga os peões a um destes desvios, com dois ou três atravessamentos com semáforos:
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Para ampliar, clique na imagem
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Por seu turno, sair do autocarro e ir para o
lado Norte da praça (por exemplo, para uma das ruas assinaladas na imagem
seguinte com os números 1 e 2), ou vice-versa, implica também uma de duas voltas
completamente absurdas, com três atravessamentos com semáforos:
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ATRAVESSAMENTO 4
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Atravessar o Largo do Rato (lado
Sul) para ir para a Rua do Sol (ou vice-versa), naquele que é mais um percurso utilizado por muitas pessoas…
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…também obriga os peões a um desvio, mais uma vez para aproveitar os locais onde o automóvel tem de parar para deixar passar outros automóveis, desvio esse que é…
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…grande (descendo-se o início da Rua de São Bento e subindo-se depois para a Avenida Álvares Cabral)…
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…e demorado: os peões têm de
atravessar três passagens com semáforos, onde se espera bastante tempo pelo
verde e este está, em dois dos três semáforos, aceso apenas uns míseros segundos (como acontece, aliás, noutras passagens de peões do
Rato) e, para piorar as coisas, os semáforos não permitem o atravessamento a
uma só vez. Os três semáforos nunca estão simultaneamente verdes: essa é a
única combinação que não funciona aqui. De resto, são amplas as combinações disponibilizadas:
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Vermelho
– vermelho – vermelho:
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Vermelho
– vermelho – verde:
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Verde –
vermelho – verde:
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Verde –
vermelho – vermelho:
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Vermelho
– verde – vermelho:
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E todos os dias se veem peões a
perder a paciência por estarem uma eternidade de tempo à espera para fazer uma
travessia de poucos metros, acabando por atravessar com o sinal vermelho.
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ATRAVESSAMENTO 5
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O percurso, também muito
utilizado, entre o lado sudoeste da praça e a entrada da estação de metro…
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…também obriga os peões a uma
volta que implica atravessar cinco (5) passagens com semáforos (desencontrados,
naturalmente…), sendo o critério sempre o mesmo: facilitar a circulação dos automóveis, aproveitando os locais onde estes têm de parar para deixar passar outros automóveis:
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Não é apenas o tempo que se
demora nas esperas pelo verde: para quem anda a pé, é bastante irritante quando se é obrigado a andar
no sentido contrário àquele para onde se quer ir. É também o caso do exemplo
seguinte:
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ATRAVESSAMENTO 6
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Fazer este percurso,
desde o lado Norte da praça com destino à Rua D. João V…
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…ou à esquadra da PSP…
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…também está vedado aos peões e
implica, mais uma vez, uma volta absurda, obrigando o peão a descer em sentido
contrário àquele para onde pretende ir, para depois voltar a subir, e desta feita com quatro (4) atravessamentos
com semáforos (mais uma vez, desencontrados).
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Era possível uma solução diferente, que passasse pela criação de uma nova passagem de peões? Era; mas isso significaria obrigar os carros a parar num local onde eles não têm de parar para permitir a passagem de outros carros...
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Muitas e muitas pessoas encaram tudo isto como "normal" - como se já tivessem perdido a ambição de uma cidade feita mais para as pessoas do que para os carros.
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Não é por acaso que focámos a nossa atenção nos atravessamentos: esta praça foi, em tempos, um lugar onde as pessoas se encontravam e estavam (permaneciam), mas hoje ela está concebida (e mal concebida, como se viu) unicamente para a circulação, como local de passagem. E, de facto, se pensarmos bem, desta praça, gravemente ferida como está hoje, só apetece fugir. E não voltar.
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Não é por acaso que focámos a nossa atenção nos atravessamentos: esta praça foi, em tempos, um lugar onde as pessoas se encontravam e estavam (permaneciam), mas hoje ela está concebida (e mal concebida, como se viu) unicamente para a circulação, como local de passagem. E, de facto, se pensarmos bem, desta praça, gravemente ferida como está hoje, só apetece fugir. E não voltar.
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Poderíamos ser tentados a dizer
que é difícil encontrar na cidade sítio mais desagradável do que este.
Seria precipitado: há ainda pior do que isto, e só na zona do
Hospital de Santa Maria e da Praça de Espanha, por exemplo, encontramos exemplares horribilis
de sobra. Ainda assim, o caso do Largo do Rato - até pelo facto de se tratar de uma praça - é tão mau, tão mau que constituiu
caso de estudo para uma tese de doutoramento do antropólogo social francês
Aymeric Böle-Richard, que por seu turno esteve na origem de um livro editado em
Portugal pela ACA-M, intitulado «Pedonalidade no Largo do Rato: Micropoderes»
(2008).
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Em entrevista concedida ao
jornal Público aquando do lançamento do livro (e na altura transcrita no blogue
Cidadania Lx), Aymeric Böle-Richard referiu-se ao Largo do Rato como «um símbolo da situação rodoviária geral de
Lisboa e, portanto, de um processo de alienação e delapidação da cidadania
pedonal e do espaço dito ‘público’, em benefício de uma sociedade motorizada
desigual e cada vez mais constrangedora» e «um lugar hostil e perigoso para o
peão», onde este «tem medo de atravessar a estrada», «pensa duas vezes antes de
sair de casa», «reduz propositadamente as suas deslocações no local» e
«abandona progressivamente o espaço cívico para se refugiar dentro de zonas
comerciais, nos jardins dos arredores ou até em condomínios».
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Não
há projetos de requalificação para esta praça aberrante. Tudo quanto a
autarquia lisboeta planeou para ela nos últimos anos foi a construção de um
mamarracho (que, depois de chumbado duas vezes em reunião camarária, acabou por ser aprovado numa terceira votação), ao qual um partido da
oposição contrapôs uma proposta de «requalificação» do Largo do Rato, sendo que
a dita «requalificação» praticamente se resumia à plantação de um espaço verde
no lugar destinado àquele mamarracho, deixando intocada a supremacia
do Senhor Automóvel. Que continua a reinar na praça. Até quando?
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P.S. Alguns leitores terão
certamente reparado na presença de poucos veículos nas fotografias mostradas
neste artigo. Não se iluda: aproveitei uma passagem (indesejada) pelo Largo do
Rato num chuvoso domingo de manhã para tirar estas fotografias. Nos dias úteis, o
trânsito no Largo do Rato é constante. De facto, só apetece fugir
dali. E é pena, não é?
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16 comentários:
Só mesmo um imbecil para achar que isto é progresso...
Porque a cidade capital perde habitantes todos os anos? Não sei.
Quem vive nos arrabaldes, vai para a cidade de carro, não sente estas "cenas" e no fim do dia volta para o conforto do seu lar com jardins e vista para o mar. Quem vive na cidade, olha... Diz-se que andam os impostos do país a financiar Lisboa.
Oh Joana, não quer ir ao Rato? Não vá!! Porque é que tem de chatear quem, precisa de passar lá de carro? Porque é que não pensa um bocadinho nos outros, para variar em vez de pensar só em si?
Oh Fernando, não quer usar o cérebro? Não use!! Porque é que tem de chatear quem o costuma usar?
Mais uma situação escandalosa, perfeitamente documentada, que demonstra como a cidade de Lisboa perdeu a dimensão humana e hoje é pouco mais que um amontoado de vias rápidas e parques de estacionamento.
É sempre penoso encontrar depois aqui comentários dos mentecaptos que mantêm o status quo.
Fernando, tá mesmo a confirmar a regra..
Eu a pensar que hoje não encontrava nada mais absurdo do que aqueles atravessamentos no largo do rato e..
..aparece este comentário.
absurdo é pouco!!
se há pessoas altruístas são as que escrevem este blog. aproveite para ler outros artigos, pode ser que aprenda qualquer coisa.
E para além de tudo, verificar que não é apenas com o largo do rato que se preocupam. é com tudo. E sobretudo com os outros, em especial aqueles que tem a mobilidade mais reduzida.
O Gonçalo está a defender que a cidade de Lisboa devia ser apenas para trabalhar (Serviços) e as pessoas chegavam e saíam de carro? É essa a sua ideia de futuro?
Nenhum país ou zona do país se desenvolve sem um centro que atraia pessoas. Esse centro é hoje, a cidade. Sem cidade forte, não existe periferia. A cidade não é uma estrada na qual veículos motorizados circulam, mas muito muito mais do que isso. Se já foi a cidades desenvolvidas e que são ícones da civilização (Nova Iorque, Paris, Londres, Berlim, etc.), encontra também muitos problemas, mas muito poucos como este que aqui se retrata. E lá, também muitos moram na periferia e trabalham na cidade.
Mas antes de tudo, é uma questão de respeito. Para o Fernando Paulo, aparentemente, merece mais respeito quem se desloque num carro do que quem se desloca a pé, apesar de serem todos pessoas.
Não sei como chegámos a este estado de coisas, mas é urgente intervir para mudá-las, sob pena de excluirmos as pessoas da cidade. E sem pessoas, não há cidade.
Uma pequena nota: Na 12ª fotografia a cores, com atravessamento da zona BUS para a Rua de São Filipe Néri, pelo lado sul, esqueceram-se que há uma passagem directa da "ilha" para uma placa onde estão as ventilações do Metro. Não é necessária a volta descrita. Esse é, de qualquer modo, mais um micro-passeio onde alguém de cadeira de rodas teria uma enorme dificuldade de passagem. O costume, portanto.
Os meus parabéns pelo artigo bem documentado.
Pedro M. Fonseca
18 de Julho de 2012 15:07
Se percebeu isso pelo meu post anterior, ou eu me expressei mal ou você não me entendeu, ou as duas coisas.
A cidade perde habitantes há 30 anos? Quem ganhou mais espaço nestes anos? Mais automóveis, menos cidade, mais local de passagem, menos pessoas.
Os 700mil condutores que entram todos os dias de automóvel na cidade não lhes interessa isto, pois na sua rua têm jardins, vista para o mar, etc, já os moradores da cidade capital andam (há quem diga) a ser financiados pelo país todos) para ter cada vez melhor qualidade de vida, para os automóveis dos condutores do arrabaldes, pois desde os anos 80 fizeram-se muitas desgraças para vergar a cidade ao poderio automóvel.
Obrigada, Pedro. De facto, há um espacinho ao lado daquela estrutura de betão. Já corrigi. Sempre são "só" 3 passagens de peões, em vez de 5. Feliz peão!
Gonçalo, confesso que não percebo muito bem o que está a dizer. Compreendo a parte que a quem não mora em Lisboa e para ela se desloca de carro, só tem interesse em vias abertas e rápidas para tal. Mas não podemos fazer dessas pessoas a generalidade.
Milhares vêm de transportes públicos e são brutalmente prejudicadas pelas péssimas condições de circulação pedonal existente. Já para não falar nos acidentes com atropelamentos superiores à média europeia. Temos pessoas mais suicidárias que os nossos parceiros europeus? Não creio.
A perda de habitantes pela cidade de Lisboa explica-se por múltiplos factores, como preço das casas, prédios velhos com rendas limitadas, investimento público nas vias para o transporte individual próprio para fora e dentro da cidade, etc. Mas as pessoas que habitam na periferia fazem-no porque há Lisboa, porque há uma dinâmica que as atrai e uma facilidade que é paga por todos nós (inúmeras auto-estradas, a maioria não paga pelo utilizador). Não faz muito sentido, colectivamente falando que não habitemos mais próximos uns dos outros e que Lisboa não tenha os mesmos espaços verdes e espaços disponíveis para o encontro e relacionamento social.
A ideia de que "andam os impostos do país a financiar Lisboa" é um mito. Primeiro porque os quadros comunitários têm feito mais investimento per capita a zonas desfavorecidas como o interior, segundo porque há investimentos que são estratégicos para todo o país: sem uma capital forte, Portugal não existe para o exterior, não pode competir com outras cidades. Repare-se que hoje as pessoas referem-se primeiro às cidades e só depois ao país ("vou a Roma/Veneza/Porto/Amesterdão/Tóquio..."). Não é por acaso.
Mas não está a perceber nada do que eu estou a dizer?
Pelos meus posts anteriores parece-lhe mesmo que estou a defender a hegemonia do automóvel na cidade?
Eu digo-lhe: não tenho automóvel e desloco-me todos os dias por Lisboa e não gosto do estado da cidade (e muito menos dos subúrbios onde só é possível aceder por veículo particular).
O Largo do Rato já não é um Largo, mas sim um grande nó rodoviário. Basta olhar para a localização das paragens do autocarro e das saídas do Metro para perceber que os peões estão a mais. Tenho ideia que este arranjo urbanístico ainda é do tempo do Dr. João Soares ... será?
Muito obrigado por mais este excelente artigo, sobre este largo(?) que tão bem conheço. Um dia (quando?) teremos uma câmara municipal capaz de olhar para este modelo completamente falhado, e suficientemente inteligente e corajosa para começar a devolver a cidade às pessoas, rua a rua, praça a praça.
joana,
É simples demais. O Rato é um eixo estruturante da cidade. É assim porque tem de ser assim. São 9 ruas e não há outra solução possível. Um dia vai entender isso, quando crescer.
pedro soares martins
Pedro,
É simples: o Rato é um largo. Estruturante é a sua tia. Não tem que ser assim, como mostram inúmeras experiências noutras paragens.O Rato pode ser um local agradável e talvez até você venha a percebê-lo, um dia que cresça, apareça, aprenda a respirar e a pensar e deixe de ser troll.
Paulo Gomes
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