Alta Universitária: polícia em ação

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Enquanto em Inglaterra quem circula num passeio com um veículo segway é punido e em Portugal o regime da respetiva utilização continua indefinido (até acontecer algum acidente grave?),
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[Há quem defenda a sua equiparação aos ciclomotores, que não podem, segundo o Código da Estrada, circular nos passeios. Há quem compare este veículo às trotinetes ou aos patins, por exemplo, defendendo que pode ser utilizado nos passeios. O IMTT apresentou um anteprojeto legislativo – com alguns apontamentos de bom humor – consagrando a possibilidade de circulação destes veículos nos passeios e, como regra, a proibição da sua utilização nas vias onde anda o popó (projeto esse que foi criticado pela A-CAM e que nunca entrou em vigor). E há ainda a posição híbrida do Ministério da Administração Interna, onde despontou um magnífico parecer segundo o qual este veículo pode ser equiparado ao trânsito de peões – podendo, pois, circular livremente nos passeios –, mas pode igualmente circular na via pública, «por aplicação do princípio geral da liberdade de trânsito» (!)]
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há, em alguns concelhos desta nossa terrinha, agentes da polícia que andam descontraidamente de segway pelos passeios das cidades,
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[Isto, claro, quando os passeios são suficientemente largos para caber um segway, o que, como se sabe, não é certo nesta nossa terrinha]
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como sucede neste passeio da rua principal da Alta Universitária de Coimbra, onde vamos encontrar o protagonista deste artigo:
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O senhor polícia vai a subir o passeio, mas, a atrapalhar o exercício da sua nobre função, surgem-lhe pela frente alguns exemplares desses obstáculos indesejáveis que se chamam peões (neste caso pior ainda, são turistas, que não fazem nenhum e ainda atrapalham quem anda a trabalhar)…
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…e que permanecem indiferentes…
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…à clara intenção de ultrapassagem. O equipamento destes veículos com uma buzina ruidosa ajudaria certamente a afastar estes seres do caminho.
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Finalmente, quando o segway segue perto das pernas dos peões, dois deles, certamente menos dados a perseguições, acabam por parar…
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…para deixar passar o agente.
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Chegados aqui, é importante dizer que, no início desta subida, o senhor agente passou por este “pequeno” veículo estacionado em cima do passeio (na verdade, fez-lhe uma razia ao passar por ele com o segway):
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Mas nem assim terá reparado na carrinha ilegalmente estacionada,
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[Facto Estranho n.º 1]
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pois doutra forma teria deixado no respetivo para-brisas a multinha da praxe, até porque nem era preciso fazer um desvio para ir colocar o papelinho: o veículo estava ali, à mão de semear.
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Foi já no cimo da subida, depois de se ver livre dos indesejáveis peões, que o senhor agente reparou, ao olhar para o lado oposto da rua, numa daquelas situações que podemos qualificar de deplorável desrespeito da Lei, da Autoridade e até da Ordem Natural das Coisas. Algo que choca o senso comum e a sensibilidade de qualquer Agente da Autoridade que se preze. Algo que não poderia, de maneira nenhuma, ficar sem uma resposta adequada da Autoridade: um carro…
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…estacionado de lado. O respetivo condutor terá pensado que, lá por ser dono de um carro minúsculo, de comprimento pouco maior do que a largura dos restantes veículos, não faria mal se estacionasse assim naquele espaço onde nenhum outro carro conseguiria estacionar.
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Mas, mesmo faltando tempo para multar toda a gente e havendo que estabelecer prioridades de atuação, este é um daqueles casos prioritários, que não se pode deixar passar em claro.
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Felizmente, o senhor agente estava atento. De forma que viajou no segway para o outro lado da rua, contornou vários carros a ocupar a passagem pedonal (já lá vamos), desceu uns 20 metros de passeio (desta feita sem peões indesejáveis a atrapalhar-lhe a deslocação), apeou-se do seu moderno veículo, preencheu vagarosamente a multa...
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…e o papelinho já lá está. O senhor agente pode agora prosseguir caminho. E chegou a altura de introduzir neste artigo uma imagem com um evidente excesso de setinhas, mas que ajudam a completar o contexto:
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A seta branca aponta para dois turistas que, percebendo que, no único espaço onde o segway pode passar, não conseguirão passar ao mesmo tempo a não ser correndo o risco de serem atropelados (o que seria aborrecido em plenas férias), se desviam para passarem, um atrás do outro, encolhidinhos, quase de lado, no minúsculo espaço que sobra entre os pilaretes e os carros estacionados.
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As três setas vermelhas apontam (por mera curiosidade) para três carros estacionados em cima de um passeio com um intenso fluxo pedonal, numa rua reservada a transportes públicos e de acesso proibido aos automóveis.
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As seis setas azuis (haveria mais se a fotografia cobrisse mais espaço) indicam automóveis ilegalmente estacionados, em local de travessia de peões (de resto, devidamente sinalizado como área pedonal).
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Finalmente, a seta amarela aponta para outro carro estacionado a ocupar a travessia pedonal.
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O senhor agente vai ter de se desviar deste último carro para passar…
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…faz (mais uma vez) uma razia ao veículo, com a destreza de quem já domina bem o segway, contorna o carro…
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…e prossegue caminho…
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…não tendo visto o veículo a ocupar a passagem pedonal.
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[Facto Estranho n.º 2]
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Nesta pequena incursão citadina sem grande interesse mas muito pedagógica, aprendemos que, no que diz respeito a multas de estacionamento, prioridades são prioridades.
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Há, no entanto, uma outra explicação possível (e quem sabe se um dia isto não dará uma tese de doutoramento), de que nos demos conta num repentino rasgo de rara lucidez: o problema pode estar no segway! Sim, estas imagens inéditas que o blogue A Nossa Terrinha hoje divulga em primeiríssima mão podem, na verdade, revelar uma descoberta científica que, se demonstrada, poderá levar à necessidade de repensar este tipo de atuação policial: a de que os polícias deslocando-se num segway não conseguem ver os carros estacionados nos espaços pedonais. Em suma, o segway poderá, de alguma forma, afetar a visão de quem o conduz, mas só em relação a determinados objetos (carros) e só em determinados locais (estacionados nos espaços de circulação pedonal). Esta possível tese enfrenta um obstáculo intrigante (o facto de o agente se ter desviado de vários veículos estacionados nos espaços pedonais), mas nesta fase da descoberta a prudência aconselha a que não se excluam hipóteses.
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Não querendo correr o risco de sermos processadas pela Segway, advertimos o leitor de que o que acabou de ler não passa de uma hipótese, ainda carecida de demonstração científica. Que este artigo possa constituir um ponto de partida para uma uma ampla discussão na comunidade científica internacional. E se a descoberta se confirmar, por favor chamem-lhe Teoria d’A Nossa Terrinha, ou assim. Já agora, gostávamos de ficar com os louros.
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Subsidiação pública do automóvel: 1 - Parques de estacionamento subterrâneos

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É muito cara a obra de construção de um parque de estacionamento subterrâneo.  Para se ter uma ideia, a construção do grande parque de estacionamento subterrâneo do Campo d’Agonia, em Viana do Castelo, com capacidade para 1080 lugares, custou, a preços da década passada, 12 milhões de euros – cerca de 11 000 € por lugar de estacionamento; e a construção do parque de estacionamento subterrâneo da Praça de Londres, em Lisboa, com a lotação de 196 lugares, custou, há uma década, 2,7 milhões de euros – cerca de 14 000 € por lugar (17 mil euros por lugar a preços de 2012); a construção de um parque de estacionamento subterrâneo no centro da pequena vila de Penacova, com capacidade para 83 carros, custa 1,2 milhões de euros – 14 mil euros por lugar de estacionamento. O blogue A Nossa Terrinha averiguou os custos de construção de inúmeros parques de estacionamento subterrâneos, em vilas e cidades como Porto, Santo Tirso, Lisboa, Felgueiras, Ponta Delgada, Pombal, Cacém, Elvas, Caldas da Rainha ou Torres Novas e concluiu que os preços oscilam, em regra, entre os 10 mil euros e os 25 mil euros por cada lugar de estacionamento, não se incluindo nestes custos o valor do próprio terreno, que, como se sabe, pode ser bastante elevado numa cidade.
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Mas muito cara é também a exploração e manutenção destas infraestruturas. Esses são dados que só raramente se encontram publicamente disponíveis - como se tratasse de uma questão menor, que dispensasse uma avaliação pública. Sistemas de segurança contra incêndios, sistemas de ventilação forçada, manutenção, reparações e substituição de máquinas e de outros equipamentos, custos de pessoal, vigilância e segurança e um consumo de energia elétrica muito elevado são exemplos de encargos de funcionamento de um parque de estacionamento subterrâneo.
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No ano passado, a Câmara Municipal do Entroncamento estimou que o valor dos gastos de exploração de um parque de estacionamento subterrâneo no centro da cidade, com capacidade para 266 carros, era de perto de 170 mil euros por ano – e isto, note-se, relativamente a um parque que nessa altura estava aberto apenas 15 horas por dia (encerrava entre as 22h e as 7h). Se admitirmos um valor de 250 mil euros anuais para um parque da mesma dimensão aberto 24 horas por dia (esquecendo que o custo de pessoal, vigilância e segurança é mais elevado à noite), isso significa 940 euros por ano - 78 euros por mês - por cada lugar de estacionamento. Estamos, insista-se, a falar apenas de custos de funcionamento. Se quisermos acrescentar o custo da construção, dividindo-o pelo tempo de vida da infraestrutura sem obras de vulto, obteríamos um custo bem superior. [E isto não contando com o valor do terreno; para dar um exemplo bem longe dos grandes centros urbanos, na década passada a Câmara Municipal de Almeirim gastou perto de meio milhão de euros (a preços de 2012) na aquisição de um terreno destinado à construção de um parque de estacionamento subterrâneo]
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Pagar, por exemplo, 60 ou 80 euros por mês pelo estacionamento num parque é, para muitos automobilistas, algo próximo da extorsão. Muitos automobilistas reclamam mais parques de estacionamento mas, simultaneamente, com base na sua qualidade de “residentes”, acham que têm direito a estacionamento barato ou mesmo gratuito. Com relativo sucesso, diga-se. No caso acima considerado (Entroncamento), a autarquia local disponibilizou um dos dois pisos do parque subterrâneo para que os residentes na zona do parque aí estacionassem gratuitamente os seus automóveis. 
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Mesmo quando a exploração de um parque de estacionamento é concessionada a uma empresa privada, a imposição, pela autarquia, de uma política de baixas tarifas de estacionamento para residentes implica, naturalmente, o pagamento da correspondente compensação ao concessionário. Que é suportada pelo erário público. É um subsídio que sai do bolso de todos nós. Não é dinheiro que caia do céu...
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P.S. I – Custo de construção do pequeno parque de estacionamento subterrâneo no centro da pequena cidade de Pombal (explorado pela câmara local): 1,4 milhões de euros. Receita anual de exploração do mesmo parque: pouco mais de seis mil euros (dados de 2008).
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P.S. II – Receitas anuais de exploração do parque de estacionamento do Entroncamento acima mencionado (também explorado pela autarquia): cerca de 25 mil euros. Custos anuais de exploração: perto de 170 mil euros. [Números anteriores à disponibilização de estacionamento gratuito aos residentes]
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P.S. III - Em Lisboa, há automobilistas que pagam entre 100 e 250 euros por mês para estacionarem o seu carro numa garagem na sua área de residência. É esse o valor de mercado, cobrado pela maioria das garagens privadas - mas não só: a EMEL (a empresa pública que gere o estacionamento na cidade) explora três garagens exclusivamente destinadas ao estacionamento de residentes (e de comerciantes locais), com um total de mais de 300 lugares e com preços de estacionamento que oscilam entre os 100 € e os 192 € por mês. Duas dessas três garagens estão cheias, isto é, não têm um único lugar disponível.
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[Está muito difundida, entre os portugueses, a ideia de que o automóvel é um “negócio” lucrativo para o erário público, tendo em conta as quantias pagas pelos automobilistas a título de impostos específicos relacionados com a aquisição, posse e utilização de um carro – nomeadamente, imposto automóvel, IVA, imposto de circulação, imposto sobre os produtos petrolíferos, taxas de portagem de autoestradas e tarifas de estacionamento. Trata-se, na verdade, de uma grande falácia. O Estado e as autarquias suportam com a rodovia gastos astronómicos, que todos aqueles impostos e taxas estão longe de cobrir. O objetivo desta série – para a qual ainda não encontrámos um bom título - é revelar exemplos desses gastos.]