Linha de Cascais 2011-2015

I
O que aconteceu na Linha de Cascais nos últimos 4 anos foi mais do que uma mera alteração de horários, com supressão de ligações diárias, encurtamento das horas de ponta, viagens mais lentas, mais transbordos nas horas de ponta, etc. A Linha de Cascais tinha um invejável sistema de gestão de circulação de comboios, que permitia que, com apenas duas vias, a maior parte das ligações diárias fossem asseguradas por comboios rápidos – sem prejuízo para os passageiros dos apeadeiros não servidos por esses comboios. Um sistema que permitia compensar a maior distância de trajeto pela maior rapidez dos comboios a fazer esse trajeto. Este sistema foi estupidamente desmantelado nos últimos 4 anos. Com prejuízo da qualidade de serviço. Que, paradoxalmente, é hoje muito mais caro. Depois da mais recente alteração de horários na Linha de Cascais (2015), justificava-se publicarmos uma atualização, revista e um pouco aumentada, de artigo publicado no blogue há alguns anos. Ei-la:

Evolução entre 2011 e 2015 nos comboios da Linha de Cascais:

1) Entre 2011 e 2015, a Linha de Cascais perdeu um quarto das ligações diárias: havia 268 ligações por dia em 2011, hoje há 204 (102 em cada sentido). Em média, há menos 3 comboios por hora do que em 2011.

2) Em 2011, a maior parte das ligações diárias eram rápidas, fruto de uma gestão inteligente dos horários, face ao número limitado de linhas (uma via em cada sentido). Era um dos aspetos mais positivos da Linha de Cascais.
A mudança verificada nestes 4 anos foi grande: em 2015, perto de 70% das ligações diárias são lentas (comboios que param em todas) e os comboios rápidos estão hoje reduzidos a menos de um terço das ligações.

3) Foram suprimidos todos os comboios rápidos que circulavam nas horas de ponta entre S. Pedro do Estoril e Lisboa.

4) Fora das horas de ponta, entre as 10h e as 17h, havia, em 2011, comboios rápidos de 20 em 20 minutos. Em 2015, não há um único.

5) Não houve apenas uma grande diminuição do número de comboios rápidos: exclusivamente em consequência das mudanças feitas, os rápidos que ainda existem passaram a parar em mais estações, sendo, pois, menos rápidos em 2015 do que em 2011.

6) As alterações feitas conduziram à necessidade de, nas horas de ponta, o passageiro mudar de comboio em trajetos onde esse transbordo não existia antes, também em prejuízo da qualidade do serviço.

7) O número de comboios diários que servem as estações de Cascais, Monte do Estoril, Estoril e S. João do Estoril aumentou, de 125 em 2011 para 138 em 2015 (69 em cada sentido). Ou seja, há mais 13 ligações por dia.
Mas a qualidade de serviço piorou. Em 2011, dos comboios que serviam estas quatro estações, a esmagadora maioria (81%) eram comboios rápidos, compensando assim a maior distância para Lisboa. Em 2015, a realidade é muito diferente: a maior parte dos comboios que servem essas quatro estações são comboios lentos (param em todas). O que significa que, para um grande número de ligações, os tempos de viagem aumentaram.   
A viagem mais rápida entre Lisboa (Cais do Sodré) e Cascais (26 km) demora, em 2015, 33 minutos - mais 1 minuto do que há 30 anos, mais 5 minutos do que há 60 anos.
 
8) O número de comboios a circular entre Lisboa e S. Pedro do Estoril / Parede / Carcavelos diminuiu de 166 em 2011 para 138 em 2015. Com a agravante de a qualidade de serviço ter piorado: em 2011, quase todos os comboios (perto de 90%) que serviam essas três estações eram comboios rápidos; em 2015, a maioria das ligações são lentas. Também aqui, os tempos de viagem aumentaram.
Entre Lisboa (Santos) e S. Pedro (20 km), por exemplo, as viagens mais rápidas passaram de 24 min para 30 min, o equivalente a uma regressão de 60 anos.

9) O número de comboios diários a servir a estação de Oeiras também diminuiu: de 268 para 204 (hoje são 102 em cada sentido). Também com pior qualidade de serviço: em 2011, a maior parte dos comboios eram rápidos; em 2015, mais de dois terços dos comboios são lentos.

10) As estações de Paço de Arcos e de Lisboa (Santos) não só viram perder 29 comboios por dia (de 167 em 2011 para 138 em 2015), como deixaram de ser servidas por qualquer comboio rápido (em 2011, um em cada 4 comboios que paravam nestas estações era rápido).
Em 2011, as viagens mais rápidas entre Lisboa (Cais do Sodré) e Paço de Arcos (13 km) demoravam 14 minutos. Em 2015, demoram 19 minutos. Mais do que há 30 anos.

11) Os 4 apeadeiros entre Oeiras e Alcântara (Santo Amaro, Caxias, Cruz Quebrada e Lisboa-Belém) tiveram sorte diferente. Os utentes destes quatro apeadeiros estão hoje um pouco mais bem servidos em matéria de número de ligações: viram aumentar o número de comboios diários de 126 para 138. E sem perdas nos tempos de percurso nas ligações diretas; já nas ligações com transbordo, os tempos de viagem aumentaram na medida em que os comboios rápidos diminuíram drasticamente.

12) As estações de Lisboa (Alcântara-Mar) e de Algés perderam 64 comboios por dia e perderam mais de metade dos 142 comboios rápidos que paravam nessas estações em 2011.

13) Na estação de Lisboa - Cais do Sodré, além de diminuição idêntica do número de comboios e do número de comboios rápidos, os tempos de espera por um comboio aumentaram para o dobro entre as 10h e as 17h: de 10 minutos para 20 minutos. Em muitos casos, espera-se mais tempo pelo comboio do que a duração da viagem.

14) A hora de ponta encurtou, quer de manhã, quer ao final do dia. Começava às 6:30h em 2011, começa às 6:52h em 2015; acabava às 21:10h em 2011, acaba às 20:24h em 2015.

15) O número de comboios a circular na hora de ponta diminuiu de 2011 para 2015. A frequência de comboios na hora de ponta não piorou, contudo, em todas as estações. O intervalo médio entre comboios aumentou nas estações de Lisboa (Cais do Sodré), Lisboa (Santos), Lisboa (Alcântara), Algés, Oeiras, Paço de Arcos e São Pedro do Estoril, mas diminuiu 3 minutos nas restantes estações.

16) O Índice de Pontualidade (*) dos comboios suburbanos de Cascais tem vindo a descer todos os anos. Foi de 94,2% em 2011, e de 90,5% em 2014. É de notar que, de todos os serviços suburbanos do país, o da Linha de Cascais é o único que é prestado numa linha sem conexão com o resto da rede e onde não circulam mais comboios além dos suburbanos. A permeabilidade a atrasos de outras linhas é nula.
(*) Considera-se “pontual” o comboio suburbano que leva até 3 minutos de atraso em relação à tabela horária.

17) A modernização da Linha de Cascais, já necessária há quatro anos, continua por fazer. O material circulante está obsoleto, é, de longe, o de pior qualidade de todos os comboios urbanos portugueses e continua carecido de renovação.  

18) A CP, empresa cada vez menos transparente, deixou, há alguns anos, de divulgar o número de passageiros transportados em cada linha suburbana, pelo que não é conhecida a evolução recente da procura na Linha de Cascais. 

Nota: as comparações de horários feitas neste artigo referem-se aos dias úteis. Nos fins-de-semana, a situação quase não se alterou nestes 4 anos. Com exceção da eliminação, em 2011, do serviço "Lisboa à Noite" (nas madrugadas de sábados, domingos e feriados). 

[Este artigo é uma versão revista, atualizada e aumentada de artigo publicado neste blogue há alguns anos, que tem em conta a alteração posterior dos horários]

Fotografia daqui: https://www.flickr.com/photos/talvesmiranda/5860754489/
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2 comentários:

nm disse...

Olá, bela análise e artigo: verdadeiro serviço de informação pública.
Aproveito também para deixar o link para a fotografia utilizada: https://www.flickr.com/photos/talvesmiranda/5860754489/

Relativamente ao "remédio" para os problemas (graves) de um eixo ferroviário urbano tão importante como a Linha de Cascais, só há um: a CP ter cabimentada (via Orçamento de Estado) a verba necessária para adquirir material circulante do século XXI.
Tal, provavelmente, também acontecerá com a concessão do serviço a privados (tal como desejado por este Governo de génios que nos tem massacrado nos últimos anos), mas à custa de um aumento das tarifas "à la" Fertagus...

Joao disse...

É uma vergonha a gestão por parte do operador CP nas diversas áreas da sua (in)competência.

Infelizmente desde que Cavaco Silva assumiu-se como primeiro ministro nos anos 90, ficou determinado a acabar com a ferrovia e obrigar toda a gente andar de automóvel... a política continua a mesma... primeiro torna-se o comboio inútil para as necessidades dos clientes e depois acaba-se com ele com a desculpa da falta de procura... mesmo que os autocarros que passam ao lado tenham visto um aumento de procura ao mesmo tempo que o comboio perde clientes...
... sim as pessoas usam o automóvel... mas as estradas estão tão congestionadas que muitos só o utilizam porque os comboios não dão resposta face às necessidades.