Retratos do país das auto-estradas

I
Todo o histerismo, discussão e confusão a que temos assistido ao longo deste ano em torno da questão da introdução do pagamento de portagens em algumas auto-estradas que até aqui permaneciam “gratuitas” (as chamadas SCUT) constituem um bom indicador da importância que as auto-estradas ganharam na nossa terrinha. Há 30 anos, vivíamos e sobrevivíamos sem elas. Há 20 anos, quando o "betão" das auto-estradas invadia o país, protestávamos, em vão, contra o encerramento de linhas férreas. Hoje, parece que seria impossível passarmos sem as auto-estradas. Como se constituíssem um bem essencial no nosso dia-a-dia. Em 2009, o ano do pico da crise económica, o PIB português retraiu 2,7% e seria de esperar uma redução na mesma proporção no tráfego nas auto-estradas com portagem, mas tal não sucedeu, o que significa que os cortes nos gastos de muitos portugueses não incluiram as portagens de auto-estrada. A verdade é que cada vez mais pessoas e empresas planeiam a sua vida (mediante a fixação do seu domicílio) em função da auto-estrada, não obstante a inevitabilidade de um aumento brutal do preço dos combustíveis - o próximo aumento  provavelmente já sem retorno.

Ao mesmo tempo que anunciou as tarifas das portagens das auto-estradas até aqui “gratuitas”, o Estado anunciou também descontos especiais para os residentes nos concelhos próximos, como por exemplo a gratuitidade para o utilizador nas primeiras dez viagens por mês e descontos nas seguintes. A introdução das portagens seria uma excelente oportunidade para tentar dinamizar os transportes públicos, nomeadamente o comboio, o que, aliás, estaria em consonância com as obrigações internacionais assumidas pelo Estado Português relativamente à diminuição das emissões de CO2, de que o sector rodoviário é um contribuinte fundamental. Oferecer descontos na utilização do comboio (e melhores horários, e mais investimento...), nos percursos correspondentes aos daquelas vias rodoviárias, relançando, assim, a ferrovia, é coisa que nem sequer terá, contudo, passado pela cabeça dos nossos governantes. Porque o país de hoje é, de facto, o país das auto-estradas.

O país das auto-estradas” foi justamente o título do primeiríssimo artigo publicado neste blogue, há um ano. E vai ser o tema da pequena série de artigos que agora se inicia. Não passam de meras divagações sobre o tema, sempre que possível feitas a partir de factos e de números (quem estiver interessado em ler estudos sobre as auto-estradas portuguesas, está no sítio errado).

Tem-se dito frequentemente que temos auto-estradas em excesso. Mas há quem não concorde, e o certo é que nunca se verifica grande contestação à construção de novas auto-estradas, mesmo em períodos de grave crise económica. Os portugueses adoram-nas, acolhem-nas bem e parecem até não se importar de serem assaltados nas áreas de serviço. Estudos recentes indicam um índice de satisfação global dos utentes das auto-estradas de 7,2 numa escala de 0 a 10. Os portugueses continuam, porém, a não saber conduzir em segurança nas auto-estradas – curiosamente, as estradas mais seguras que há e aquelas onde a condução é mais simples. As auto-estradas são mais cómodas para os automobilistas, tornam o país mais acessível, mas nem por isso nos tornam um povo melhor. E há coisas surpreendentes nas auto-estradas, de que também vamos dar conta.

Esta série de artigos não pretende ser exaustiva (longe disso!) e vai deixar muitos assuntos de fora, como por exemplo a questão da cobrança de portagens; as empresas que mais lucraram com os negócios milionários que estiveram na base da construção e da concessão das auto-estradas (a BRISA, por exemplo, tornou-se a maior empresa de infra-estruturas de transporte em Portugal e uma das maiores operadoras de auto-estradas do mundo); ou o (in)cumprimento, pelas empresas concessionárias, dos contratos de concessão celebrados com o Estado.

É legítimo questionar a oportunidade da publicação destes artigos. Mas é muito provável que seja precipitado concluir que a nossa rede de auto-estradas está terminada. Apesar de algumas declarações dispersas, tem existido uma quase unanimidade nos partidos políticos relativamente à bondade do crescimento da rede de auto-estradas: basta constatar o flagrante contraste entre a fortíssima e insistente oposição de alguns partidos à construção da linha de TGV entre Lisboa e Madrid e o silêncio (ou quase silêncio) ou mesmo o aplauso expresso face aos novos projetos de auto-estradas que têm sido aprovados e executados. Perante este estado de coisas, é de esperar que projetos de novas auto-estradas continuem a surgir e a serem aprovados praticamente sem oposição.

Em qualquer caso, parte daquilo que vai ser publicado a seguir continua, pensamos nós, a fazer sentido independentemente de a rede continuar ou não a crescer.

Bem-vindos ao mundo das auto-estradas.

2 comentários:

Anónimo disse...

Seguirei com interesse o desenvolvimento deste tema!
A ocasião que utilizo mais uma AE é quando vou por vezes ao Algarve de fim-de-semana. Costumo fazer o trajecto Lisboa-Grândola Sul e depois seguir pela estrada nacional descansadinho. A viagem faz-se bem, poupo 20 euros em ida e volta e levo apenas mais 20-30 min de viagem. Na A2, especialmente no verão, ou viajamos a 100 km/h na faixa da direita, atrás de camiões ou a acompanhar o ritmo dos mais lentos, ou viajamos a +150km/h na faixa da esquerda a acompanhar os audi's, BMW's e mercedes dos anormais que não sabem conduzir mais devagar. Para evitar o slalom aos lentos e evitar ser atropelado pelos apressados a fazer sinais de luzes (como isso me enfurece!) vou descansadinho pela nacional. Não encho a barriga a pançudos (BRISA) e posso parar na Mimosa para comer qualquer coisa sem ser roubado na área de serviço! Cumpts, Nuno Borges

Anónimo disse...

fora de tópico: adiram amanhã (17) ao Park(ing) day. ver http://passeiolivre.blogspot.com/2010/09/parking-day-em-lisboa-apareca-e.html