Auto-estradas e assimetrias regionais / Palavras ditas (20)

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(tópicos para um artigo abandonado*)
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Este é o mapa das auto-estradas portuguesas. Por ele podemos verificar facilmente como existe um enorme desequilíbrio entre o litoral e o interior. Apenas cinco entre as dezenas de auto-estradas construídas em Portugal se situam também no interior do país. Mas se olharmos para um mapa de Espanha, de França ou da Alemanha, constatamos que nesses países a rede de auto-estradas está distribuída por todo o território nacional.

Se tivermos em conta a proporção do número de quilómetros de auto-estrada construídos no interior em relação à rede nacional de auto-estradas, verificamos que ela não anda longe da percentagem de população portuguesa que vive no interior. Ora, o desequilíbrio litoral / interior em termos de PIB é ainda maior do que o demográfico. O que significa que, comparando a proporção do número de quilómetros de auto-estrada construídos com a proporção de riqueza produzida no interior, podemos concluir que a primeira é maior, pelo que teria até havido uma discriminação positiva do interior.

Os termos da comparação é que não são correctos. Haveria antes que calcular quanto dinheiro é que o país gastou em todas as auto-estradas construídas e qual a percentagem do gasto feito no interior, comparando-a depois com a contribuição do interior para o PIB nacional. Se um dia se fizer esse estudo comparativo, os resultados indicarão seguramente que o interior foi, uma vez mais, negativamente discriminado: o preço do quilómetro de auto-estrada no litoral é, em regra, muito mais elevado do que no interior, por se tratar de uma zona com maior densidade populacional e sobretudo tendo em conta a parcela das expropriações, principalmente nas auto-estradas construídas em zonas urbanas, onde o preço por metro quadrado de terreno é descomunalmente mais elevado do que no interior do país. Vale a pena recordar que 20 das auto-estradas portuguesas foram integralmente construídas nas zonas de Lisboa e do Porto (e que nove outras auto-estradas passam também por estas duas regiões).

Por outro lado, se quisermos mesmo corrigir as assimetrias regionais entre o litoral e o interior (as quais, de resto, acabam por prejudicar todos os portugueses), não se pode investir no interior na mesma proporção da riqueza aí produzida: o investimento terá de ser maior.

Não estamos, obviamente, a sugerir que se deviam ter construído auto-estradas também no resto do território, para se obter uma distribuição equitativa pelo território nacional (pelo contrário, como já explicámos noutro artigo desta série). O que o mapa de cima mostra é como através das auto-estradas se aplicou um investimento brutal (estamos a falar de infra-estruturas muito caras) no litoral, sugando muitos recursos do país, uma vez mais em detrimento do interior, que carece de investimentos produtivos e de incentivos (que ajudem a fixar e aumentar a população).

Os autarcas e as populações do interior, cansados de décadas de ostracismo, reclamam: «também temos direito às auto-estradas, temos sido discriminados!». É um facto: a discriminação tem existido. E por isso o poder vai cedendo, corrigindo um erro com outro erro: quando os governantes se deslocam às regiões do interior, vão prometendo novas auto-estradas. Não é já a análise custo / benefício que interessa fundamentalmente, mas a “correção de uma injustiça”: porque é que o litoral há-de ter auto-estradas e o interior não? Os autarcas e as populações locais esfregam as mãos de contentamento: finalmente, vão ter também a sua auto-estrada. Mas, no fundo, o que esses autarcas e populações estão a pedir é: «cometam outra vez o mesmo erro, mas desta vez connosco»…


*Dado que esta série já vai muito longa, decidimos abandonar alguns dos artigos inicialmente planeados. Este é um dos artigos relativamente aos quais só foram redigidos alguns tópicos. Uma vez que o blogue vai acabar em breve e não haverá outra oportunidade para desenvolver este tema, optámos por publicá-lo assim.


Palavras ditas (20)

«Não é só o litoral que precisa de auto-estradas. O país inteiro precisa de infra-estruturas e os portugueses têm de ser tratados todos da mesma maneira, quer seja no litoral, quer seja no interior».

Jorge Coelho, Outubro de 2009.

13 comentários:

Anónimo disse...

Exactamente!

Anónimo disse...

É normal que se gaste mais no litoral que no interior. É no litoral que está a maioria da população, é no litoral que pagamos mais impostos. É assim a vida.

Anónimo disse...

Tá a ver...
Afinal sempre precisamos de mais auto-estradas.

Anónimo disse...

mas como disseram e bem noutra posta desta série, bastaria haver IPs em vez de AEs.
se acrescentarem as IPs a esse mapa, tudo fica diferente.

e sinceramente, se se fizer a conta km de AE/PIB do interior, duvido muito que ganhe o litoral.

Bessa disse...

E disse ainda, mas agora em voz baixa: "a empresa que lidero está disponível para construir as novas vias, a um preço descaradamente exorbitante, que negociarei com os meus camaradas no poder, e que endividará este país de mentecaptos até à 3ª geração, fazendo de nós muito, muito ricos. Muahahaha!"

A realidade está à vista de todos e não tem graça nenhuma, infelizmente. O pior cego é o que não quer ver.

Anónimo disse...

Se fosse ao contrário, mais linhas de comboio e menos estradas, estava esta malta do BE (lê-se bé) a contestar a privação de liberdade que representa o comboio...

Anónimo disse...

*que o comboio representa

Catarina disse...

MC, os IP são mais baratos e a comparação que quis fazer foi nas auto-estradas. Mas mesmo que acrescentes os IP, também terás de contar com os do litoral (por exemplo, a estrada para o Algarve). No interior, além do IP4, de alguns troços do IP2 e do IC8, pouco mais há. É provável que se olhares para um mapa vejas estradas no interior sinalizadas como "IP", mas grande parte delas são estradas normais. O IP2 é um exemplo: só tem alguns troços de boa estrada.

Quanto às auto-estradas, como digo no texto, se comparares a percentagem de quilómetros de auto-estrada construídos no interior com a percentagem de população que vive no interior, andará ela por ela. Entre a proporção demográfica e a proporção "PIB" (litoral/interior) há um desfasamento de cerca de 10%. Ora, o preço por quilómetro das auto-estradas construídas no litoral foi seguramente muito mais do que 10% mais caro do que nas do interior.

Claro que isto não são cálculos e, portanto, este "projeto de artigo" vale o que vale (e vale muito pouco).

madeinlisboa disse...

"É no litoral que está a maioria da população, é no litoral que pagamos mais impostos. É assim a vida. "
E já parou para pensar porque esta é uma realidade? Vamos imaginar que ao redor da sua casa (no litoral) as estradas deixavam de lá ir e você deixava de ter trabalho. Continuaria lá?
Esse é o espírito do camponês que queima floresta para ter uma área para cultivar. Todos os anos vai queimando mais e não se preocupa com as consequências. Aqui o poder aje da mesma forma. Vai criando condições para o interior desaparecer aos poucos e todos vocês acham normal.
Temos zonas lindas no interior para usar como destinos turísticos de forma a desenvolvê-las, mas não temos políticos à altura para isso, e muito menos povo.
Não é por menos que tivemos este ano um nível de produtividade equivalente ao do Haiti, um país que foi devastado por um terramoto.
Com um governo e empresários incompetentes e corruptos e uma população ignorante não existem muitas esperanças para melhorar.

Fábio Leal disse...

Óptimo blogue, com muita informação.
Só é pena a maior parte dos cidadãos não prestar atenção ao que vão fazendo ao nosso País..

Fábio Leal disse...

Ontem fui a Lisboa e regressei ao Porto ao fim do dia. Fiz o percurso A29-A17-A8-A9-A16, e o inverso para regressar. Ainda não sei quanto vou pagar pelas portagens, mas creio que rondará os 35 euros.

Saí às 10h sem qualquer tipo de trânsito até ao destino. Saí de Lisboa às 19h, esperando encontrar mais trânsito..
Mas, enganei-me, nada de trânsito, aliás, de Torres Vedras ao Porto creio que fui ultrapassado por 2 ou 3 carros (fui num Clio a 130km/h média), e ultrapassei pouco mais de uma dúzia, na maioria camiões de mercadorias.

É por todo este tráfego que o litoral precisa de 3 AE Porto-Lisboa.

Há gente burra, há gente incompetente, e há gente corrupta. Infelizmente em Portugal esse tio de pessoas chega facilmente a lugares que deveriam ser ocupados por pessoas com um mínimo de inteligência e sentido patriota.

Com menos kms de AE o País já estaria bem servido, bastaria que o PNR tivesse sido projectado com lógica.

São 18 capitais de distrito, 5 pontos de fronteira, 3 aeroportos e 5 portos marítimos principais. Quase 80% da população vive em 40% do território. Com 2000 Kms tudo ficava ligado por AE.
Mas, mesmo assim, foi impossível fazer algo em condições.

Unknown disse...

Mas também não se pode deixar de dar importância para o interior do país senão toda a população recairá no litoral! O importante é saber distribuir a economia, pois o poder económico sendo muito ou pouco é o essencial e primordial do país.
Dar importância às regiões com baixa população e reestrutura-la.
As organizações sociais e de solidariedade têm o grande papel de na comunidade.

Unknown disse...

Mas também não se pode deixar de dar importância para o interior do país senão toda a população recairá no litoral! O importante é saber distribuir a economia, pois o poder económico sendo muito ou pouco é o essencial e primordial do país.
Dar importância às regiões com baixa população e reestrutura-la.
As organizações sociais e de solidariedade têm o grande papel de na comunidade.