Há uns anos,
realizou-se em Portugal – em Lisboa – um campeonato mundial de Boccia. Quando se
pensou no transporte dos atletas entre o hotel e o estádio, ao longo das duas
semanas de duração da prova, constatou-se que não era viável assegurar o
transporte pela via rodoviária para tão grande número de pessoas. Concluiu-se,
por isso, que a única solução era a pedonal (ambos os hotéis ficavam perto do
estádio: um a cerca de 700m e o outro a pouco mais de 1000m).
Quando foi feita uma
visita aos percursos pedonais em causa, constatou-se o que era de esperar: numa
zona que representa o pior do pior de Lisboa, pensada para o carro, com avenidas
muito largas e sempre com várias vias de trânsito para os automóveis, havia dezenas
de obstáculos para os peões, como por exemplo MUPI colocados a
obstaculizar o canal pedonal, passeios esburacados, pilaretes estupidamente
implantados quase no meio do passeio estreito e o habitual desnível da
passadeira em relação ao passeio.
Em poucos meses, fez-se
o inventário dos problemas, projetaram-se as soluções para os resolver,
planeou-se os trabalhos e fez-se a obra. Num curto período criaram-se condições
mínimas de circulação pedonal, em percursos com uma extensão total de quase 2
km (assinalados a verde na imagem de cima). Lisboa ganhava então as primeiras
passagens de peões acessíveis.
Se passou recentemente nestes locais
e estranhou a existência de canais pedonais contínuos livres de obstáculos
respeitando a Lei ou passagens de peões bem construídas (embora só num dos dois lados das avenidas em causa), agora já sabe: foi
graças a um campeonato do mundo. Numa zona de universidades, hospitais,
clínicas, hotéis, escritórios, serviços e habitação, foi preciso um campeonato
do mundo para se criarem condições mínimas de circulação pedonal.
Este caso ensina-nos,
sobretudo, que em muitas das situações se podem corrigir os problemas sem ser
necessário esperar por grandes e caros projetos de requalificação que demoram
anos e anos a ver a luz do dia. Podem ser corrigidos como se tapam buracos na estrada,
se repavimenta uma rua, se repara uma conduta ou se recoloca um poste de
iluminação danificado, sem gastar as quantias avultadas que se despendem em projetos megalómanos, a
construir rotundas com repuxos, a alargar faixas de rodagem ou a subsidiar
clubes de futebol. É sobretudo preciso haver verdadeira preocupação – não a
preocupação manifestada nos discursos e no papel, mas a preocupação revelada na ação – e consciência das prioridades. A eterna desculpa da “falta de
dinheiro”, repetida pelas autarquias nos últimos 20 anos para pouco ou nada
fazerem, não passa disso mesmo – de uma desculpa.
1 comentário:
Como sempre, muito bom artigo! Há muito que me limitava a seguir-vos pelo facebook. É bom ver que o blog vai tendo vida.
Obrigado
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