Um passeio na 24 de Julho (conclusão)

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Estou agora na parte final do percurso. Entretanto, para mal dos meus pecados, terminaram as arcadas.

Atravesso a Avenida Infante Santo…

[Olho para o lado direito, para o início da avenida: outra avenida em que só o automóvel é importante.]

…e entro numa “zona de acidentes”:
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Para minha sorte, na "zona de acidentes" há obras - e, por causa das obras, a via da direita está cortada ao trânsito, para que os trabalhadores possam trabalhar em segurança.
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É que o passeio aqui é inacreditavelmente estreito:
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[É engraçado como a passagem provisória tem mais do dobro da largura do passeio.]

Mesmo com as obras e este “alargamento” provisório da travessia, é assustador andar aqui, atenta a velocidade a que circulam muitos veículos (incluindo veículos pesados) e o facto de se tratar de uma “zona de acidentes”.

E, no entanto, concluída a obra, o passeio está a ser reconstruído exatamente com a largura que tinha antes – porque, pelos vistos, isto é julgado normal:
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Chego a um cruzamento, onde o chefe da obra está sentado numa carrinha a observar os trabalhos - e a carrinha está estacionada assim:
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Não sobra nem um bocadinho de passadeira.

Por cima da carrinha, o grande painel publicitário anuncia “apartamentos de assinatura” para este local. É difícil imaginar “melhor” sítio para se viver. É, aliás, isso que nos explicam no sítio do promotor na internet, onde, sobre a localização do empreendimento, se pode ler o seguinte:

«Localização:
A Alma Urbana atravessa a cidade.
Aterra no Bairro.
Molda-se às ruas, praças e vielas.
É isso que transforma os recantos em cidade.
É disso que vivem Alcântara e a 24 de Julho.
Alma Urbana, espírito ribeirinho, encontro intenso de vida coletiva e viver contemporâneo.
Bairro com vida».

Contorno a carrinha, atravesso a rua e continuo o “agradável” passeio por este belo recanto citadino cheio de vida coletiva e de Alma Urbana.
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[Depois de terminada a obra, voltei a fazer este percurso, porque vale a pena mostrar o que é este passeio:
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Pela enésima vez, compare-se a largura da avenida com a largura do passeio.

Em grande parte da extensão deste passeio, só passa uma pessoa de cada vez. Quando se cruzam duas pessoas em sentido contrário, a solução, para se evitar pisar o asfalto (coisa muito pouco recomendável), é uma delas parar e encostar-se à fachada do prédio para deixar passar a outra.
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No cruzamento mostrado acima, onde estava a carrinha em cima da passadeira, o passeio foi rebaixado apenas numa pequena parte da passadeira e com inclinação para a avenida-tipo-via-rápida:

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Depois das obras, todo este estreito passeio acabado de reconstruir, e que atravessa dois quarteirões da avenida, ficou com muita areia. Se alguém escorregar e cair, é aborrecido, porque não há muito espaço no passeio para cair e o asfalto está logo ali ao lado…]

Do outro lado da bifurcação com a Avenida da Índia, espera-me mais um passeio estreito:
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Mas primeiro tenho de lá chegar. Aguardo uma eternidade que o sinal para os peões fique verde.
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Finalmente o verde. Mas apenas para atravessar isto:
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Na “ilha” no meio deste cruzamento de avenidas-tipo-via-rápida, fico à espera mais uma eternidade pelo verde para passar para o outro lado.
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Chego por fim ao outro lado. Encontro mais um recanto cheio de "Alma Urbana". Por comparação com a experiência imediatamente anterior, este passeio é “largo”: cabem duas pessoas:
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Muitos veículos continuam a passar a velocidades elevadas, o ar é muito poluído e o ruído enorme - mas um grande sorriso invade agora o meu rosto: já estou a ver o meu destino: a estação de comboios de Alcântara-Mar:
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Só não sei como chegar ao outro lado. Entre mim e a estação, um horizonte de asfalto com carros a passar e nenhuma passagem de peões, nem mesmo junto das duas paragens de autocarro (uma de cada lado, mostradas na imagem de cima):
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Depois percebo finalmente. É o corolário “normal” de tudo isto: para não perturbar Sua Excelência o Senhor Automóvel, obrigam-me a ir até bastante mais à frente para descer a uma passagem subterrânea…
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…aliás bastante “aprazível e bem cheirosa”.
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E chego, aliviada, à estação.

Da plataforma vejo, sobre a avenida da qual acabei de fugir como uma toupeira, um painel publicitário que mostra uma grande área citadina cheia de espaço para os peões e com pessoas sorridentes.
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Desvio o olhar para o lado oposto: do outro lado da linha férrea, existe mais uma larga avenida, paralela àquela por onde vim (já que, ao que parece, todas aquelas vias de trânsito não chegavam)…
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…com estes maravilhosos passeios…
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…que davam outro artigo. Mas não contem comigo. Gosto de andar a pé, mas não nestas condições. E o comboio está a chegar. Daqui a alguns minutos estarei a viajar ao lado do rio e do mar e sentir-me-ei no paraíso…

Joana Ortigão


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[Este artigo foi publicado originariamente no blogue em 23 e 24 de maio de 2011, e em 25/5/2011 foi remetido ao Presidente da Câmara Municipal de Lisboa e aos vereadores José Sá Fernandes e Fernando Nunes da Silva. Três anos depois, continua atual.]
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Um passeio na 24 de Julho (continuação)

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O “festim” do peão acaba ainda antes do final do quarteirão: o passeio estreita significativamente, ao ponto de, à passagem dos postes de iluminação, mais uma vez uma cadeira de rodas não passar…
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…até chegarmos a uma “aprazível” esplanada junto a um mar de automóveis, no único local onde o passeio é mais largo:
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A esplanada está exatamente no local onde termina a passadeira de peões, obstruindo a passagem. Um grande vaso estrategicamente colocado ao lado da esplanada, ocupando o resto da passagem, completa o cenário surreal.

Passo o obstáculo de mesas, cadeiras e vasos

[Dando graças por não ser idosa nem ter problemas de mobilidade]

e o passeio alarga de novo:
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Entretanto, o arruamento lateral chegou ao fim e estica-se o estacionamento até ao limite:
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(Já tinha falado na largura imensa desta avenida?)

Aproxima-se agora um local onde o felizardo peão dispõe, ao longo de uns 20 metros, de um passeio um pouco mais largo. Mas já se sabe, os passeios mais largos constituem…
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…ótimos lugares para estacionar automóveis – com a preciosa ajuda da falta de alguns pilaretes.

Mas estes automobilistas por acaso são daqueles impecáveis que deixam "um espacinho" para as pessoas passarem.
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Escusado será dizer que uma cadeira de rodas não passa, mas não desvalorizemos a boa ação desta gente simpática, que até deixou "um espacinho".

Como já dava para perceber na última imagem, passado este “parque de estacionamento”, o passeio fica ridiculamente estreito:
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E alguém sem uma pontinha de bom senso ainda achou que o passeio dava para pôr o caixote de lixo do prédio:
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E dá mesmo. E ainda sobra um espacinho para as pessoas passarem. Bem encolhidinhas.

Se olharmos para a fachada dos prédios, vamos reparando que existem aqui bares, discotecas e outros estabelecimentos, bem como habitação e escritórios. Como ainda não foi inventada uma maneira de as pessoas todas estacionarem os seus automóveis, uns por cima dos outros, em torre, mesmo à porta dos sítios onde vão

[Ah!, isso é que era!!],

isso significa que há muita gente a andar a pé neste passeio.

Entretanto, dou por mim a tossir outra vez, depois de passar por mim uma enxurrada de carros. Imagino que esta avenida deve fazer uma bela concorrência àquela que se diz ser a avenida mais poluída da Europa (a também lisboeta Avenida da Liberdade), porque o ar que aqui se respira é francamente mau.

Ao virar da esquina, o passeio alarga como nunca, ao longo de uns 15 metros, graças a esta bela escadaria que dá acesso à Rua das Janelas Verdes e ao Museu Nacional de Arte Antiga:
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É uma escadaria quase sádica, uma promessa falsa de passeios largos na sua continuação – que, na realidade, não existem: para um lado, já vimos que o passeio é absurdamente estreito. Para o lado oposto, ao lado da escadaria, o passeio da avenida é isto:
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Os senhores que mandaram colocar naquele sítio o poste de iluminação mereciam um prémio.

Os carros passam a grande velocidade e é um bocado assustador andar aqui.

O passeio vai estreitando até só caber uma pessoa:
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Compare-se de novo a dimensão da avenida com a do passeio. Espaço não é coisa que falte.

Do lado oposto da grande escadaria, e novamente graças a esta, o passeio alarga novamente por escassos metros, logo volta a reduzir e alarga de novo, mas apenas o suficiente para…
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…lá ser colocada lata em cima.

Trata-se de um fantástico parque de estacionamento reservado em cima do passeio (para veículos da Câmara Municipal de Lisboa), assinalado como tal, com acesso rebaixado e uma corrente que se tira e põe, para que outros malandros não aproveitem para pôr também a lata em cima da calçada.

Em termos de segurança rodoviária, também é uma excelente solução, porque, quando sair, a carrinha entra na avenida-tipo-via-rápida de marcha atrás…

Passada a carrinha, entramos numa fase do percurso em que o passeio brinca connosco: estreita, alarga, desaparece e volta a aparecer, tudo apimentado com gincanas ao mobiliário urbano colocado ao acaso:
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Ainda assim, começa aqui a melhor parte do percurso, porque é possível circular debaixo das arcadas dos prédios:
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Mas o contentamento esfuma-se num instantinho: também as arcadas são invadidas pelos automóveis:
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Seguem-se mais lugares de estacionamento, com a diferença de que estes são legais.
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É muito aprazível andar aqui. Aliás, todo este percurso tem sido muito agradável.

Ao longo do gigantesco edifício do Ministério das Finanças, onde trabalha muita gente

[virão todos de carro?],

o percurso continua a fazer-se debaixo das arcadas, onde os principais obstáculos continuam a ser os automóveis atravessados no nosso caminho.
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Distraí-me momentaneamente com este carro estacionado assim…
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…mas já perdi a minha capacidade de espanto.
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Um passeio na 24 de Julho

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Hoje vou percorrer a pé a Avenida 24 de Julho, em Lisboa, partindo do Cais do Sodré. Trata-se de uma das avenidas mais largas de Portugal e é bastante frequentada, de dia e à noite: uma daquelas avenidas em que se espera um passeio com uma largura minimamente decente.

Ainda estou a percorrer os primeiros metros da avenida, em plena tentativa de preparação mental para o caminho que me espera, quando olho para a direita e deparo com uma original rua-parque-de-estacionamento:
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Sobrou um espacinho. Ser-se magrinho, como o senhor da imagem seguinte, pode ser uma grande vantagem para quem queira andar a pé em Lisboa:
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Lá se foi a preparação mental. O melhor é desviar os olhos das ruas e avenidas laterais e concentrar-me no meu percurso.

No início da artéria, o passeio até nem seria – para os padrões portugueses, e abstraindo da largura da avenida – estreito, não fossem os inúmeros obstáculos que reduzem bastante a sua largura útil:
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As setas mostram como se encontra desalinhado o mobiliário urbano. É um incómodo para um peão sem problemas de mobilidade; é terrível para um cego ou para quem ande em cadeira de rodas.

[Cadeira de rodas? Conseguirá alguém percorrer esta avenida de cadeira de rodas?]

E, no entanto, a falta de espaço não é propriamente um problema: a avenida tem um número obsceno de vias de trânsito, incluindo muito espaço para estacionamento automóvel.
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Neste local, o passeio alargou ao longo de uns escassos metros - o suficiente para ser logo invadido por carros de chicos espertos que não querem pagar o (abundante) estacionamento legal existente ao lado. Alguns adolescentes contornam os obstáculos de lata pelo asfalto.

Logo a seguir, a largura útil de passeio volta a diminuir.
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Estou já em Santos. Apesar desta quantidade absurda de automóveis estacionados...
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...aparentemente, “não havia espaço” para alargar este passeio.

O passeio é estreito. Para agravar, ainda leva com mobiliário urbano em cima, colocado desordenadamente.

Como é que uma cadeira de rodas passa aqui?

Pergunta tonta. Não passa.
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[Continua a ser um exercício recomendável comparar a largura do passeio com a largura da avenida.]

Ao lado do rio de automóveis, o passeio, aqui...
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...dá para duas pessoas (sem sacos, sem malas, sem guarda-chuvas...) se cruzarem à vontade em sentidos opostos sem terem de se desviar, e apenas isso (basta desviarmo-nos dos sinais de trânsito e de alguns outros obstáculos colocados quase a meio do passeio).

Um pouco mais à frente – e agora tento abstrair desta quantidade estúpida de carros estacionados numa avenida tão bem servida de transportes públicos -, durante alguns metros o passeio alarga ligeiramente: com algum jeitinho e uns encostos, já cabem três pessoas lado a lado, se não vier ninguém no sentido oposto, se não levarem volumes ou guarda-chuvas abertos:
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Uma festa.

Toda esta oferta de estacionamento parece não ser suficiente: ainda há carros estacionados em cima do passeio, carros estacionados em segunda fila…
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…e subitamente, enquanto estou a pensar nisso, o passeio pura e simplesmente desaparece. Em seu lugar, uma bomba de gasolina desativada:
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A largura de atravessamento pedonal depende agora da boa vontade dos automobilistas que invadem este espaço como se se tratasse de um parque de estacionamento.

E logo à frente, quando terminar esta original passagem pedonal, há caixotes de lixo, postes, caixas e carros atravessados no caminho dos peões:
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O imenso espaço para a circulação automóvel e para o estacionamento continua. O passeio alargou agora durante uns escassos metros, para logo de seguida reduzir – sempre com obstáculos a diminuir ainda mais a sua largura útil.
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O dono deste restaurante teve a brilhante ideia de colocar estes “pequenos” vasos no passeio – e que bem que ficam. Um deficiente em cadeira de rodas, se tivesse, por milagre divino, conseguido chegar até aqui, daqui provavelmente não passaria (mas poderia ficar a apreciar os belos vasos).

Segue-se, durante umas dezenas de metros, um passeio com uma largura livre de obstáculos um pouco maior:
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As árvores estão alinhadas com os postes de iluminação, no extremo do passeio.

É bom não perdermos noção da largura desta avenida:
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