A rede portuguesa de auto-estradas: motivo de orgulho? (5) - II

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(devido à sua extensão, esta parte do artigo foi subdividida em cinco partes: I, II, III, IV e V)
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CELORICO DA BEIRA (Beira Alta) passou a estar a 24 km da A23 em 2004, e desde 2006 a sede de concelho é diretamente servida pela A25:
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Em Celorico, a população cresceu ligeiramente quase todos os anos até 2003 (únicas exceções: 1997 e 1998, com variação praticamente nula) e começou a diminuir em 2004, com agravamento a partir de 2006: desde 2004, o concelho perde habitantes todos os anos.

Os saldos naturais anuais têm sido sempre negativos (mas não se têm agravado desde 2001: pelo contrário, a diferença negativa entre nascimentos e óbitos diminuiu). A quebra da população ocorrida nos últimos anos explica-se pela variação ocorrida no saldo migratório. Também Celorico estava a conseguir fixar cada vez mais gente vinda de fora (o saldo migratório atingiu um máximo de +81 em 2001), mas a partir de 2002 o saldo foi diminuindo continuamente. Em 2008, o número dos que foram embora superou pela primeira vez o das pessoas de fora que fixaram residência no concelho.

Celorico "ganhou", em 2010, uma terceira auto-estrada, em direção a Norte. Pequenos empresários do concelho queixaram-se recentemente de que desde a abertura desta última auto-estrada os seus negócios sofreram uma enorme queda.


FORNOS DE ALGODRES (Beira Alta) passou a estar a 38 km da A23 em 2004, e desde 2006 a sede de concelho é diretamente servida pela A25.
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Fornos de Algodres é mais um concelho que desde 1991 tem vindo a perder população todos os anos. Na primeira década deste século, os últimos anos foram aqueles onde a perda foi maior.

Este é mais um concelho onde nascem menos pessoas do que aquelas que morrem: o saldo natural tem sido sempre negativo, embora sem tendência definida para agravamento ou desagravamento.

Mais uma vez, é no saldo migratório que vamos encontrar diferenças. Em Algodres, a debandada de habitantes foi diminuindo até 2000 e terminou em 2001, ano em que se atingiu um saldo migratório positivo: finalmente, havia mais gente a ir morar para o concelho do que aquela que migrava para outras paragens. Esta tendência positiva acentuou-se em 2002 (o saldo migratório positivo mais do que duplicou) e estabilizou em 2003. Mas a partir de 2004 recomeçou a diminuir (desceu para quase metade nesse ano) e desde então tem diminuído continuamente. No ano em que a segunda auto-estrada chegou a Algodres (2006), o saldo migratório já foi nulo e nos anos seguintes voltou a ser negativo, embora quase nulo (-8 em 2009).


GOUVEIA foi outro dos concelhos “beneficiados” pela A25 (de que dista cerca de 20 km) desde 2006. Para Gouveia, a A23 (2004) estava mais distante (cerca de 50 km).
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Gouveia também perde população todos os anos desde 1991. Mas neste caso houve um contínuo e significativo abrandamento do ritmo da quebra demográfica de 1996 até 2002, ano em que praticamente o concelho não perdeu população (perda de apenas 5 habitantes). Foi a partir de 2003 que essa tendência positiva se inverteu, e de forma mais significativa após 2007 (nesse ano, a perda de população quase duplicou e agravou-se nos anos seguintes). O concelho perdeu quase 4% da população desde a inauguração da auto-estrada A25 e, em termos absolutos, perdeu nos últimos 4 anos mais habitantes do que tinha perdido nos 8 anos anteriores ao da inauguração desta auto-estrada.

Para esta mudança contribuiu o saldo natural e o saldo migratório, mas muito mais este do que aquele.

O saldo natural em Gouveia tem sido sempre negativo e sem variações significativas desde 2001. Nota-se uma quebra do número de nascimentos (um pouco superior a 100 na última década do século XX, um pouco inferior a 100 na primeira do século XXI), enquanto o número de óbitos se tem mantido relativamente estável.

De novo, é no saldo migratório que encontramos diferenças significativas. Gouveia teve uma evolução muito positiva (e contínua) do saldo migratório até 2003. Em 1999, pela primeira vez foram mais os que se fixaram vindos de fora do que aqueles que foram morar para outro lado (saldo migratório: +8). O concelho atraiu cada vez mais gente de fora até 2002 (saldo migratório: +168). O saldo migratório tem sido sempre positivo em Gouveia. Mas houve uma clara inversão na evolução desde 2004: tem ocorrido um claro descréscimo desse saldo, até se tornar quase nulo (+13 em 2008).  


Dos concelhos da Beira Interior aqui analisados, MANGUALDE, vizinho de Viseu, é o mais próximo do litoral. É diretamente servido pela A25 desde 2006.
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Mangualde registou uma evolução demográfica notável até 2006. Até 2001 foi perdendo cada vez menos habitantes por ano (-198 em 1993, - 131 em 1998, -62 em 2001) e a partir de 2002 a população começou a crescer. Quando a A25 chegou (2006), o número de habitantes do concelho (21 248) já estava aos níveis de 1995 (21 262). Mas a partir de 2007 a situação inverteu-se e a população recomeçou a diminuir.

Salvo em 1999 (+5), o saldo natural em Mangualde tem sido sempre negativo. O número de óbitos tem sofrido algumas variações, mas mantém-se relativamente estável, e houve uma quebra do número de nascimentos a partir de 2005, um pouco mais acentuada a partir de 2007. Em todo o caso, por força das oscilações da mortalidade, o saldo natural tem registado subidas e descidas, não havendo ainda uma tendência muito definida.

O mesmo não se pode dizer do saldo migratório. Foi este que permitiu a notável recuperação demográfica ocorrida em Mangualde. A debandada de habitantes foi diminuindo continuadamente até 2001 e desde 2002 são mais as pessoas de fora que se fixam em Mangualde do que aquelas que se vão embora. Mas sobretudo a partir de 2004 o saldo migratório tem diminuído. Em 2002 era de +211, a partir de 2006 passou a ser inferior a 100 e desde 2008 é inferior a 50.


Descendo até ao Alentejo, esta é a evolução demográfica do concelho de BORBA, servido desde 1999 pela auto-estrada A6 (com ligação ao litoral e a Espanha):

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Em Borba, a população tem vindo a diminuir ligeiramente desde 1991. Neste caso, não existe uma variação nítida no ritmo da queda demográfica, que tem sido mais ou menos uniforme nestas duas décadas. Borba perdeu 4,7% da população desde o ano anterior ao da chegada da auto-estrada.

O saldo natural tem sido sempre negativo, mas sem tendência definida para aumentar ou diminuir. Nascimentos e óbitos não têm apresentado variações muito significativas (ligeira diminuição em ambos os casos).

Quanto ao saldo migratório, encontramos dois períodos evolutivos distintos: uma evolução positiva até 2002 e uma evolução negativa a partir de 2003. O ritmo da debandada de habitantes, que não era elevado (entre os 10 e os 20 ao ano), foi diminuindo até 2000, numa evolução iniciada anos antes da chegada da auto-estrada. Em 2001, Borba já consegue fixar mais habitantes de fora relativamente aos que vão viver para outro lado (saldo migratório: +4), o saldo atinge um máximo de +26 em 2002, mas começa a diminuir a partir de 2003, é nulo em 2006 e volta a ser negativo a partir de 2007, regressando a debandada de habitantes, ao mesmo ritmo dos anos 90.


Esta é a evolução no concelho vizinho de VILA VIÇOSA (a cerca de 8 km da A6 desde 1999):
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Vila Viçosa tem perdido alguma população e também tem hoje menos habitantes do que no ano anterior ao da chegada da auto-estrada. A diferença, neste caso, é que houve quatro anos em que foi registado um crescimento demográfico: 1997 (antes da auto-estrada), 2001, 2002 e 2003 (depois da auto-estrada). Desde 2004, Vila Viçosa tem perdido população todos os anos (perda pouco relevante: entre os 14 e os 38 habitantes por ano).

Neste caso, o saldo natural tem sido sempre negativo (sem tendência definida) e o saldo migratório tem sido sempre positivo: este é um concelho que todos os anos tem conseguido atrair gente de fora, numa evolução que se iniciou quando ainda não existia auto-estrada. O saldo migratório cresceu até 2002 e tem oscilado a partir de 2003, registando uma clara quebra a partir de 2007, para se tornar praticamente nulo. Os números não evidenciam qualquer influência da auto-estrada.
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ELVAS, uma das mais antigas cidades do Alentejo, viu a ambicionada auto-estrada A6 chegar em 1999:
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Elvas é o único caso em que foi registada uma evolução positiva da população iniciada após a chegada da auto-estrada - ainda que apenas durante alguns anos. O concelho perdeu continuadamente população desde 1991. Mas no período decorrido entre 1999 (ano da chegada da auto-estrada) e 2005 o ritmo da diminuição da população abrandou (embora durante esse período sem registar uma tendência definida para agravamento ou desagravamento). De uma forma bastante significativa, aliás: enquanto no período 1992-1998 Elvas perdeu, em média, 117 habitantes por ano, no período 1999-2005 perdeu, em média, 62 habitantes por ano. Mas a queda a partir de 2006 foi mais significativa ainda: Elvas passou a perder população a um ritmo bem superior ao dos anos 90 (média de 163 habitantes por ano). O concelho perdeu 5% de habitantes desde a chegada da A6.

Decompondo estes números, o saldo natural, embora sempre negativo, registou uma evolução positiva até 2000, iniciada anos antes da inauguração da auto-estrada, para o que pesou sobretudo o aumento do número de nascimentos. Mas os nascimentos decresceram um pouco a partir de 2001.

No que diz respeito ao saldo migratório, registou uma evolução positiva contínua até 2002, que já vinha do período anterior à auto-estrada. Em 2002, 2003 e 2004 Elvas consegue estancar a debandada de habitantes (saldos migratórios de +45, + 14 e +1), mas a partir de 2005 voltaram os saldos migratórios negativos e cada vez mais pessoas têm abandonado o concelho - agora a um ritmo idêntico ao verificado nos anos 90. Com a diferença de que agora existe auto-estrada.  


ESTREMOZ - que é cidade desde há quase um século - a auto-estrada A6 chegou no ano anterior (1998):
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Estremoz recomeçou a recuperar população a partir de 1993, registando acréscimos populacionais todos os anos sem exceção até 2000. A partir de 2001, a situação inverteu-se e Estremoz recomeçou a perder habitantes, ano após ano, a um ritmo que acelerou de forma muito significativa a partir de 2005. Estremoz tem hoje menos 6% de habitantes do que quando a auto-estrada chegou à cidade. Pior: é preciso recuar até ao ano de 1993 para encontrarmos em Estremoz menos de 15 mil habitantes.

Os saldos naturais em Estremoz têm sido sempre negativos: todos os anos nascem menos pessoas do que aquelas que morrem. O número de nascimentos baixou ligeiramente a partir de 2005 e o de óbitos não apresenta variação relevante. Consequentemente, o saldo natural negativo cresceu ligeiramente.

Mas é no saldo migratório que encontramos variações significativas. Até 2000 Estremoz vinha apresentando saldos migratórios positivos elevados (o que já vinha do período anterior à inauguração da auto-estrada) e sem variações relevantes (o máximo foi atingido em 1996, com um saldo migratório de +157, mas os valores dos restantes anos não são muito mais baixos). É a partir de 2001 que se verifica uma brusca queda (para quase metade só nesse ano), e em 2003 o saldo migratório já é praticamente nulo (+1). A partir de 2004 são mais os habitantes que vão viver para fora do que os de fora que se fixam em Estremoz: o saldo migratório tem sido sempre negativo e o ritmo da debandada de habitantes tem vindo a aumentar.


A auto-estrada A23 (Torres Novas – Guarda) foi outra das vias que beneficiou o interior do país. SABUGAL foi um dos concelhos que a viu chegar em 2003 (a sede do concelho dista cerca de 27 km da A23, para Sul, 24 km para Norte, neste caso desde 2004, e pouco mais de 30 km da A25, neste caso desde 2006):
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Sabugal perdeu continuamente habitantes nas últimas duas décadas. O ritmo da perda anual de população foi elevado até 1999 (perda de entre 200 e 300 habitantes por ano), mas abrandou nos anos seguintes, sendo as perdas inferiores a 90 habitantes/ano em 2001 e 2002. A partir de 2003 - precisamente o ano da chegada da auto-estrada -, as quebras populacionais aumentaram de forma significativa e têm crescido, voltando aos níveis dos aos 90. O concelho de Sabugal perdeu 8,5% da população desde a chegada da auto-estrada e, em termos absolutos, perdeu mais habitantes nos últimos 6 anos do que nos 9 anos anteriores ao da inauguração da A23.

Os saldos naturais têm sido sempre negativos e não têm sofrido variações relevantes, mantendo-se mais ou menos idênticos os respetivos valores (embora os nascimentos tenham diminuído, o mesmo se passou com os óbitos).

No que diz respeito ao saldo migratório, Sabugal é um dos raros concelhos do interior onde os habitantes que o abandonam têm sido em menor número do que os novos habitantes vindos de fora: os saldos migratórios têm sido sempre positivos (com exceção de 2008). Há, porém, uma grande diferença: até 2002 o concelho conseguiu atrair gente de fora em cada vez maior número, ano após ano, mas a partir de 2003 (ano da chegada da auto-estrada) a situação inverteu-se: os saldos migratórios diminuiram continuamente a partir daí, até atingirem valores praticamente nulos em 2008 e em 2009.   


*Versão revista e ampliada de artigo publicado inicialmente no blogue em Outubro de 2010.

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