A rede portuguesa de auto-estradas: motivo de orgulho? (5) - III

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(devido à sua extensão, esta parte do artigo foi subdividida em cinco partes: I, II, III, IV e V)
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Na Beira Baixa, BELMONTE (sede de concelho a cerca de 20 km da A23 desde 2003 e com a auto-estrada a passar ao lado desde 2004) é um caso mais raro no panorama do interior português:
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No concelho de Belmonte, a população tem crescido todos os anos desde 1997 (a única exceção foi 2008), embora com uma quebra acentuada a partir de 2006, até atingir uma variação praticamente nula em 2008 e em 2009. A população de Belmonte cresceu 1,9% desde a chegada da auto-estrada (mas já vinha crescendo nos anos anteriores, a um ritmo médio superior ao do período posterior à auto-estrada).

Em Belmonte têm morrido sempre mais pessoas do que aquelas que nascem, mas o saldo natural negativo não tem apresentado uma tendência nítida de aumento ou de diminuição. Tal como noutros concelhos do interior, os nascimentos diminuiram ligeiramente (a mortalidade não apresenta uma variação definida).

O crescimento da população tem, por isso, sido exclusivamene suportado por saldos migratórios positivos: Belmonte tem conseguido atrair gente de fora, todos os anos, sem exceção. Não é um fenómeno posterior à chegada da auto-estrada: já vinha do período anterior (pelo menos desde 1996). O saldo migratório máximo foi atingido em 2002 (+104), mas a partir de 2003 - exatamente o ano da chegada da auto-estrada - começou a diminuir, estando, nos últimos anos, a níveis inferiores aos dos anos 90.

Mais uma vez, se a auto-estrada teve algum efeito positivo, ele é impercetível na evolução demográfica ocorrida.


No vizinho concelho de MANTEIGAS (sede de concelho a 25 km da A23 desde 2004), a situação é bem pior:
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Em Manteigas, a população registou uma variação praticamente nula ou mesmo de crescimento entre 1993 e 1996. Desde 1997, o concelho tem perdido habitantes todos os anos, com agravamento a partir de 2004, precisamente o ano da inauguração da auto-estrada. O concelho perdeu 9,3% da população desde o ano anterior ao da inauguração da auto-estrada e, se de 1991 a 2003 (13 anos) tinha perdido cerca de 200 habitantes, nos 6 anos pós-auto-estrada perdeu quase 400 habitantes.

O saldo natural tem sido negativo todos os anos, com tendência de agravamento. A natalidade diminuiu, sendo nos últimos anos praticamente metade daquela que se verificava nos anos 90. Na mortalidade é mais difícil encontrar uma tendência nítida.

Para a diminuição da população tem contribuído também o saldo migratório. Até 2001, os saldos migratórios foram nulos (1999), praticamente nulos (1997, 1998) ou mesmo positivos (restantes anos). A partir de 2002, regressa a debandada de habitantes para outras paragens, que se agrava um pouco a partir de 2004 (ano da chegada da auto-estrada), estabilizando nos últimos três anos nos -24 / -26.


O concelho da COVILHÃ (Beira Baixa) - o mais populoso aqui analisado - é diretamente servido pela auto-estrada A23 desde 2003:
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A população da Covilhã cresceu todos os anos entre 1993 e 2001. Mas desde 2002 o número de habitantes tem diminuído ano após ano, de forma muito significativa e a um ritmo cada vez maior. A Covilhã está a perder atualmente entre 400 e 500 habitantes por ano, quando em 2002 (ano anterior ao da inauguração da auto-estrada) tinha perdido apenas 48 habitantes. O concelho tem hoje menos 4% de população do que no ano anterior ao da chegada da auto-estrada.

O saldo natural na Covilhã tem sido negativo todos os anos, situando-se por norma entre os -100 e os -200, mas sem uma tendência muito definida de crescimento ou decrescimento.

Os saldos migratórios foram sempre positivos até 2003, atingindo o máximo em 2000 (+286). Mas a partir de 2004 (o ano seguinte ao da chegada da auto-estrada) os saldos passam a ser sempre negativos, e com uma tendência clara de agravamento. A partir de 2007, os saldos negativos são já superiores a 200/ano.


Descemos um pouco até à cidade do FUNDÃO, também servida pela auto-estrada A23 desde 2003:
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O Fundão registou, desde 1991, uma tendência clara para o abrandamento do ritmo da perda de habitantes e a partir de 2000 a população começou mesmo a crescer, crescimento que se manteve até 2003. Desde 2004, a população tem diminuído todos os anos, com tendência nítida para agravamento. A população desceu cerca de 2% desde o ano anterior àquele em que o concelho passou a ser atravessado pela auto-estrada.

Para não variar, o saldo natural no Fundão tem sido sempre negativo (sem uma tendência evolutiva nítida) e houve uma quebra no número de nascimentos.

Por seu turno, o saldo migratório tem sido sempre positivo: o Fundão tem conseguido atrair novos habitantes todos os anos. A grande diferença é que até 2002 os saldos migatórios foram sendo cada vez maiores (entre +100 e +200 até 1999, entre +200 e +300 a partir de 2000) e a partir de 2003 (precisamente o ano da chegada da auto-estrada) essa tendência inverteu-se, sendo os saldos positivos cada vez menores (descendo abaixo de +90 a partir de 2006 e abaixo de +45 a partir de 2008).


Concelho de PENAMACOR (a cerca de 30 km da A23 desde 2003):
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Penamacor tem perdido habitantes todos os anos nas últimas duas décadas. O ritmo da quebra populacional abrandou ligeiramente a partir de 2001, com tendência para estabilizar. Penamacor perdeu mais de 13% de habitantes desde a chegada da A23.

Nas quedas demográficas anuais tem pesado, sobretudo, o saldo natural. Penamacor é o concelho mais envelhecido do país e é grande a diferença entre o número anual de nascimentos (sempre na casa dos 20 / 30, com tendência para a diminuição) e o de óbitos (sempre entre os 100 e os 200 por ano, sem tendência definida). Apesar de tudo, o saldo natural tem apresentado oscilações mas sem uma tendência clara para crescer ou diminuir.

Relativamente ao saldo migratório, o ritmo da saída de habitantes diminui até 2001, o saldo migratório é mesmo positivo em 2002 e em 2003, é nulo em 2004 e a partir de 2005 recomeçou a debandada de habitantes, em números ainda não elevados (na casa dos 10 / 20 ao ano) e em ritmo ligeiramente crescente.


IDANHA-A-NOVA (sede de concelho a cerca de 28 km da A23 desde 2003):
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Idanha-a-Nova regista uma quebra contínua de população nas últimas duas décadas, a um ritmo praticamente constante (entre os 150 e os 250 habitantes por ano). Desde a chegada da auto-estrada, o concelho perdeu mais de 11% de habitantes.

Para essa quebra contribui, quase em exclusivo, o saldo natural, que tem sido negativo todos os anos, por norma entre os -180 e os -210. Natalidade e mortalidade também não apresentam variações significativas.

Quanto ao saldo migratório, registou uma melhoria até 2000 (ano em que já foi praticamente nulo), passou a ser positivo a partir de 2001, decresceu a partir de 2003 (ano da chegada da auto-estrada) até ser praticamente nulo em 2006 e nos últimos anos (a partir de 2007) recomeçou a debandada de habitantes, com saldos migratórios negativos (embora ainda baixos). 


VILA VELHA DE RÓDÃO é outro dos concelhos atravessados pela auto-estrada A23 desde 2003:
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Vila Velha de Ródão perde habitantes todos os anos nestas duas décadas, a um ritmo que não tem sofrido variações de relevo ou com uma tendência definida. O concelho tem hoje menos 14% de habitantes do que no ano anterior ao da chegada da auto-estrada.

Mais uma vez, para a quebra demográfica tem contribuído, quase em exclusivo, o saldo natural negativo, que se repete todos os anos, com uma tendência ligeira para agravamento a partir de 2003, resultado de uma ligeira diminuição do número de nascimentos e de um ligeiro acréscimo do número de óbitos.

O saldo migratório foi praticamente nulo entre 1997 e 2001 (mas já ligeiramente positivo em 2001) e tem sido positivo desde então, embora a descer ligeiramente desde 2003 (ano da chegada da auto-estrada). Uma vez mais, a evolução um pouco mais positiva foi iniciada quando não existia auto-estrada, e desde a chegada da auto-estrada a tendência evolutiva passou a ser a inversa.
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A sede do concelho de NISA (Alentejo) está a cerca de 20 km da mesma auto-estrada desde 2003:
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Nisa é mais um concelho a perder continuamente habitantes nestas duas décadas, com tendência para ligeira aceleração do ritmo da queda a partir de 2004. Nisa perdeu 10,5% dos seus habitantes desde a chegada da A23 (2003).

Também neste caso a quebra resulta quase exclusivamente de saldos naturais (sempre) negativos, embora sem tendência para agravamento. A partir de 2004 o número de nascimentos tem caído e há também uma ligeira tendência para o decréscimo da mortalidade.

Relativamente ao saldo migratório, até 2006 foi sempre positivo: Nisa tem conseguido atrair todos os anos gente de fora. Mas se a tendência até 2002 foi de aumento do saldo migratório (até atingir o máximo de + 49 em 2002), desde 2003 (ano da chegada da auto-estrada) a tendência passou a ser a inversa, e em 2007, pela primeira vez em muitos anos, foram mais os habitantes que debandaram para outras paragens do que as pessoas de fora que se fixaram em Nisa, tendência negativa esta que se manteve nos anos seguintes, embora com saldos praticamente nulos.   
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O concelho de GAVIÃO é também servido pela A23 desde 2003 (sede de concelho a cerca de 10 km):
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Gavião é mais um concelho que perde população todos os anos nas últimas duas décadas, embora a um ritmo ligeiramente mais brando desde 2002. Gavião perdeu 15% da população desde a chegada da auto-estrada.

Para a quebra da população tem contribuído tanto o saldo natural como o saldo migratório, com maior peso para o primeiro, que tem sido sempre negativo (sem tendência nítida para aumento ou diminuição).

No que se refere ao saldo migratório, manteve-se praticamente inalterado até 2000 (entre os -33 e os -39), melhorou em 2001
(-16), foi ligeiramente positivo em 2002, mas desde 2003 (ano da inauguração da auto-estrada) voltou a ser negativo, com tendência para agravamento, embora se mantenha ainda a níveis inferiores aos verificados nos anos 90.


Por fim, o concelho de MAÇÃO, servido pela A23 desde 2003:
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Em Mação, a história repete-se: o concelho perde habitantes todos os anos nestas duas décadas, a um ritmo que não se tem alterado. Este concelho perdeu 14,5% dos seus habitantes desde a inauguração da auto-estrada.

O saldo natural - sempre negativo - tem-se mantido mais ou menos constante, ainda que com oscilações. Este é mais um concelho com uma grande diferença entre o número de nascimentos (sempre na casa dos 30 / 40 / 50 por ano) e o número de óbitos (entre os 140 e os 210 por ano). E mais um com tendência de quebra na natalidade e na mortalidade.

O saldo migratório tem sido também sempre negativo: a debandada de habitantes não pára em Mação. Até 2002, houve um abrandamento contínuo do ritmo dessa debandada, mas a partir de 2003 (ano da inauguração da auto-estrada) os habitantes começaram a abandonar o concelho em cada vez maior número (o saldo negativo mais do que duplicou). Estamos, de qualquer modo, a falar de valores que não são muito elevados (saldos anuais entre -20 e -60 em todo o período considerado).


Refira-se que tanto a A23 como a A25 foram, durante todo o período considerado, auto-estradas de utilização gratuita.

*Versão revista e ampliada de artigo publicado inicialmente no blogue em Outubro de 2010.

Nota: Nesta revisão do artigo, optou-se por manter integralmente a lista de concelhos que constava do artigo original. Se o tivéssemos publicado agora pela primeira vez, talvez não tivéssemos incluído o concelho de Figueira de Castelo Rodrigo, cuja sede está um pouco mais distante da auto-estrada (cerca de 35 km), por acesso que "não é fácil".

2 comentários:

Henrique Pereira dos Santos disse...

Joana,
Não se canse. A evolução demográfica tem muito pouco que ver com estradas ou caminhos de ferro. A evolução demográfica depende fundamentalmente do emprego (ou, se quiser, da criação de riqueza). Só na medida em que estradas ou caminhos de ferro influenciarem estes aspecto poderão influenciar a evolução demográfica, mas raramente isso acontece de forma significativa.
Para além disso não lhe serve de muito fazer análises destas com séries temporais tão curtas.
É um trabalho insano (tiro-lhe o chapéu) mas nenhuma conclusão que tirar sobre a ligação entre auto-estradas e evolução demográfica será segura (quer o que está aqui a dizer sobre a A23, quer o inverso que estou farto de ouvir sobre a A25).
Já agora, a propósito do seu comentário sobre figueira de castelo rodrigo, sempre lhe digo que é muito mais complicado ir de manteigas para a auto-estrada que de figueira (desde que não escolha ir por pinhel mas sim por almeida).
henrique pereira dos santos

jfds disse...

Caro HPS, não deve ter percebido o objectivo do artigo: é justamente contestar as típicas "desculpas" que se dão para se construir uma auto-estrada: para trazer desenvolvimento ao interior do país, para trazer indústria, criar emprego, etc. etc. Tal como diz, "A evolução demográfica depende fundamentalmente do emprego", pelo que se pode concluir que o grande objectivo dessas auto-estradas não foi cumprido.