(continuação) (clique aqui para ler a primeira parte; a segunda parte; e a terceira parte)
O terceiro fator de ponderação geralmente aceite sem grande discussão é, justamente, a riqueza de cada país, critério que, aliás, não é menos importante do que os outros: as auto-estradas são vias de comunicação muito caras (quando comparadas com outros tipos de estradas), consumindo quantidades astronómicas de recursos financeiros que, em países mais pobres, com orçamentos mais limitados, são indispensáveis para fazer face a outras necessidades, muitas vezes mais básicas e prementes.
Menos fácil é medir a riqueza de cada país. O indicador usualmente empregue é o Produto Interno Bruto (PIB), que constitui a soma de todos os bens e serviços produzidos por um país.
Há cerca de dois anos, o economista Avelino de Jesus fez um cálculo semelhante, no quadro dos países da OCDE, recorrendo ao PIB em valores absolutos. Calculando, com dados de 2006, os quilómetros de auto-estrada por bilião de dólares de PIB, concluiu que, entre os 33 países da OCDE, Portugal era o segundo país com mais quilómetros de auto-estrada por bilião de dólares de PIB: só o Canadá (o segundo maior país do mundo) ultrapassava Portugal. Concluiu ainda que, embora o PIB português correspondesse apenas a 1,3% do PIB da União Europeia, Portugal tinha 3,2% do total de (quilómetros de) auto-estradas da União Europeia [número entretanto desatualizado: em 2008, a percentagem era já de 4,1%].
Em relação a 2008 (o ano que temos vindo a considerar, pelos motivos explicados), Portugal tinha 114 km de auto-estrada por 10 mil milhões de dólares de PIB, valor que coloca o nosso país no 2.º lugar entre os 27 países da UE - só na Eslovénia encontramos um valor (ligeiramente) superior (117 km) -, enquanto no quadro da OCDE o Canadá continuava a liderar [com 129 km (valor este baseado em números de 2006)]. Refira-se, no entanto que os 422 km de auto-estrada que estão a ser construídos em Portugal são suficientes para o nosso país - com 134 km por 10 mil milhões de dólares de PIB - passar para o 1.º lugar na União Europeia (e, fora da UE, ultrapassar mesmo o gigante Canadá). Se adicionarmos os 68 km da auto-estrada Coimbra-Viseu e os 122 km de auto-estradas da Concessão Centro, o valor sobe para 141 km por 10 mil milhões de dólares. Mas com ou sem Concessão Centro, estamos, segundo este critério, prestes a liderar a União Europeia e a ficar confortavelmente distanciados do segundo lugar e bastante longe de alguns grandes da Europa: só para se ter uma noção, o maior país da União Europeia (França) tem 51 km de auto-estrada por 10 mil milhões de dólares de PIB (surge em 8.º nesta lista).
Este indicador revela, no entanto, uma fraqueza: só tem em conta a riqueza produzida pelo país, independentemente da sua dimensão populacional. Para este efeito, parece-nos fazer mais sentido recorrer ao PIB per capita. Por exemplo, Portugal tem um PIB próximo do da Dinamarca, mas tem mais do dobro da população deste país nórdico, o que significa que, em termos reais, a riqueza produzida (em média) por cada português é muito inferior àquela que cada dinamarquês produz. Este indicador permite-nos concluir que a Dinamarca gera mais riqueza do que Portugal (não constitui novidade para ninguém que a Dinamarca é mais rica do que Portugal), o que se reflete, naturalmente, nos orçamentos de ambos os países: a Dinamarca tem mais dinheiro disponível para construir auto-estradas do que Portugal.
Mais pacífico é que, querendo-se fazer uma comparação entre os 27 países da União Europeia, que têm poderes de compra muito diferentes, é recomendável recorrer ao PIB – Paridade de Poder de Compra (PPC), de modo a eliminar essas diferenças. Isto também não é difícil compreender. A construção de uma escola ou de um quilómetro de auto-estrada não custa o mesmo em Portugal ou na Suécia. Dois países podem ter um PIB per capita idêntico, mas se tiverem custos de vida muito diferentes, na realidade a mesma riqueza produzida “vale mais” num dos países do que no outro. Recorrendo a este critério, as diferenças entre os 27 países da União surgem normalmente mais esbatidas do que se considerássemos os valores reais de PIB: baixam os valores de PIB de países ricos como o Luxemburgo, a Holanda, a Áustria, a Suécia, a Dinamarca, a Alemanha, a França, etc., e aumentam os de países mais pobres, entre os quais Portugal. E utilizando este fator de ponderação (em vez daquele que referimos atrás e que colocava Portugal no topo da UE), o nosso país baixa uns lugares na tabela. Eis, portanto, a tabela dos dez países da União Europeia com mais quilómetros de auto-estrada por riqueza produzida:
I
I
Quilómetros de auto-estrada / PIB per capita avaliado em PPS (Paridade de Poder de Compra Padrão). Os valores apresentados na tabela resultam da multiplicação do índice obtido por 1 000, para facilitar a leitura do quadro (por exemplo, o índice real da Espanha é 0,525 e não 525). Média (UE): 95.
As seis maiores economias da União Europeia - França, Alemanha, Itália, Espanha, Holanda e Reino Unido - estão entre os sete primeiros lugares e o único país que se intromete entre elas é… Portugal. Portugal é, aliás, a única "anomalia" desta tabela: sem surpresa surgem, nos dez primeiros lugares, alguns dos países mais ricos da Europa comunitária. Anómalo seria se os campeões das auto-estradas fossem os países mais pobres, que continuam a ter orçamentos muito limitados para todas as suas necessidades nas diversas áreas (saúde, educação, transportes, etc.) e tendo, por conseguinte, de orientar os seus insuficientes recursos para as despesas mais prioritárias.
O primeiro lugar da Espanha não deixa, ainda assim, de constituir um desvio (sobretudo pela diferença de números), não obstante estarmos a falar da quarta maior economia da União Europeia e do segundo maior país - cinco vezes e meia maior do que Portugal.
Impressionante, nos resultados obtidos, é a enorme disparidade entre os 27 países da União. Só os primeiros seis países da tabela estão acima da média europeia.
(continua)
Joana Ortigão
Artigos relacionados:
Os campeões das auto-estradas (1)
Os campeões das auto-estradas (2)
Os campeões das auto-estradas (3)
Os campeões das auto-estradas (5)
Os campeões das auto-estradas: Adenda 1 - Os novos países da UE
Os campeões das auto-estradas: Adenda 2 - O caso da Noruega
Fontes:
- tabela feita a partir de dados do INE / Eurostat
- artigo do economista Avelino de Jesus “O caso das auto-estradas portuguesas: a evidência do excesso de vias”
10 comentários:
Estou a gostar bastante desta série, e aqui fica mais um dado que fala por si:
The Global Competitiveness Report 2009–2010:
Portugal
- Quality of roads (9º- Portugal)
- Education expenditure (hard data) (27º-Portugal)
- Quality of the educational system (68º-Portugal)em 133 paises
- Quality of math and science education (104º- Portugal)em 133 paises
Não fica tudo dito?
Nuno, vê as coisas pelo lado positivo: ao menos num indicador estamos no Top Ten. :)
Há um problema nesta série de artigos:
Ao pegar num valor (kms de autoestrada) e dividi-lo por outro (área, população, riqueza) já se está a serializar os países pelo fator usado no quociente.
Comparar em seguida com uma tabela de serialização por esse mesmo fator não tem lógica nenhuma, é estar a fazer um índice de, por exemplo, "kms de autoestrada por (população ao quadrado)".
Depois de calcular "Portugal tem 292km de autoestrada por 10 000 km², e a Alemanha tem 354" já se isolou a quantidade de km de autoestrada do fator área; acrescentar "mas a Alemanha é muito maior que Portugal" é irrelevante.
Anónimo das 19:49, haverá com certeza vários «problemas» nesta série de artigos.
Quanto aos índices apresentados, não há duplicação nenhuma: eles estão correctos. O anónimo está a referir-se, não aos índices, mas sim às considerações que são feitas nestes três últimos artigos a seguir às tabelas.
Vamos a elas:
Artigo sobre a ponderação km de AE / área: quando me referi ao facto de Portugal alcançar a Alemanha no 4.º lugar e acrescentei as palavras “embora a Alemanha seja quatro vezes maior”, estas palavras estavam, obviamente, a mais. Foram eliminadas. Obrigada.
Neste artigo: na ponderação km de AE / PIB em valores absolutos, as comparações que são feitas são do tamanho dos países: “o gigante Canadá” e “o maior país da União Europeia”. Acho que faz sentido. Quanto maior for o país mais se justificam as auto-estradas.
Na ponderação km de AE / PIB per capita, o que quis dizer foi que é mais normal os lugares cimeiros da tabela serem ocupados pelos países mais ricos. Por outras palavras, mais estranho seria que os primeiros lugares fossem ocupados pelos países pobres, ou seja, que os países pobres gastassem, em termos relativos, mais em auto-estradas do que os países mais ricos. O facto de Portugal estar, no ratio AE / PIB, nos primeiros lugares da União Europeia também espantou há dois anos o economista citado neste artigo (Avelino de Jesus).
Referi, por outro lado, as seis “maiores economias” da UE e o facto de a Espanha ser a “quarta maior economia” da UE e o segundo maior país. Não é a mesma coisa que estar a comparar a riqueza dos países.
Já o último parágrafo do artigo é, de facto, equívoco: falava na enorme disparidade entre os 27, que apenas 6 países estavam acima da média europeia e a coisa não me saiu bem. Vou ver se reformulo.
Obrigada pela crítica, e se esta resposta não convencer, fico a aguardar uma réplica.
Eu sabia que não me devia meter nisto!
Joana,
acho que faria mais sentido ser divido por PIB. Os gastos em algo per capita (tipo educação) dependenderão da disponibilidade de cada cidadão. Em termos de km de autoestradas dependem da riqueza produzida pelo país todo.
O facto de virem no topo os países mais populosos (e não os países mais ricos), é prova disso mesmo.
MC, tive dúvidas, e daí ter feito os cálculos para as duas hipóteses. Na hipótese que tu consideras melhor, Portugal está em segundo e à beira de passar a estar à frente de todos os outros países da União Europeia e, fora da União, de ultrapassar mesmo o “campeão dos campeões” Canadá.
É verdade que se tivermos em conta o PIB em termos absolutos, estamos a considerar a capacidade económica do país para construir auto-estradas.
Mas continuo a achar que faz mais sentido recorrer ao PIB per capita. É com base neste indicador que se mede a riqueza relativa de cada país. Repara que o PIB se reflete diretamente no orçamento de estado de cada país. Considera, por exemplo, o caso da Dinamarca. Nós temos um PIB semelhante ao da Dinamarca em termos absolutos. Mas temos mais do dobro da população. Isto implica que do nosso orçamento de estado tenha (tendencialmente) de sair mais dinheiro para escolas, para hospitais, para ordenados dos funcionários públicos, para apoios sociais, etc., etc., etc., do que no caso da Dinamarca. A Dinamarca tem o mesmo PIB; mas tem uma parcela maior de riqueza disponível para construir auto-estradas…
Se o casal A e o casal B só tiverem rendimentos de trabalho [“contrapartida” daquilo que produzem] e tiverem exatamente os mesmos rendimentos, podes dizer que qualquer deles tem a mesma capacidade financeira (ou a falta dela) para comprar um bom automóvel. Mas se o casal A tiver 10 filhos para sustentar e o casal B não tiver um único, estamos a falar de realidades afinal muito diferentes. O casal B conseguirá eventualmente comprar o automóvel a pronto e o casal A terá de se endividar para o adquirir…
Joana,
é uma discussão quase irrelevante, porque tal como dizes Portugal está no topo em qualquer medida. Por isso gostei da tua série de posts porque diz mesmo: seja lá como queiram pôr as coisas, nós estamos no topo.
Deixa-me só pôr o meu ponto de outro modo simples: se amanhã a Espanha se dividisse ao meio, cada metade teria metade dos kms de AE, mas o mesmo PIB per capita. Ou seja as duas Espanhas caíram para o 5º lugar da tabela. Deste ponto de vista a posição no ranking é uma questão política.
Mas percebo o teu ponto, e concordo com a observação. O ideal seria fazer uma regressão (não linear) com as variáveis todas que usaste, e mostrar que Portugal estaria claramente acima da curva... :)
Mas cada uma das duas Espanhas também passaria a ter metade do PIB. Ou não? Esse argumento vale para os dois casos.
Paulo... claro que teriam metade do PIB, logo usando km/PIB as duas Espanhas ficariam na mesma posição do ranking, o ranking não seria político.
Agora o PIB/capita ficaria na mesma nas duas Espanhas...
Peço-lhe por favor que veja (e divulgue se entender) esta tabela sobre o tópico em apreço. Use à vontade.
Muito obrigado pela atenção
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