Os campeões das auto-estradas (1)

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Estávamos em 1944 quando Oliveira Salazar inaugurou a primeira auto-estrada portuguesa, entre Lisboa e o Estádio Nacional (hoje integrada na A5), com um total de 8 quilómetros. Sinais de modernidade num país então muito atrasado e muito pobre. Até ao fim da ditadura seriam ainda construídos pequenos troços de auto-estrada que hoje estão integrados na A28 (Porto-Caminha), na A3 (Porto-Valença), na A1 (Lisboa-Porto) e na A2 (Lisboa-Algarve).

Nos anos 70 e princípios dos anos 80, quando o mundo atravessou duas grandes crises petrolíferas, que afetaram gravemente o nosso país, poucos quilómetros de auto-estrada se construiram.

A febre das auto-estradas iniciou-se com a chegada de Cavaco Silva ao poder (final de 1985), que coincidiu com o início da entrada em Portugal dos fundos milionários da União Europeia e com a baixa do preço do petróleo para níveis históricos. A história é conhecida, mas não deixa de ser impressionante. No ano anterior (1984), havia em Portugal cerca de 160 km de auto-estradas. Em cinco anos (1985-1990), a rede de auto-estradas praticamente duplicou, chegando aos 316 km em 1990. Mais cinco anos passaram e este número mais do que duplicou (crescimento de 117% ou 371 km), passando para 687 km em 1995, ano em que Cavaco Silva abandonou o poder, mas não sem deixar mais projetos de auto-estradas em execução, que o seu sucessor António Guterres prosseguiu, ao mesmo tempo que lançava novos projetos: nos 5 anos seguintes (1995-2000), a rede de auto-estradas voltaria a mais do que duplicar (aumento de 116% ou 795 km), para se fixar nos 1 482 km em 2000. Entre 2000 e 2005, sendo primeiros-ministros, sucessivamente, António Guterres, Durão Barroso e Santana Lopes, registou-se um crescimento de 58% (859 km), atingindo a rede os 2 341 km. Entre 2005 e 2010, já com José Sócrates no poder, o número de quilómetros de auto-estrada cresceu a um ritmo mais moderado: 17% (390 km de novas auto-estradas). Haverá hoje em Portugal 2 731 km de auto-estradas [isto de acordo com os critérios oficiais, porque o número real será superior a este: ver adiante].

Mas a rede continua a crescer. Em construção estão, neste momento, pelo menos 422 km de auto-estradas (no âmbito das concessões Litoral Oeste, Baixo Alentejo, Baixo Tejo, Transmontana, Douro Interior e Douro Litoral; há mais auto-estradas em construção além destas, como por exemplo a CRIL e algumas variantes com esse perfil), a que acrescem 68 km com adjudicação para breve (auto-estrada Coimbra-Viseu) e a que se juntarão, em princípio, pelo menos mais 116 km de auto-estradas (no âmbito da concessão Centro, e que o Estado decidiu, para já, “reavaliar” antes de decidir prosseguir com a adjudicação; há ainda outras auto-estradas com projeto aprovado mas adjudicação suspensa, como a auto-estrada de 34 km entre Abrantes e Ponte de Sor).

Entre 1990 e 2008, a rede portuguesa de auto-estradas cresceu uns impressionantes 752%, crescimento este que na União Europeia só foi superado pela Irlanda, que no mesmo período viu a sua rede de auto-estradas aumentar 2 210% (de 26 km em 1990 para 601 km em 2008 - ainda que cerca de metade destes quilómetros de auto-estrada tenham resultado de requalificação de estradas que já existiam). Na União Europeia, Grécia (481 %), Finlândia (228%), Hungria (221%), Eslovénia (205%) e Polónia (198%) foram os outros países cujas redes mais cresceram no mesmo período. Enquanto países como a Bélgica, a Alemanha, a Itália, a Holanda, a Áustria ou o Reino Unido registaram baixos crescimentos nas suas redes nos últimos 20 anos, há ainda casos singulares como o da Lituânia, cuja rede de auto-estradas diminuiu 27% desde 1990.

Em termos absolutos, nestas últimas (cerca de) duas décadas (1990-2008), 23 dos outros 26 países da União Europeia tiveram crescimentos da rede de auto-estradas inferiores a 1 000 km (as únicas exceções foram França, Espanha e Alemanha, três dos quatro maiores países da UE); 21 países tiveram crescimentos inferiores a 600 km; em 17 países (ou seja, mais de metade dos países da União) a rede cresceu menos de 500 km; e 10 países construiram menos de 200 km de auto-estrada. Em Portugal, construiram-se 2 377 km.

Estas variações têm, no entanto, de ser lidas com cautela, porque países como Portugal ou a Irlanda tinham, em 1990, uma rede pequena (mínima no caso da Irlanda), enquanto outros países da União já tinham construído o essencial das suas redes.

Olhemos então para a tabela das 10 maiores redes de auto-estrada da União Europeia em 2008 [são de 2008 os últimos dados comparativos disponíveis a nível oficial]:
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Notas:
1 - O número real referente a Portugal será superior ao apontado pelo INE e pelo Eurostat: em 2008, a rede teria já 2 860 km de auto-estradas. Os critérios oficiais deixam, porém, de fora algumas estradas com perfil de auto-estrada, como por exemplo as auto-estradas da ilha de São Miguel. Uma vez que estamos a fazer uma análise comparativa entre os 27 países da União, é imperioso fazer a comparação de acordo com um critério uniforme, e daí não mexermos no número oficial.
2 - Os números referentes à Grécia, à França, à Hungria e à Holanda são relativos a 2007. Tanto quanto conseguimos apurar, não houve, porém, alterações em 2008.
3 - Dois países da União Europeia não têm auto-estradas: Letónia e Malta.


Se estes números são significativos, é preciso, no entanto, ter em conta que estamos a comparar países muito diferentes. Por exemplo, se é verdade que temos 20 vezes mais quilómetros de auto-estrada do que o rico Luxemburgo, também não devemos esquecer que o Luxemburgo é muito mais pequeno do que Portugal.

Daí que, para se fazer uma comparação séria entre os 27 países da União Europeia, seja necessário introduzir fatores de ponderação.

Que fatores devam ser esses é coisa que não é fácil determinar, mas há pelo menos três que serão mais consensuais.

(continua)

Joana Ortigão


Artigos relacionados:
Os campeões das auto-estradas  (2)
Os campeões das auto-estradas  (3)
Os campeões das auto-estradas  (4)
Os campeões das auto-estradas  (5)
Os campeões das auto-estradas: Adenda 1 - Os novos países da UE
Os campeões das auto-estradas: Adenda 2 - O caso da Noruega

Fontes:
- Eurostat
- INE
- mapas antigos de Portugal 

4 comentários:

Paulo disse...

Viva.

Parabéns pelo artigo.
Aproveito para referir que nem todas as concessões rodoviárias possuem perfil de auto-estrada. Por exemplo, a concessão Litoral Oeste, nomeadamente o IC9, troço Tomar - Nazaré, não possui perfil de auto-estrada. Por isso convém especificar.

Paralelamente ao aumento do nº de quilómetros de auto-estrada deu-se uma diminuição do nº de quilómetros de ferrovia. Não deixa de ser sintomático. Seria interessante aprofundar esta comparação.

Paulo Fonseca

A Nossa Terrinha disse...

Paulo, os 422 quilómetros referidos no artigo como estando em construção não são o total de quilómetros das concessões, mas sim apenas os troços com perfil de auto-estrada: 130 (transmontana) + 19 (litoral oeste) + 95 (baixo alentejo) + 22 (baixo tejo) + 11 (douro interior) + 65 (douro litoral) + 80 (pinhal interior).
Os 116 km referidos da concessão Centro também só abrangem os troços de auto-estrada: um troço de 55 km no IC2, um troço de 47 km no IC12 e um troço de 14 km entre o IC2 e Aveiro.
Os quilómetros de estradas abrangidos por estas concessões são muitos mais, mas neste artigo só nos interessam as auto-estradas.

Quanto à comparação com a ferrovia, não será, obviamente, esquecida...

Nuno disse...

Aguardo pelos factores de ponderação.
Espero que tenham em conta factores como a área total do país, a população, a existência de grandes aglomerados urbanos (vs. população dipersa por todo o território) e o relevo do país.

Vendo os dados desta forma, parece rídiculo Portugal estar em 6° lugar, mas se pensar em alguns dos factores que descrevi até faz algum sentido.

Não quero afirmar que acho correcto termos tantos kms de auto-estrada...
Mas é um facto que deviamos apostar mais em vias férreas.

A Nossa Terrinha disse...

Nuno, mais adiante não deixarei de frisar que é impossível reduzir tudo a números e que qualquer classificação está muito longe de ser perfeita. As nossas divagações sobre estes números e mais concretamente sobre a realidade portuguesa serão também deixadas para depois da publicação integral deste artigo.