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No mês passado, o
Instituto de Cidades e Vilas com Mobilidade (uma associação privada) atribuiu à
cidade de Faro um "certificado de acessibilidade" do espaço urbano,
com base numa auditoria realizada na cidade em Julho de 2016.
É provável que quem
conheça Faro pasme ao ler isto. O espanto duplicará se dissermos que é
pressuposto da atribuição de um certificado de acessibilidade a verificação do
«TOTAL cumprimento» das normas de acessibilidade.
Mas à medida que vamos
lendo o relatório referente à atribuição do certificado o nosso espanto
esfuma-se. Desde logo, verificamos que se trata apenas de um “percurso
turístico acessível”. E que a área urbana certificada, delimitada a branco nesta imagem de satélite, equivale apenas a cerca
de 7% da cidade:
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A zona contemplada é restrita a uma parte do centro da cidade (um estranho paradoxo
do nosso tempo: é normalmente onde vive menos gente que as autarquias criam
melhores condições de circulação pedonal). Mas mesmo dentro dessa pequena área
só umas poucas ruas é que foram consideradas acessíveis, como se vê no mapa seguinte, com as
ruas acessíveis destacadas a verde:
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São quase todas ruas pedonais.
O próprio relatório
identifica (e documenta com fotografias) inúmeras situações de incumprimento
dentro da área “premiada”, como passeios estreitos ou inexistentes, passeios
com obstáculos ou passadeiras com desnível em relação ao passeio.
Aliás, o Google Maps
mostra-nos imagens de toda a cidade, datadas de 2015. Só por milagre é que no
espaço de um ano Faro poderia ter-se tornado uma cidade amigável para os peões.
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Faro, cidade onde uma em cada quatro deslocações pendulares é feita a pé, não tem um
plano de acessibilidade pedonal. Tem há anos em preparação um plano de
transportes e mobilidade, mas que ainda não passou da 1.ª fase de elaboração.
Tal como outras
cidades, Faro passou basicamente ao lado da Lei das Acessibilidades, publicada
pela primeira vez há 20 anos.
Em 2008, Faro aderiu à
Rede Nacional de Cidades e Vilas com Mobilidade para Todos. Ainda hoje a
autarquia se regozija disso, afirmando que essa adesão foi a demonstração do
“empenho” e da “preocupação” da Câmara Municipal quanto à acessibilidade. Mas a
verdade é que a adesão se limitou a uma dezena de arruamentos, num percurso
simbolicamente iniciado no edifício da Associação Portuguesa de Paralisia
Cerebral, como se mostra no mapa seguinte:
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Apesar da exiguidade da área abrangida, nove anos
decorridos, Faro não garantiu as condições de acessibilidade nessas poucas
ruas!! As fotografias seguintes são de alguns locais
abrangidos pelo compromisso assumido pela autarquia em 2008. Um fiasco.
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Também em 2008, no
âmbito da elaboração de um plano de mobilidade sustentável (um dos 40 que então
se fizeram no país), foi delineada uma rede de percursos pedonais
estruturantes, nos quais a autarquia devia intervir prioritariamente, perante a
constatação de que, por razões financeiras, não era “possível” uma intervenção
em todos os espaços pedonais da cidade. Outro fiasco.
Nessa rede estava
incluído um percurso pedonal de 2km entre a sede da ACAPO (associação dos cegos
e dos amblíopes) e a estação ferroviária, com passagem por alguns dos
equipamentos da cidade, e que tinha sido sugerido pela própria ACAPO em 2007.
Em 2014, uma tese de mestrado debruçou-se sobre esse percurso pedonal,
analisando-o ao pormenor. O diagnóstico foi demolidor. No estudo, o percurso
foi divido em 12 troços. Em nenhum dos 12 troços o passeio cumpria as normas de
acessibilidade. Considerando só as exigências mais básicas, só em metade dos
troços é que o passeio tinha a largura mínima livre de obstáculos e a maioria
dos passeios não tinha o pavimento em condições. Quanto às passagens de peões,
pior. Num troço de 2km em plena cidade, só há 12 passagens de peões. Nenhuma
das 12 cumpre a Lei. Especificamente quanto ao nivelamento em relação ao
passeio, todas tinham desnível ilegal: até as duas passadeiras sobrelevadas existentes
no percurso foram mal construídas e tinham desnível ilegal em relação ao passeio!! Tudo isto apesar de nos
5 anos anteriores terem ocorrido, no percurso analisado, algumas obras de
requalificação feitas pela Câmara Municipal.
Situações de
incumprimento que permanecem após obras de requalificação são comuns, em Faro
como no resto do país. Em 2009 terminou uma obra de requalificação da Praça
António Sérgio, na qual a Câmara de Faro investiu um milhão de euros. As
fotografias seguintes mostram passagens de peões que ficaram
depois dessa obra. Na primeira, uma sucessão de disparates. Nas duas últimas,
as rampas são muito inclinadas e perigosas (por exemplo para idosos).
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Faro tem, desde o mês
passado, um “certificado de acessibilidade” do espaço urbano…
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