Números da nossa terrinha: 22 – Passageiros transportados pela CP (1982-2011)

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O gráfico seguinte mostra a evolução do número de passageiros transportados pela CP entre 1982 e 2011 (trinta anos completos):
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Número de passageiros (em milhões) transportados anualmente pela CP nos últimos 30 anos (1982-2011).
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230,7 milhões de passageiros: foi este o número máximo de passageiros transportados num só ano na ferrovia portuguesa, e foi atingido em 1988. Curiosamente, foi exatamente nesse ano que Cavaco Silva, em diploma por si assinado enquanto primeiro-ministro, aprovou o então denominado «Plano de Reconversão e de Modernização dos Caminhos de Ferro», na sequência do qual, e em apenas quatro anos, os comboios de passageiros deixaram de apitar em 973 quilómetros de linhas férreas (muitas das quais degradadas e/ou com traçados sinuosos e lentos), sem que a rede ferroviária nacional tivesse sido objeto de renovação. Os inúmeros serviços encerrados foram inicialmente substituídos por carreiras de autocarros, que perduraram apenas dois ou três anos. Seguiu-se uma queda quase ininterrupta no volume de passageiros transportados pela CP. Vinte e quatro anos depois de prioridade à rodovia, não subsistem dúvidas: a ferrovia portuguesa é hoje um caso de sucesso. O que, aliás, salta logo à vista olhando para o gráfico.

13 comentários:

Ribatagus disse...

Curiosamente, esse fantástico "plano de Reconversão" foi coincidente com a primeira "nega" ao sistema TGV que os governos Laranjas parece que têm uma aversão doentia e inexplicável.

Foi "preferido" converter a linha actual para permitir a circulação de Pendulares, uma vez que esta seria mais barata e não obrigaria à construção de uma nova linha, apenas a reconversão da actual, nomeadamente nas curvas sinuosas.

Depois descobriram que, afinal, a partir dos 160km/h as bitolas de madeira não suportam... toca de trocar as rectas...

Depois, os túneis actuais não foram preparados para suportar o impactos de velocidade, senão a diferença de pressão destrói os vidros do comboio... toca de "travar" antes de entrar neles...

Finalmente, concluiu-se que há uma grande parte da linha (do norte) que a reconversão não é viável, por estar em determinadas zonas, ou pela geografia do terreno ou pela geografia urbana, o comboio não pode aproveitar todo o seu potencial...

Resultado? Não temos TGV, na prática não temos pendular, temos o dinheiro gasto, uma obra que se arrastou 9 anos (com todas as contrariedades, alterações de horários, etc), sem que realmente alguma coisa tenha melhorado... ao mesmo tempo, as autoestradas multiplicavam-se desmesuradamente...
O "ganho" temporal do pendular são uns míseros 35 minutos, num percurso que demorava 3 horas (em relação ao seu compatriota IC)...

O que temos agora para o percurso Lisboa-Porto (+-300km)?
- 2:34h em Pendular(com apenas 4 paragens. Média: 120km/h, para um comboio que pode circular a 220km/h);
- 2:59h em IC (com 10 paragens. Média: 100km/h para um comboio que pode circular a 140km/h)

ou...na A1 (autoestrada) 3:30h, ou menos de 2:00h com a conivência das autoridades rodoviárias...

asmelhoresfrancesinhas disse...

O IC da linha do Norte pode circular a 200 km/h.
O tempo previsto para a linha do Norte remodelada era de 2:15 em pendular, depois com os problemas dos terrenos junto ao Mondego apontou-se para as 2:22.
E não esquecer que quem sugeriu fazer uma linha nova para os comboios rápidos entre Lx e Porto (vulgo linha de alta velocidade) foi posto fora do governo e substituído por uma pessoa que disse que ponto rodoferroviárias eram coisa do séc. XIX.

Carlos disse...

Quero começar por aplaudir o verdadeiro serviço público deste blog ao colocar a nu, inapelavelmente e de forma sistemática, o retrocesso a que temos assistido ao longo das últimas décadas no que respeita ao transporte ferroviário em Portugal. Um meio de transporte que caminha para a extinção quando deveria ser considerado estratégico.

Porém, permitam-me uma crítica construtiva. Qualquer gráfico como o exibido neste post deve ter o início do eixo vertical no valor 0absoluto, caso contrário o mesmo passará uma imagem distorcida da realidade.

O leitor mais incauto não verá entre 1988 e 2011 uma queda de cerca de 50% nos passageiros (de 230M para 120M), pois olhará apenas para a linha e, desatento à escala, intuirá uma descida de praticamente 100%.

Poderão dizer-me que se tratará de má interpretação do leitor, e não terei remédio senão concordar... mas o olho menos treinado prega muitas partidas, e a confiabilidade de qualquer elemento estatístico reside de forma inalienável na objectividade com que é veiculado.

Votos de continuação do excelente trabalho.

Luís Lavoura disse...

E muitos dos passageiros do comboio só existem porque o Estado utiliza esse meio de transporte - que lhe pertence - para dar borlas a diversas classes de cidadãos. Por exemplo os militares, os idosos, os estudantes, etc. Eu diria que metade dos passageiros da CP não pagam bilhete normal, mas sim um bilhete com alguma forma de desconto.
Seria interessante comparar a situação, neste particular, dos comboios com as camionetas expresso da RNE (uma empresa privada). Sem descontos (ou com poucos e moderados descontos), estas últimas vão bem e recomendam-se.

asmelhoresfrancesinhas disse...

A RNE tem descontos para estudantes, cartão jovem e ainda clientes regulares.
Se a CP não tivesse que pagar a infraestrutura que utiliza (como a RNE não tem) se calhar também tinha resultados muito melhores.
Além do mais essa comparação direta entre toda a CP e a RNE é estúpida (mesmo assumindo que o Luís te dados que lhe permitam dizer que a RNE «vão bem e recomendam-se»), pois a RNE só faz serviços de médio e longo curso, e nesses a CP até dá lucro.

Luís Lavoura disse...

(1) Eu não falei dos lucros (nem dos preços, nem dos custos) da CP nem da Rede Expressos. Falei do número de passageiros - que é aquilo de que este post trata. Disse que o número de passageiros da CP está artificialmente aumentado pelos descontos que o Estado oferece a diversas classes de passageiros.

(2) É verdade que a Rede Expressos também oferece descontos, mas muitos menos e muito menores que os que o Estado oferece na CP. No caso extremo, um militar na CP tem um desconto de 75% (pelo menos era o que tinha há uns anos), na Rede Expressos apenas de 20%. Calculo que, se o Estado, em vez de oferecer descontos na CP, desse aos militares dinheiro em notas, muitos deles iriam a casa de camioneta em vez de irem de comboio.

Henrique Pereira dos Santos disse...

O Público de hoje levanta, sobre isto, um conjunto de questões que vale a pena avaliar com informação de base sólida.
4% dos passageiros são responsáveis por 40% da receita da CP.
70% dos passageiros são da CP Lisboa.
O longo curso representa menos de 5% dos passageiros da CP.
Suspeito que, com estes dados, é muito difícil sustentar que é o fecho de linhas que motiva a diminuição do número de passageiros (todas as linhas fechadas tinham um número de passageiros marginal e, como diz muito bem o Luís Lavoura, passageiros pagantes ainda menos).
Já agora, estas últimas diminuições são concomitantes com diminuições fortes no consumo de gasolina e gasóleo, e com diminuições de passageiros em todos os operadores de transporte, portanto não se pode afirmar, sem olhar bem para os números, que a perda de passageiros da CP nos últimos anos se deva a preferência por outros meios de transporte e não contar com os que se perdem por perda de mobilidade.
Eu sei que há muitas pessoas que gostam de ver passar os comboios cheios de ausentes, mas eu, que os pago com os meus impostos, tenho alguma dificuldade em aceitar quer o investimento excessivo na rodovia, quer o investimento irracional da ferrovia.
henrique pereira dos santos

G.E. disse...

"4% dos passageiros são responsáveis por 40% da receita da CP"

Não li o artigo do Público dado que é reservado a assinantes, mas este tipo de afirmação induz facilmente o leitor em erro, especialmente se não for bem contextualizada.

É evidente que um passageiro de longo curso constitui maior fonte de receita, pois adquire bilhetes mais caros, correspondentes ao maior percurso que faz. No entanto, também há que ter presente que a empresa gasta mais recursos a transportar um passageiro de longo curso do que um passageiro de tráfego suburbano.

Uma análise bem feita sobre este tema deverá incluir não apenas a receita por passageiro, mas sim a receita por passageiro e por quilómetro percorrido. Só assim se terá uma base comparável. Adicionalmente, é necessário saber qual o custo por km de transportar um passageiro de longo curso e de transportar um passageiro suburbano. Dado que os custos aqui são predominentemente fixos (os custos de levar um comboio da origem até ao destino são muito semelhantes qualquer que seja o número de passageiros), então o curso médio por passageiro por km dependerá, em grande medida, da taxa de ocupação dos comboios em cada uma das linhas (não estou aqui a considerar os custos fixos que não estão afectos a uma dada linha em particular nem os custos de manutenção de cada linha, que em rigor também deveriam ser levados em conta).

Adicionalmente a frase que citei encerra uma outra falácia. É que conta cada viagem como sendo um passageiro diferente. Ou seja, se um passageiro fizer o percurso Lisboa-Sintra por 20 vezes num mêsgasta tanto como o passageiro que faz Lisboa-Porto uma única vez no mês. No entanto, o primeiro conta como 20 passageiros diferentes, com uma receita de 1 euro e pouco e o segundo conta como um passageiro que gera uma receita considerável; em termos estatísticos temos 21 passageiros dos quais 20 geram pouca receita e 1 gera muita receita, quando na verdade são apenas 2 pessoas, ambas geradoras da mesma receita.

Isto tudo para dizer que é muito fácil 'forçar' determinadas conclusões dependendo da forma como os dados são trabalhados.

Repito: não li o artigo do público e por isso não sei o detalhe com que o assunto é desenvolvido, no entanto a partir da frase citada, usada como chamariz, fiquei com algumas reservas quanto às conclusôes.

asmelhoresfrancesinhas disse...

GE, além do que disse e com toda a razão, deixe-me só acrescentar que isso posto dessa maneira ("4% dos passageiros são responsáveis por 40% da receita da CP") não serve absolutamente para nada em termos de transportes (serve sim para ter bons títulos de jornais). O que interessa em termos económicos e do planeamento de uma rede de transportes são os passageiros.km, que é a medida de produção de uma rede de transportes, associar receitas a número de passageiros total é só uma métrica para inglês (ou leigo) ver e pouco indica.

Henrique Pereira dos Santos disse...

Gonçalo,
Quem usou como medida o número de passageiros não fui eu. Limitei-me a fazer uma crítica semelhante à tua: falar do número de passageiros é curto para discutir a racionalidade das opções de gestão da ferrovia (por exemplo, estando 70% dos passageiros na CP Lisboa, qualquer variação aqui, por exemplo, por causa do aumento do desemprego, abafa quaisquer variações nos outros lados).
Estou de acordo contigo em achar que é preciso avaliar cada operação da CP essencialmente em custos e proveitos. Isso não significa que todas tenham de ser lucrativas, significa apenas que para as discutir, é preciso ter essa informação em todas.
De qualquer maneira o longo curso, em especial no eixo braga faro, é das poucas coisas verdadeiramente lucrativas na CP.

G.E. disse...

Henrique,

Eu sei que a frase não é tua e se o meu post sugeriu isso, peço desculpa pois não era essa a intenção.

Efectivamente já tinha visto a frase em questão no site do público, mas como referi acima não pude consultar o resto do artigo dado que é reservado a assinantes.

Joao disse...

Aqui o que interessa é que passou de 230 milhões de viagens para perto de 120 e tal milhões... ou seja alguém (ou muitos "alguéns"), começou a andar de mota, carro ou autocarro aumentando a poluição, acidentes, as contas dos hospitais... enfim, aumentou, no final de contas, os gastos do estado, desnecessariamente! E andou-se a construir milhares de quilómetros de auto-estradas desnecessariamente!

A Nossa Terrinha disse...

Carlos, a crítica é certeira e inicialmente foi assim que fizémos o gráfico. O problema é que, com o limite máximo de tamanho de gráfico que o Blogger permite, se um gráfico com dados de 30 anos fosse dos 0 aos 230 milhões, a evolução ano a ano mal se perceberia. Achámos, por isso, preferível assim. Mas concordo: não é correto.