A rede portuguesa de auto-estradas: motivo de orgulho? (5) - V

I
(devido à sua extensão, esta parte do artigo foi subdividida em cinco partes: I, II, III, IV e V)
I
Como se disse noutro local desta série de artigos, as vias de comunicação têm tido, ao longo da história, efeitos económicos e [reflexamente] demográficos que ninguém ousará negar. Não faltam exemplos de vilas e de cidades que nasceram ou cresceram por causa delas ou em grande medida por causa delas. Boas infra-estruturas de transporte são importantes para, por exemplo, fazer escoar, sem grandes constrangimentos, os bens produzidos. É um dos fatores que pesa na decisão de localização de muitas empresas.

Mas a partir de certos níveis de oferta a ampliação da infra-estrutura rodoviária pode não trazer mais do que um benefício perfeitamente marginal.

Imaginemos que, por absurdo, o Estado resolve alargar a A25 e a A23, de forma a que estas auto-estradas passem a ter quatro vias de trânsito em cada sentido, em vez das atuais duas vias. Ficaríamos muito surpreendidos se, nos anos seguintes ao alargamento, se constatasse que a alteração não tinha tido qualquer efeito positivo nos concelhos servidos pela "super-auto-estrada"?

Nos anos 80, entre Aveiro e Vilar Formoso viajava-se através da Estrada Nacional n.º 16, com um traçado muito sinuoso, na maior parte do percurso com características de estrada de montanha, e com a agravante de atravessar povoações pelo caminho, incluindo as cidades de Viseu e da Guarda (não havia variantes a estas cidades). Por seu turno, entre o Ribatejo e a Guarda viajava-se pela EN 18, mais uma vez com muitos constrangimentos de circulação, troços de estrada de montanha e atravessamento de povoações, incluindo a cidade de Castelo Branco.
[Essas estradas ainda hoje existem, quase na íntegra, sendo possível percorrê-las e termos uma noção mais precisa daquilo de que estamos a falar.]

Nos anos 90, foram construídos, nos mesmos eixos, duas vias rápidas: no primeiro caso o IP5 e no segundo caso o IP2. Estavam longe de ser estradas perfeitas, os traçados de alguns troços eram maus (no caso do IP5, havia troços com sinistralidade grave elevada), mas, aparentemente, eram estradas com uma dimensão (em termos de oferta) adequada à procura, e sem dúvida muito mais rápidas do que as antigas EN 16 e EN 18.

O benefício (ganho de tempo) que as auto-estradas A25 e A23 trouxeram, relativamente à situação anterior (IP5 e IP2, respetivamente), não terá sido mais do que marginal quando comparado com o benefício que estas duas vias rápidas tinham trazido em relação às estradas nacionais 16 e 18.

Mais adiante, na sétima parte deste artigo, verificaremos que o tráfego nas três auto-estradas referidas (A25, A6 e A23 ) é reduzido nos troços do interior.

Num eixo em que o tráfego médio diário previsto não ultrapasse os 10 mil veículos, tem-se entendido que não se justifica construir uma auto-estrada. Na A23, entre Mação, Castelo Branco, Fundão e Covilhã o tráfego médio diário ronda quase sempre os 10 mil veículos (sendo mesmo inferior a esse valor em alguns troços) e entre a Covilhã, Belmonte e a Guarda raramente atinge os 10 mil veículos (chegando mesmo a descer à casa dos 6 mil). Na A25, nos troços a partir de Mangualde, na direção do interior - salvo nos subúrbios da Guarda -, o tráfego é progressivamente mais reduzido (andando por regra na casa dos 9 mil a 12 mil veículos) e nos troços mais interiores da auto-estrada (entre o entroncamento com a A23 e Vilar Formoso) raramente atinge os 10 mil veículos (chegando também a descer à casa dos 6 mil). Por fim, em toda a extensão da auto-estrada A6 entre Évora, Estremoz e Elvas (ou seja, na zona mais interior) o tráfego é muito baixo (entre os dois mil e os quatro mil veículos).

Relativamente aos vinte e cinco concelhos do interior analisados neste artigo, atravessados pelas auto-estradas A25, A6 e A23 ou situados na sua proximidade, constatámos que os números não evidenciam que a auto-estrada tenha tido, até agora, algum efeito positivo no combate ao despovoamento.

Também é evidente que a evolução demográfica ocorrida nos vários concelhos analisados não pode ser dissociada da evolução da situação económica e demográfica do país: o crescimento económico da segunda metade dos anos 90 não se repetiu na primeira década deste século e a economia portuguesa retraiu mesmo em 2009, e, por outro lado, o saldo migratório tem diminuído no país – embora não nos possamos esquecer de várias coisas: i) como se concluiu, quanto a datas não é possível encontrar um padrão na evolução ocorrida em todos os concelhos analisados (se a situação económica do país explicasse tudo ou quase tudo, seria expectável uma evolução mais uniforme); ii) ainda que ligeiramente, a economia portuguesa cresceu todos os anos (com exceção daquele); iii) a população residente no nosso país tem crescido todos os anos; e iv) os saldos migratórios têm sido positivos em Portugal, todos os anos sem exceção, desde 1993.
[Isto tudo sem prejuízo de a crise económica poder constituir uma explicação de peso a partir de 2008.]

Por outro lado ainda, é sempre possível argumentar que os números acima revelados não mostram qual teria sido a evolução se as auto-estradas não tivessem sido construídas. Por outras palavras, poder-se-á dizer que nada nos garante que, sem as auto-estradas, esses números não seriam ainda piores. Mas essa é a realidade das estatísticas: elas nunca nos mostram o que teria ocorrido “se” as circunstâncias tivessem sido outras.

Ainda assim, mesmo sobre este ponto podemos ir um pouco mais longe. Se é impossível saber qual teria sido a evolução sem as auto-estradas, podemos saber duas coisas: em primeiro lugar, qual foi a evolução nos mesmos concelhos no período anterior à inauguração das auto-estradas – e, como se viu, essa evolução até foi, de uma forma geral, mais positiva do que no período pós-auto-estrada.

Em segundo lugar, podemos apurar qual foi a evolução ocorrida em concelhos do interior que não são servidos por auto-estradas. Esse é, como se facilmente se compreenderá, um trabalho muito mais exaustivo, que não poderíamos fazer neste artigo. Aqui ficam apenas cinco casos:


BRAGANÇA, no cantinho nordeste de Portugal (Trás-os-Montes), sem auto-estradas por perto (a auto-estrada mais próxima está a 114 km de distância), viu a sua população crescer cerca de 2,6% desde 1991. No mesmo período, Castelo Branco, por exemplo, viu a sua população diminuir 1,2%. Enquanto Castelo Branco – a cidade com auto-estrada a passar ao lado – perdeu 2,81% da população desde o ano anterior ao da inauguração da auto-estrada, Bragança – a cidade longe das auto-estradas – perdeu, no mesmo período, apenas 0,98%. Castelo Branco perdeu habitantes todos os anos subsequentes à inauguração da auto-estrada; no mesmo período, Bragança teve crescimento populacional em dois anos. Depois da chegada da auto-estrada, Castelo Branco está a perder população a um ritmo muito superior ao de Bragança, mesmo tendo em conta a diferente dimensão populacional das duas cidades (por exemplo, Bragança perdeu 114 habitantes em 2008; Castelo Branco perdeu 345 habitantes, o que, nivelando os níveis populacionais das duas cidades, significa praticamente o dobro).

Neste artigo, constatámos que Castelo Branco teve, em todo o período anterior à existência da auto-estrada, saldos migratórios bastante positivos (com o valor máximo atingido em 2000), mas que esses saldos começaram a diminuir a partir de 2001, até se tornarem negativos a partir de 2007. Bragança também tem conseguido fixar habitantes de fora: teve sempre saldos migratórios positivos (a única exceção foi 2008, com um saldo de -19), neste caso a decrescer desde 2002 (valor máximo atingido em 2001). Mas o que é mais significativo é que, considerado todo o período em que Castelo Branco dispôs de auto-estrada, os saldos migratórios têm sido sempre maiores em Bragança, isto quando Castelo Branco tem uma população mais numerosa. Por outras palavras, Bragança consegue atrair, em números absolutos, mais novos residentes do que Castelo Branco, apesar de ser uma cidade mais pequena.

Repita-se: a auto-estrada mais próxima de Bragança está a 114 km de distância.


BARRANCOS (Alentejo) é um dos concelhos mais isolados do Continente, senão mesmo o mais isolado. Longe das vias rápidas e das auto-estradas, a vila é servida através de uma estrada secundária em parte bastante sinuosa. A auto-estrada mais próxima está a 120 km (A6). Da A2, Barrancos dista 153 km.

Barrancos tem perdido população todos os anos (exceto em 1998, ano em que o número de habitantes cresceu). Mais a Norte, Manteigas tem a A23 a passar perto, mas desde o ano anterior ao da chegada da auto-estrada perdeu 9,3% dos seus habitantes. No mesmo período, Barrancos perdeu exatamente a mesma percentagem de população. Mas sem auto-estrada. Alguns dos concelhos analisados neste artigo – Vila Velha de Ródão, Mação, Gavião, Nisa, Almeida, Idanha-a-Nova… - perderam população em percentagens superiores à de Barrancos, após serem servidos por auto-estradas.

No “fim do mundo”, Barrancos conseguiu manter saldos migratórios nulos ou praticamente nulos todos os anos (foram mesmo positivos em três anos), com exceção do período posterior a 2007, em que a debandada de habitantes já foi um pouco superior, ainda que continue a ser muito reduzida (12 / 13 habitantes por ano, entre 2007 e 2009). Algo que, por exemplo, Mação, que tem uma auto-estrada a passar ao lado, nunca conseguiu.


A auto-estrada mais próxima de MACEDO DE CAVALEIROS (a A24) está a 83 km de distância. Macedo tem perdido habitantes todos os anos (a única exceção é 2002). O concelho perdeu 3,8% de habitantes desde 2002, mas este é um valor bastante inferior ao de muitos concelhos com auto-estrada analisados neste artigo. Macedo conseguiu atrair novos habitantes vindos de fora durante alguns anos, e a partir de 2006 passou a ter saldos migratórios ligeiramente negativos (entre -11 e -40 por ano) – mas muito distantes dos números dos anos 90, quando se sucediam as debandadas de quase 200 habitantes por ano. Ora, como se viu, a evolução em muitos dos concelhos com auto-estrada foi justamente a inversa (anos posteriores à auto-estrada piores do que os anos 90).


MOGADOURO (Trás-os-Montes) fica a 130 km da A24 e a cerca de 140 km da A25. São as auto-estradas mais próximas. Este concelho perdeu 7,2% de população desde 2002, mais uma vez um valor inferior ao de alguns dos concelhos analisados servidos por auto-estrada. Mogadouro conseguiu mesmo vários anos seguidos de saldos migratórios positivos (= atraiu novos habitantes vindos de fora), passando a ser negativos apenas a partir de 2005 (entre -14 e -44 ao ano). Algo que não foi conseguido em muitos dos concelhos servidos por auto-estrada, como por exemplo Pinhel, para citar um concelho com a mesma dimensão populacional.
I
A EN 221 a caminho de Mogadouro e de Miranda do Douro.
I
Em MIRANDA DO DOURO (Trás-os-Montes), é preciso andar muito mais até chegar a uma auto-estrada: a auto-estrada mais próxima (A25) está a 180 km de distância (e a A24 está a 190 km). Esta cidade transmontana perdeu 9,1% de população desde 2002. Pior resultado teve Nisa (10,5%) e Mação (14,5%), só para citar dois concelhos da mesma dimensão populacional servidos por auto-estrada. Miranda do Douro conseguiu, em alguns anos, saldos migratórios nulos ou mesmo positivos [embora tenham passado a ser negativos a partir de 2004 (entre – 17 e -50 ao ano)]. Coisa que, por exemplo, Mação nunca conseguiu – “apesar” da auto-estrada.


Em bom rigor, estes exemplos também nada demonstram: pode-se argumentar que as localidades são outras e que cada uma tem a sua realidade própria. De resto, para as variações demográficas concorrem várias causas.

Seja como for, com este artigo não procuramos dar respostas ou construir teorias, mas simplesmente tentar desmontar alguns mitos que povoam a cabeça de muitos autarcas (e não só) do interior do país. Pretender que a simples existência destas auto-estradas é "fundamental" / "um dos instrumentos principais" para resolver o problema do despovoamento destas regiões do interior do país não constitui mais do que uma ilusão. E todos estes números parecem demonstrá-lo: nestas regiões, a auto-estrada parece não ter tido qualquer efeito positivo nesse domínio.

No entanto, continua-se, no interior do país, a encarar as auto-estradas como infra-estruturas prioritárias. Tendo as regiões do interior tantas carências, isso não pode deixar de suscitar perplexidade.

O autarca mais recente a regozijar-se com a inauguração de uma auto-estrada foi o Presidente da Câmara de Trancoso, por ocasião da entrada ao serviço, no Natal de 2010, da nova auto-estrada entre Celorico da Beira (A25) e Trancoso: Júlio Sarmento sublinhou o «sentimento de júbilo» dos habitantes do concelho, o facto de a auto-estrada (uma “aspiração de duas décadas”) ser «uma das obras estruturantes para o concelho» e que o prolongamento da auto-estrada «terá um impacto muito grande no desenvolvimento económico da região» e abrirá «as portas a novos investidores».

Na região da Beira Interior, fala-se da «grave tragédia que vai ser para toda a região» a cobrança de portagens nas auto-estradas A23 e A25, com o que as populações serão votadas «ao abandono, ao subdesenvolvimento, ao esquecimento e, consequentemente, à inevitável morte por agonia desta região», sendo que a introdução das portagens «conduzirá inevitavelmente ao abandono de habitantes para o litoral». Um movimento de dez empresários disse muito recentemente que a introdução das portagens «vai ser terrível para todo o interior» e que vai ser «a medida mais penalizadora para a região nos últimos 50 anos», referindo-se às auto-estradas como um «instrumento de desenvolvimento regional».

Independentemente da justiça ou da injustiça da cobrança de portagens nessas auto-estradas, alguma coisa não bate certo nestes discursos. Estas auto-estradas, embora de utilização gratuita, têm um tráfego reduzido. Em cada mês que passa várias empresas encerram na Beira Interior, algo que já sucedia mesmo antes da atual crise económica. Só o distrito da Guarda – agora com três auto-estradas - perdeu cerca de 10% da população apenas na última década e há concelhos que perderam metade da população nas últimas décadas. No final de Janeiro de 2011, realizou-se na Guarda um encontro no qual se debateu justamente o grave problema do despovoamento que afeta toda a região e onde se realçou a necessidade de serem «repensadas soluções» para inverter o despovoamento.

Repensar soluções. Os autarcas e os habitantes do interior que continuam a reivindicar uma auto-estrada para a sua região - como panaceia para o problema do despovoamento do interior - deviam refletir seriamente: o brutal investimento feito nas auto-estradas seria talvez mais bem aplicado em investimentos que realmente ajudassem a fixar as populações no interior do país…

Joana Ortigão

(continua)

*Versão revista e ampliada de artigo publicado inicialmente no blogue em Outubro de 2010.

A decisão de rever este artigo resultou sobretudo de comentários deixados no artigo original por GMSMC e Hugo, aos quais se agradecem as críticas construtivas feitas.


Fontes:
- INE (dados de população residente, natalidade, mortalidade, taxa de natalidade e taxa de mortalidade). Os números relativos a 1991 e a 2001 são os dos censos. Os dados relativos aos anos compreendidos entre 1992 e 2000 e entre 2002 e 2009 são estimativas do INE, o que deve ser tido em conta (embora sejam fidedignas pelo menos no que diz respeito aos números da natalidade e da mortalidade). Os dados preliminares do censo de 2011, a divulgar em Julho, poderão dar uma nova luz a estes números;
- mapas de estradas dos anos 80 e 90 e atuais;
- notícia do Público de 22/12/2010 “IP2 entre Celorico da Beira e Trancoso concretiza desejo antigo da população”;
- notícia do Público de 23/12/2010 “Guarda: Troço do IP2 já foi aberto ao trânsito”;
- notícia do Público de 1/3/2011 “Assembleia Municipal da Guarda exige A23 e A25 grátis”;
- notícia do Jornal do Fundão de 3/2/2011 “Empresários lutam pela sobrevivência”;
- notícia do Notícias da Covilhã de 3/2/2011 “Encerraram cinco empresas por mês na Beira Interior em 2010”;
- notícia do Notícias da Covilhã de 3/2/2011 “Desertificação: um problema do distrito”.


Este artigo jamais poderia ter sido feito numa viagem de carro numa auto-estrada. O artigo (versão revista) foi integralmente preparado, redigido e revisto enquanto viajava de comboio: foi o meu "entretenimento" em quatro viagens de comboio.

A rede portuguesa de auto-estradas: motivo de orgulho? (5) - IV

I
(devido à sua extensão, esta parte do artigo foi subdividida em cinco partes: I, II, III, IV e V)
I
A primeira conclusão que retiramos de todos estes números é que a população diminuiu desde a chegada da auto-estrada em praticamente todos os concelhos analisados neste artigo: Mangualde, Vila Viçosa, Fundão, Castelo Branco, Celorico da Beira, Trancoso, Gouveia, Covilhã, Borba e Elvas (quebra até 5% no número de habitantes), Fornos de Algodres, Estremoz, Figueira de Castelo Rodrigo, Pinhel, Manteigas, Sabugal e Almeida (diminuição entre 5,1% e 10%), Nisa, Idanha-a-Nova, Penamacor, Vila Velha de Ródão, Mação e Gavião (quebra de população entre 10,5% e 15%). Apenas em dois concelhos a população cresceu desde a chegada da auto-estrada: Guarda (crescimento de pouco mais de 0,1%) e Belmonte (crescimento de 1,9%). Mas em ambos os casos a população já estava a crescer no período anterior à existência da auto-estrada. Não há nenhum concelho em que a população tenha começado a crescer no período pós-auto-estrada.

Considerando as variações anuais de população, os números mostram três tipos de evolução:

I - Concelhos em que as variações anuais não sofreram alteração desde a chegada da auto-estrada: Borba, Penamacor, Idanha-a-Nova, Vila Velha de Ródão, Gavião e Mação (todos eles têm perdido população a um ritmo constante, que não se alterou após a auto-estrada).

II - Concelhos que, durante alguns anos, registaram uma evolução positiva no pós-auto-estrada. Nuns casos, essa evolução positiva foi iniciada antes de existir auto-estrada: Guarda, Estremoz e Vila Viçosa (1). No caso (único) de Elvas, a evolução positiva (= abrandamento do ritmo de diminuição populacional) iniciou-se com a chegada da auto-estrada (terminando seis anos depois).

III – Concelhos que registaram uma evolução negativa no pós-auto-estrada. Nuns casos, a evolução negativa foi iniciada antes de existir auto-estrada: Gouveia, Covilhã e Pinhel (2). Nos restantes casos, a evolução negativa iniciou-se após a chegada da auto-estrada: Castelo Branco, Celorico da Beira, Fundão, Mangualde, Almeida, Figueira de Castelo Rodrigo, Fornos de Algodres, Sabugal, Manteigas, Nisa e Trancoso (3).

(1) Nos três concelhos em que ocorreu esta evolução positiva, a população já estava a crescer quando ainda não havia auto-estrada, o crescimento atinge um máximo já no pós-auto-estrada e ocorre depois uma inversão na evolução, até que a população começa a diminuir.

(2) Nestes três concelhos, o ritmo da diminuição de população acelerou após a auto-estrada, mas num processo evolutivo iniciado antes. No caso da Covilhã, a população começou a diminuir no ano anterior ao da chegada da auto-estrada e o ritmo da quebra acelerou significativamente a partir da chegada da auto-estrada. Nos casos de Pinhel e de Gouveia, a população já estava em queda há longos anos e o ritmo da queda acelerou após a auto-estrada.

(3) É possível distinguir duas situações nesta evolução negativa:

a) Concelhos em que a população começou a diminuir após a chegada da auto-estrada: Castelo Branco, Celorico da Beira, Fundão e Mangualde.

b) Concelhos em que a população já estava a diminuir, mas em que o ritmo da queda populacional começou a agravar-se após a chegada da auto-estrada: Almeida, Figueira de Castelo Rodrigo, Fornos de Algodres, Sabugal, Manteigas, Nisa e Trancoso.
I
I
Uma realidade comum a todos estes concelhos é o saldo natural negativo: em todos o número de nascimentos é inferior ao de óbitos – e nalguns casos significativamente inferior. O que encontramos é alguns concelhos onde a diferença negativa entre o número de nascimentos e de óbitos é relativamente baixa (Manteigas, Borba e Vila Viçosa são os concelhos onde essa diferença é menor) e três concelhos onde, num determinado ano, ocorreram mais nascimentos do que óbitos (Guarda em 1998, Mangualde em 1999 e Elvas em 2000).


Se excluirmos o peso do saldo natural, verificamos, quanto ao saldo migratório, dois tipos de evolução:

I - Concelhos que, durante alguns anos, registaram uma evolução positiva no pós-auto-estrada: Borba, Vila Viçosa, Elvas e Estremoz. Não há nenhum caso em que a evolução positiva tenha sido iniciada no pós-auto-estrada: nestes quatro casos, a evolução favorável no saldo migratório iniciou-se quando ainda não existia auto-estrada – e acabou por se inverter alguns anos depois (todos apresentam já saldos migratórios negativos nos últimos anos, exceto Vila Viçosa, em que o saldo é ainda positivo, mas praticamente nulo).

II - Concelhos que registaram uma evolução negativa no pós-auto-estrada. Nuns casos, a evolução negativa foi iniciada antes de existir auto-estrada: Guarda, Castelo Branco, Celorico da Beira, Covilhã, Gouveia, Mangualde, Almeida e Manteigas (1). Nos restantes casos, a evolução negativa iniciou-se com a chegada da auto-estrada: Belmonte, Figueira de Castelo Rodrigo, Fornos de Algodres, Idanha-a-Nova, Nisa, Pinhel, Penamacor, Gavião, Mação, Trancoso, Sabugal, Fundão e Vila Velha de Ródão (2).

(1) É possível distinguir três situações nesta evolução negativa:

a) Concelhos que tinham um saldo migratório positivo, que começa a decrescer ainda antes de existir auto-estrada e continua a diminuir após a auto-estrada, acabando por se tornar negativo: Castelo Branco, Covilhã e Celorico da Beira.

b) Concelhos que tinham um saldo migratório positivo, que começa a diminuir ainda antes de existir auto-estrada e continua a diminuir progressivamente no pós-auto-estrada, sendo ainda positivo (Mangualde) ou praticamente nulo (Guarda e Gouveia).

c) Concelhos que pela altura da chegada da auto-estrada tinham um saldo migratório negativo, mas em que o ritmo da debandada de habitantes começou a acelerar ainda antes de existir auto-estrada, continuando a acelerar no pós-auto-estrada: Almeida e Manteigas.

(2) É possível distinguir quatro situações nesta evolução negativa:

a) Concelhos que tinham um saldo migratório positivo, que começa a decrescer com a chegada da auto-estrada, acabando por se tornar negativo: Figueira de Castelo Rodrigo, Fornos de Algodres, Idanha-a-Nova e Nisa.

b) Concelhos que tinham um saldo migratório positivo, que começa a diminuir com a chegada da auto-estrada, sendo ainda positivo (Belmonte, Trancoso, Fundão e Vila Velha de Ródão) ou praticamente nulo (Sabugal).

c) Concelhos em que a debandada de habitantes estava a diminuir continuadamente, chegando a registar saldos migratórios positivos, mas que recomeçaram a ser negativos com a chegada da auto-estrada ou imediatamente a seguir, com nítida tendência de agravamento: Penamacor e Gavião.

d) Concelhos que pela altura da chegada da auto-estrada tinham um saldo migratório negativo, mas em que o ritmo da debandada de habitantes começou a acelerar com a chegada da auto-estrada: Pinhel e Mação.


Também relativamente a datas - e abstraindo agora das datas de inauguração das auto-estradas - não é possível encontrar um padrão na evolução ocorrida em todos os concelhos: ao mesmo tempo em que nalguns concelhos ocorria uma evolução positiva no saldo populacional ou no saldo migratório, noutros a evolução era negativa, noutros ainda não se registavam alterações. Se a tendência para a evolução negativa acaba por se registar, mais tarde ou mais cedo, em todos estes concelhos do interior servidos por auto-estrada, as datas em que ela se inicia não são as mesmas, nem sequer se situam num intervalo curto de anos: no que diz respeito ao saldo migratório, por exemplo, há concelhos em que a evolução negativa é iniciada em 2001, outros em 2002, outros em 2003, outros em 2004, outros em 2005, outros em 2006, outros ainda em 2007, e há até concelhos que atingem o valor mais positivo ainda em meados dos anos 90.

(continua)

*Versão revista e ampliada de artigo publicado inicialmente no blogue em Outubro de 2010.

A rede portuguesa de auto-estradas: motivo de orgulho? (5) - III

I
(devido à sua extensão, esta parte do artigo foi subdividida em cinco partes: I, II, III, IV e V)
I
I
Na Beira Baixa, BELMONTE (sede de concelho a cerca de 20 km da A23 desde 2003 e com a auto-estrada a passar ao lado desde 2004) é um caso mais raro no panorama do interior português:
I
I
No concelho de Belmonte, a população tem crescido todos os anos desde 1997 (a única exceção foi 2008), embora com uma quebra acentuada a partir de 2006, até atingir uma variação praticamente nula em 2008 e em 2009. A população de Belmonte cresceu 1,9% desde a chegada da auto-estrada (mas já vinha crescendo nos anos anteriores, a um ritmo médio superior ao do período posterior à auto-estrada).

Em Belmonte têm morrido sempre mais pessoas do que aquelas que nascem, mas o saldo natural negativo não tem apresentado uma tendência nítida de aumento ou de diminuição. Tal como noutros concelhos do interior, os nascimentos diminuiram ligeiramente (a mortalidade não apresenta uma variação definida).

O crescimento da população tem, por isso, sido exclusivamene suportado por saldos migratórios positivos: Belmonte tem conseguido atrair gente de fora, todos os anos, sem exceção. Não é um fenómeno posterior à chegada da auto-estrada: já vinha do período anterior (pelo menos desde 1996). O saldo migratório máximo foi atingido em 2002 (+104), mas a partir de 2003 - exatamente o ano da chegada da auto-estrada - começou a diminuir, estando, nos últimos anos, a níveis inferiores aos dos anos 90.

Mais uma vez, se a auto-estrada teve algum efeito positivo, ele é impercetível na evolução demográfica ocorrida.


No vizinho concelho de MANTEIGAS (sede de concelho a 25 km da A23 desde 2004), a situação é bem pior:
I
I
Em Manteigas, a população registou uma variação praticamente nula ou mesmo de crescimento entre 1993 e 1996. Desde 1997, o concelho tem perdido habitantes todos os anos, com agravamento a partir de 2004, precisamente o ano da inauguração da auto-estrada. O concelho perdeu 9,3% da população desde o ano anterior ao da inauguração da auto-estrada e, se de 1991 a 2003 (13 anos) tinha perdido cerca de 200 habitantes, nos 6 anos pós-auto-estrada perdeu quase 400 habitantes.

O saldo natural tem sido negativo todos os anos, com tendência de agravamento. A natalidade diminuiu, sendo nos últimos anos praticamente metade daquela que se verificava nos anos 90. Na mortalidade é mais difícil encontrar uma tendência nítida.

Para a diminuição da população tem contribuído também o saldo migratório. Até 2001, os saldos migratórios foram nulos (1999), praticamente nulos (1997, 1998) ou mesmo positivos (restantes anos). A partir de 2002, regressa a debandada de habitantes para outras paragens, que se agrava um pouco a partir de 2004 (ano da chegada da auto-estrada), estabilizando nos últimos três anos nos -24 / -26.


O concelho da COVILHÃ (Beira Baixa) - o mais populoso aqui analisado - é diretamente servido pela auto-estrada A23 desde 2003:

A rede portuguesa de auto-estradas: motivo de orgulho? (5) - II

I
(devido à sua extensão, esta parte do artigo foi subdividida em cinco partes: I, II, III, IV e V)
I

CELORICO DA BEIRA (Beira Alta) passou a estar a 24 km da A23 em 2004, e desde 2006 a sede de concelho é diretamente servida pela A25:
I
I
Em Celorico, a população cresceu ligeiramente quase todos os anos até 2003 (únicas exceções: 1997 e 1998, com variação praticamente nula) e começou a diminuir em 2004, com agravamento a partir de 2006: desde 2004, o concelho perde habitantes todos os anos.

Os saldos naturais anuais têm sido sempre negativos (mas não se têm agravado desde 2001: pelo contrário, a diferença negativa entre nascimentos e óbitos diminuiu). A quebra da população ocorrida nos últimos anos explica-se pela variação ocorrida no saldo migratório. Também Celorico estava a conseguir fixar cada vez mais gente vinda de fora (o saldo migratório atingiu um máximo de +81 em 2001), mas a partir de 2002 o saldo foi diminuindo continuamente. Em 2008, o número dos que foram embora superou pela primeira vez o das pessoas de fora que fixaram residência no concelho.

Celorico "ganhou", em 2010, uma terceira auto-estrada, em direção a Norte. Pequenos empresários do concelho queixaram-se recentemente de que desde a abertura desta última auto-estrada os seus negócios sofreram uma enorme queda.


FORNOS DE ALGODRES (Beira Alta) passou a estar a 38 km da A23 em 2004, e desde 2006 a sede de concelho é diretamente servida pela A25.
I
I
Fornos de Algodres é mais um concelho que desde 1991 tem vindo a perder população todos os anos. Na primeira década deste século, os últimos anos foram aqueles onde a perda foi maior.

Este é mais um concelho onde nascem menos pessoas do que aquelas que morrem: o saldo natural tem sido sempre negativo, embora sem tendência definida para agravamento ou desagravamento.

Mais uma vez, é no saldo migratório que vamos encontrar diferenças. Em Algodres, a debandada de habitantes foi diminuindo até 2000 e terminou em 2001, ano em que se atingiu um saldo migratório positivo: finalmente, havia mais gente a ir morar para o concelho do que aquela que migrava para outras paragens. Esta tendência positiva acentuou-se em 2002 (o saldo migratório positivo mais do que duplicou) e estabilizou em 2003. Mas a partir de 2004 recomeçou a diminuir (desceu para quase metade nesse ano) e desde então tem diminuído continuamente. No ano em que a segunda auto-estrada chegou a Algodres (2006), o saldo migratório já foi nulo e nos anos seguintes voltou a ser negativo, embora quase nulo (-8 em 2009).


GOUVEIA foi outro dos concelhos “beneficiados” pela A25 (de que dista cerca de 20 km) desde 2006. Para Gouveia, a A23 (2004) estava mais distante (cerca de 50 km).
I
I
Gouveia também perde população todos os anos desde 1991. Mas neste caso houve um contínuo e significativo abrandamento do ritmo da quebra demográfica de 1996 até 2002, ano em que praticamente o concelho não perdeu população (perda de apenas 5 habitantes). Foi a partir de 2003 que essa tendência positiva se inverteu, e de forma mais significativa após 2007 (nesse ano, a perda de população quase duplicou e agravou-se nos anos seguintes). O concelho perdeu quase 4% da população desde a inauguração da auto-estrada A25 e, em termos absolutos, perdeu nos últimos 4 anos mais habitantes do que tinha perdido nos 8 anos anteriores ao da inauguração desta auto-estrada.

Para esta mudança contribuiu o saldo natural e o saldo migratório, mas muito mais este do que aquele.

O saldo natural em Gouveia tem sido sempre negativo e sem variações significativas desde 2001. Nota-se uma quebra do número de nascimentos (um pouco superior a 100 na última década do século XX, um pouco inferior a 100 na primeira do século XXI), enquanto o número de óbitos se tem mantido relativamente estável.

De novo, é no saldo migratório que encontramos diferenças significativas. Gouveia teve uma evolução muito positiva (e contínua) do saldo migratório até 2003. Em 1999, pela primeira vez foram mais os que se fixaram vindos de fora do que aqueles que foram morar para outro lado (saldo migratório: +8). O concelho atraiu cada vez mais gente de fora até 2002 (saldo migratório: +168). O saldo migratório tem sido sempre positivo em Gouveia. Mas houve uma clara inversão na evolução desde 2004: tem ocorrido um claro descréscimo desse saldo, até se tornar quase nulo (+13 em 2008).  


Dos concelhos da Beira Interior aqui analisados, MANGUALDE, vizinho de Viseu, é o mais próximo do litoral. É diretamente servido pela A25 desde 2006.
I
I
Mangualde registou uma evolução demográfica notável até 2006. Até 2001 foi perdendo cada vez menos habitantes por ano (-198 em 1993, - 131 em 1998, -62 em 2001) e a partir de 2002 a população começou a crescer. Quando a A25 chegou (2006), o número de habitantes do concelho (21 248) já estava aos níveis de 1995 (21 262). Mas a partir de 2007 a situação inverteu-se e a população recomeçou a diminuir.

Salvo em 1999 (+5), o saldo natural em Mangualde tem sido sempre negativo. O número de óbitos tem sofrido algumas variações, mas mantém-se relativamente estável, e houve uma quebra do número de nascimentos a partir de 2005, um pouco mais acentuada a partir de 2007. Em todo o caso, por força das oscilações da mortalidade, o saldo natural tem registado subidas e descidas, não havendo ainda uma tendência muito definida.

O mesmo não se pode dizer do saldo migratório. Foi este que permitiu a notável recuperação demográfica ocorrida em Mangualde. A debandada de habitantes foi diminuindo continuadamente até 2001 e desde 2002 são mais as pessoas de fora que se fixam em Mangualde do que aquelas que se vão embora. Mas sobretudo a partir de 2004 o saldo migratório tem diminuído. Em 2002 era de +211, a partir de 2006 passou a ser inferior a 100 e desde 2008 é inferior a 50.


Descendo até ao Alentejo, esta é a evolução demográfica do concelho de BORBA, servido desde 1999 pela auto-estrada A6 (com ligação ao litoral e a Espanha):

A rede portuguesa de auto-estradas: motivo de orgulho? (5) - I

I
(continuação) (clique aqui para ver a quarta parte)
I
No lançamento das (poucas) auto-estradas que servem o interior do país, tem sido propagandeado que elas constituem um instrumento fundamental para travar o despovoamento das regiões por elas servidas ["preocupação" esta com o interior que não deixa, aliás, de ser surpreendente, dado que quase todas as auto-estradas em Portugal foram construídas no litoral (ver adiante)].

Assim, quando se anuncia uma auto-estrada para o interior, chovem chavões como o de que a auto-estrada terá um “papel estruturante para o desenvolvimento da região”, o de que promoverá o “desenvolvimento sócio-económico equilibrado e sustentado [!] da região”, que contribuirá para a instalação de empresas, que gerará emprego e, como consequência inevitável de tudo isto, contrariará a tendência de despovoamento.

Deste modo, seria de esperar que a auto-estrada estancasse a migração do interior para o litoral (ou para o estrangeiro), que as novas oportunidades de emprego criadas atraissem mesmo gente de fora e que ocorresse uma migração dentro da região em causa, para os concelhos mais próximos da nova acessibilidade "geradora de atividade económica e de emprego", proveniente dos concelhos onde as oportunidades escasseiam.

Os dois gráficos seguintes mostram a evolução demográfica de duas capitais de distrito do interior – BEJA (Alentejo) e CASTELO BRANCO (Beira Baixa) - entre 1991 e 2009:
I
I
Nota: estes e todos os gráficos seguintes são do Instituto Nacional de Estatística
I
Como se pode verificar, a evolução nas duas cidades é muito semelhante, com crescimento muito ligeiro a partir de 1992/1993 e ligeiro decrescimento nos últimos anos – com a diferença de que o recente decréscimo populacional no caso de Castelo Branco tem sido um pouco mais acentuado.

Mas há outra diferença: enquanto Castelo Branco é servida por uma auto-estrada, Beja não.

Curiosamente, a população começou a regredir em Castelo Branco pela altura da chegada da auto-estrada: o número de habitantes do concelho cresceu ligeiramente de 1991 (54 254 hab.) até 2001 (55 184 hab.), estabilizou em 2002 (55 177 hab.), mas a partir do ano em que ficou ligada ao litoral (A1 em Torres Novas) pela auto-estrada A23 (2003) a população começou a diminuir em termos claros, e desde então tem diminuído continuamente todos os anos, sem excepção. O concelho de Castelo Branco perdeu 2,8% da população desde o ano anterior ao da inauguração da auto-estrada e, graças à evolução negativa registada desde 2003, tem agora menos habitantes (53 626 hab.) do que em 1991.
[No mesmo período, a população de Beja diminuiu 2,4% (35 035 hab. em 2002 e 34 193 hab. em 2009), ou seja, a quebra populacional em Castelo Branco foi superior. Mas é Beja a cidade sem auto-estrada.]

A partir da confrontação dos dados da natalidade e da mortalidade com o número de residentes, calculámos o saldo migratório, isto é, a diferença entre o número de pessoas que se fixou em Castelo Branco e o número de pessoas que migrou para outras bandas. Quando o saldo migratório é positivo, isso significa que foram mais as pessoas de fora que se fixaram no concelho do que aquelas que debandaram para outras paragens.

Esses dados permitem-nos ir um pouco mais longe do que atendendo apenas à variação populacional, para a qual pode pesar bastante, por exemplo, uma elevada taxa de mortalidade (indiciando uma população envelhecida). Por exemplo, vamos imaginar que num determinado ano, posterior à inauguração da auto-estrada, a população de um determinado concelho decresceu em mil habitantes (saldo populacional: -1000); e que no mesmo período morreram mais duas mil pessoas do que aquelas que nasceram (saldo natural: -2000). Isso significa que se fixaram mil pessoas vindas de fora (ou, mais rigorosamente, que se fixaram mais mil pessoas do que aquelas que abandonaram o concelho para ir viver para outro lado: saldo migratório: +1000) e, por conseguinte, apesar da diminuição da população, o concelho teria, na verdade, conseguido estancar a debandada de habitantes e mesmo atrair gente de fora, indiciando, eventualmente, um efeito positivo da auto-estrada.

O que verificamos, da análise da evolução registada entre 1996 e 2009 em Castelo Branco [o INE só fornece dados de mortalidade (números absolutos) por concelho desde 1996], é que o saldo natural (diferença entre nascimentos e óbitos) apresenta algumas oscilações sem qualquer tendência definida (no sentido do crescimento ou do decrescimento): por exemplo, o saldo é de -283 em 1996, de -278 em 2000, de -292 em 2003 e de -279 em 2008 [o mesmo sucede, desde 1992, com a taxa de natalidade e com a taxa de mortalidade].

As diferenças relevantes encontramo-las, justamente, no saldo migratório: o crescimento da população de Castelo Branco, até à chegada da auto-estrada, foi suportada exclusivamente por saldos migratórios positivos (dado que os saldos naturais foram sempre negativos), isto é, a cidade estava a conseguir fixar gente de fora, mesmo sem auto-estrada. Nesses anos, os saldos migratórios foram sempre positivos (na ordem dos 300 / 400 habitantes por ano). Mas começaram a descrescer a partir de 2001 (+356) e a queda acelerou mais claramente a partir de 2004, o ano seguinte ao da chegada da auto-estrada: +135 em 2004, +76 em 2005 e +19 em 2006, que foi o último ano em que a cidade conseguiu fixar mais gente de fora do que aquela que a abandonou. Em 2007, o saldo migratório já foi negativo (-41) e esta tendência evolutiva continuou a agravar-se.

Esta evolução negativa é particularmente significativa pelo facto de se tratar de uma capital de distrito.


Para nos situarmos no contexto nacional, é importante referir que PORTUGAL, depois de um decréscimo populacional entre 1987 e 1991, tem visto a população residente crescer todos os anos (sem exceção) nestas duas décadas (um crescimento de quase 700 mil habitantes); que o saldo natural foi sempre ligeiramente positivo (mais nascimentos do que mortes), com exceção dos anos de 2007 (-1000) e de 2009 (-4900); e que o saldo migratório tem sido sempre positivo desde 1993: apesar do grande aumento do número de emigrantes (pessoas que vão viver para o estrangeiro) no período mais recente, o número de imigrantes (pessoas que vêm morar para Portugal) continua a ser superior. O crescimento da população residente em Portugal tem assentado, sobretudo (mas não em exclusivo), nestes saldos migratórios positivos [as únicas exceções são 1993, em que o crescimento da população se deveu, em contribuições iguais, ao saldo natural e ao saldo migratório, e 1994, em que o saldo migratório não foi muito mais elevado do que o saldo natural (17 mil para 10 mil)].


O gráfico seguinte mostra a evolução demográfica noutra capital de distrito do interior brindada com auto-estradas (com duas auto-estradas, por sinal) – a GUARDA (Beira Alta):