Nos quatro anos de blogue: Ferrovia (1)

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Em 2009, no exato dia em que este blogue nasceu e em vésperas de eleições legislativas, foi assinado um protocolo entre a REFER, a CP, o Instituto Portuário e dos Transportes Marítimos, a CCDR Norte e a Estrutura de Missão para a Região Demarcada do Douro, com vista à reativação (e exploração para fins turísticos) do troço de 28 km da Linha do Douro entre Pocinho, Foz Côa e Barca d´Alva, encerrado em 1988: anunciava-se uma inédita reabertura de uma linha ferroviária desativada. Não se concretizou – tal como outros projetos relacionados com a ferrovia. Não foram anos felizes, estes, para a ferrovia portuguesa. Neste artigo vamos, em traços gerais, ver o que mudou entre 2009 e 2013, linha a linha [linhas com tráfego de passageiros e apenas ligações nacionais; a comparação do número de ligações e de horários é sempre feita com base nos horários dos dias úteis]:
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1 - RAMAL DA LOUSÃ
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Evolução 2009-2013:
A linha foi encerrada.
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Observações:
Em Janeiro de 2010, o Ramal da Lousã, com término em Coimbra e com características de transporte suburbano, foi encerrado, para a realização das obras de implementação do Metro do Mondego, apesar de protestos das populações, que pretendiam a manutenção da linha férrea (na fotografia, de Paulo Novais para a Lusa, vigília contra o encerramento da linha). A linha foi desmantelada. A obra do metro não se fez. Ainda em 2010, foram canceladas as empreitadas relativas à primeira fase. No final do ano, e em substituição da solução do metro, a REFER colocava a hipótese de alcatroar o canal ferroviário, por onde passariam a circular autocarros. No início de 2011, um comunicado do Ministério das Obras Públicas e Transportes aludia à “insustentabilidade” do projeto do Metro do Mondego. Chegou-se a ponderar voltar a pôr os carris no canal, repondo-se a situação anterior. Mas a linha não foi recolocada.
Em 2009, circulavam diariamente no Ramal da Lousã 35 comboios, e, com exceção da Linha do Norte, o número médio de passageiros por comboio era o mais elevado de todo o serviço regional.
Apesar da intenção manifestada várias vezes pela CP de suprimir o serviço rodoviário alternativo, este ainda existe. Em cada comboio, a CP transportava, em média, um número de passageiros muito superior à capacidade de um autocarro (173 passageiros por comboio em 2004 - último dado disponível). Daí que o número de ligações em autocarro mais do que duplique o do comboio. Os autocarros são mais lentos. Por comboio, a ligação mais rápida de Serpins a Coimbra demorava 41 minutos; hoje, o autocarro mais rápido demora 120 minutos. Nem os autocarros “rápidos” entre Lousã e Coimbra conseguem competir com o tempo de percurso do comboio: o autocarro mais rápido demora 50 minutos (sem contar com engarrafamentos); à altura do encerramento da linha, o comboio mais rápido demorava 33 minutos. Do serviço de comboio (2009) para o serviço de autocarro, o número total de passageiros transportados pela CP diminuiu 13% em apenas um ano (não há dados posteriores a 2010).
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2 – LINHA DO CORGO
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Evolução 2009-2013:
Linha encerrada.
Suprimidas todas as ligações de transporte público rodoviário alternativo pela CP.
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Observações:
Na Linha do Corgo, que servia a capital transmontana, a circulação foi interrompida em Março de 2009, tendo sido invocado como motivo a «necessidade inadiável de intervenção na infraestrutura, com vista a garantir segurança da circulação». A linha foi rapidamente desmantelada, mas nenhuma obra foi iniciada, apesar do anúncio da Secretária de Estado dos Transportes de que as obras (no valor de 23,4 milhões de euros, financiadas na sua maior parte com fundos comunitários) se iniciariam em Junho de 2009 e estariam concluídas e a linha reaberta em Setembro de 2010. Em Julho de 2009, a Secretária de Estado invocou dificuldades na aquisição de novo material para a linha: a obra iniciar-se-ia, afinal, em 2010 e estaria concluída em 2011.
Em 2010, nenhuma obra foi iniciada. Em meados do ano, foi desativada, na Régua, a central de comando que abrangia a Linha do Corgo. No final do ano, a CP, no seu Plano de Atividades para 2011, manifestou a intenção de pôr termo ao serviço de transporte rodoviário alternativo.
Em Julho de 2011, os municípios de Vila Real, da Régua e de Santa Marta manifestaram-se dispostos a cofinanciar a obra (no pressuposto da comparticipação financeira com fundos comunitários).
Em Outubro de 2011, o Governo decidiu desativar a linha.
Em 1/1/2012, a CP decidiu suprimir todas as ligações de transporte público rodoviário alternativo (10 autocarros diários, tantos quantas as ligações ferroviárias diárias que havia em 2009, à data da interrupção da circulação; o tempo de percurso do autocarro era igual ao do comboio, que, por seu turno, era mais lento em 2009 do que décadas antes).
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Fotografia daqui.
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3 - LINHA DO TÂMEGA
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Evolução 2009-2013:
Linha encerrada.
Suprimidas todas as ligações de transporte público rodoviário alternativo pela CP.
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Observações:
A situação da Linha do Tâmega (que ligava a Linha do Douro à cidade de Amarante) é idêntica à da Linha do Corgo. A circulação foi interrompida exatamente na mesma data, foi invocado o mesmo motivo (“segurança”), foi manifestada a mesma intenção (renovação integral da linha, neste caso com o custo total de 13,6 milhões de euros, também financiados na sua maior parte com fundos comunitários), foi anunciado para 2011 o prazo de conclusão da obra, a linha foi rapidamente desmantelada, a obra não foi iniciada em Junho de 2009 (primeira previsão), nem em 2010 (segunda previsão), e em meados de 2010 foi desativada, na Régua, a central de comando que abrangia a Linha do Tâmega.
No final de 2010, a CP, no seu Plano de Atividades para 2011, manifestou a intenção de pôr termo ao serviço de transporte rodoviário alternativo.
Em Outubro de 2011, o Governo decidiu desativar a linha.
Em 1/1/2012, a CP decidiu suprimir todas as ligações de transporte público rodoviário alternativo (15 autocarros diários, tantos quantas as ligações ferroviárias diárias que havia em 2009, à data da interrupção da circulação; o autocarro era bastante mais lento do que o comboio, que, por seu turno, era mais lento em 2009 do que décadas antes).
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Fotografia de Luís Liberal.
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4 - RAMAL DA FIGUEIRA DA FOZ
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Evolução 2009-2013:
Linha encerrada.
Suprimidas todas as ligações de transporte público rodoviário alternativo pela CP.
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Observações:
Nesta linha de 50 quilómetros, que ligava a Figueira da Foz (Linha do Oeste) às linhas do Norte e da Beira Alta (em Pampilhosa; o comboio fazia a ligação a Coimbra), a circulação foi interrompida em 2009. Neste caso, o motivo invocado não foi a “segurança”, mas o investimento na “modernização” da linha, para se “melhorar o serviço prestado às populações” (com aumento significativo das velocidades de circulação), com prazo de conclusão previsto para 2011 (depois, 2012) e um custo de 35 milhões de euros (financiados na sua maior parte com fundos comunitários).
À altura da suspensão do serviço, o comboio demorava 1h25m a percorrer os 50 quilómetros entre Figueira da Foz e a Linha do Norte (era mais lento do que no início da década). O serviço de transporte rodoviário criado em sua substituição era ainda mais lento: 1h51m (sem contar com engarrafamentos).
A obra de modernização foi abandonada.
No final de 2010, a CP, no seu Plano de Atividades para 2011, manifestou a intenção de pôr termo ao serviço de transporte rodoviário alternativo.
Em Outubro de 2011, o Governo decidiu desativar a linha, que foi, entretanto, desmantelada.
Em 1/1/2012, a CP decidiu suprimir todas as ligações de transporte público rodoviário alternativo (seis autocarros diários, que tinham substituído o mesmo número de comboios).
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[Notas: tal como no caso das linhas do Corgo e do Tâmega, a CP defendera várias vezes o encerramento da linha e chegou mesmo a planear o seu fim em 2006, em documento então entregue ao Governo. Desde meados da década, a CP, no seu sítio na internet, deixou de listar os horários dos comboios desta linha, que passaram a estar “escondidos” na página dos horários do Ramal da Lousã, sem qualquer indicação no índice de horários.]
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Fotografia daqui.
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5 – LINHA DO LESTE
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Evolução 2009-2013:
A linha foi encerrada ao tráfego de passageiros.
Não foi criado serviço de transporte alternativo.
 
Observações:
Em 2009, e por falta de investimento, a Linha do Leste (com 141 km de extensão de Abrantes a Elvas, 146 km até Badajoz) tinha padrões de velocidade completamente ultrapassados, circulando o comboio mais lentamente do que décadas antes (enquanto na rodovia sucedeu o inverso). Longos troços eram percorridos pelo comboio à velocidade constante entre os 30 km/h e os 40 km/h. Mesmo assim, o comboio era o transporte público mais rápido entre Porto e Elvas, e em vários outros trajetos chegava a conseguir competir com o autocarro (ex. Portalegre-Lisboa, Portalegre-Abrantes) em certos horários. Mesmo assim, havia comboios que circulavam cheios ou quase cheios (como pudemos testemunhar).
Em 2009, a REFER anunciou um investimento de 48 milhões de euros (financiados na sua maior parte com fundos comunitários) para a reabilitação de toda a linha, a concluir até 2013. Nos troços que foram sendo intervencionados, as velocidades máximas de circulação aumentaram de 40 km/h para 100 km/h ou mesmo para 120 km/h, e os tempos de percurso do comboio começaram a diminuir. Só entre 2009 e 2011, o melhor tempo de viagem na Linha do Leste (entre Elvas e Abrantes) diminuiu de 2h49 para 2h02: um ganho de 47 minutos (só com parte da linha renovada).
Em 1 de Janeiro de 2012, no decurso deste processo de reabilitação (que continuou), a linha foi encerrada ao tráfego de passageiros.
Não foi criado transporte público alternativo.
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Fotografia: © 2012 Nuno Veiga, para a Lusa
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6 - RAMAL DE CÁCERES
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Evolução 2009-2013:
A linha foi encerrada.
Não foi criado serviço de transporte público alternativo.
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Observações:
Esta linha (de 73 km de extensão), por onde circulavam, em 2009, quatro comboios diários (além do comboio internacional), foi encerrada ao tráfego de passageiros em 1 de Fevereiro de 2011 e depois desativada em Agosto de 2012. Em sua substituição não foi criado serviço alternativo de transporte público.
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[Em 2010, por ocasião da publicação de uma série de artigos sobre o Ramal de Cáceres, fomos investigar se as autarquias locais e as empresas de alojamento turístico de Castelo de Vide e de Marvão faziam referência ao comboio nos seus sítios na internet, nas páginas relativas aos acessos. O cenário que encontrámos foi desolador, embora não surpreendente, num país onde quase só a rodovia é que conta. Ver aqui.]
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Fotografia de Paulo Cardoso.
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7 - LINHA DO TUA
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Evolução 2009-2013:
A maior parte da linha foi desmantelada e o troço restante ficou isolado do resto da rede ferroviária.
Grande redução da oferta no troço sobrevivente.
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Observações:

1) A construção de uma polémica barragem conflituante com grande parte da linha ditou o seu fim no troço compreendido entre a Linha do Douro e a estação do Cachão. Comunicados, petições, protestos, vigílias, manifestações, moções na Assembleia da República, documentários, filmes: nada fez recuar os governantes relativamente à decisão de encerramento.
Quando a UNESCO admitiu que a construção da barragem poderia pôr em causa a classificação da Região Vinhateira do Alto Douro como Património da Humanidade, o país viu-se na situação caricata de a preservação de um património único, cuja existência devia constituir orgulho para os portugueses - o Vale do Tua e a Linha do Tua -, ficar dependente de uma decisão de uma entidade internacional sobre uma questão lateral (essa decisão chegou há dias e não salvou o Vale do Tua).
De uma extensão de 54 km (o que sobrara em 1992 da primitiva linha), a Linha do Tua ficou reduzida a um pequeno troço de 12,3 km entre Cachão e Mirandela e sem ligação ao resto da rede ferroviária (e que coexiste com o troço de 4 km do metro de Mirandela entre esta cidade e Carvalhais).
Numa decisão inédita (relativamente a linhas em exploração), em 2011 a REFER desencadeou junto do Governo o processo de desativação da Linha do Tua da rede ferroviária nacional e, no Diretório da Rede, a linha (a totalidade da linha) chegou a deixar de figurar no elenco das linhas integradas na rede ferroviária.
A CP manifestou diversas vezes a intenção de pôr termo ao serviço rodoviário alternativo entre Tua e Cachão e chegou mesmo a anunciar a supressão desse serviço a partir de 1 de Julho de 2012. A contestação levou à retoma do serviço dias depois, que se mantém “até aviso em contrário” (segundo o que se pode ler no sítio da CP). Duas das seis ligações em autocarro existentes em 2009 foram, entretanto, suprimidas.

2) No troço de 12,3 km sobrevivente, entre 2009 e 2013 o número de comboios diários diminuiu de forma significativa: de 14 para 8. É o que resta do comboio no distrito de Bragança.
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Fotografia: início do desmantelamento da linha (2010).
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(continua)
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