Acidentes de viação: o que podemos aprender com eles? [1]

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Estacionamento antes de uma passadeira
Velocidade dentro de uma localidade
Atropelamento de criança
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Se sairmos à rua numa vila ou cidade portuguesa, em poucos minutos constataremos que uma grande quantidade de automobilistas estacionam os seus veículos imediatamente antes do traço branco que antecede uma passadeira, talvez por pensarem erroneamente que esse traço marca o limite até ao qual se pode estacionar. Estacionar a menos de 5 metros (antes) de uma passagem de peões, além de ser proibido (art.º 49.º do Código da Estrada), é perigoso. Aumenta o risco de atropelamento. A proibição legal existe precisamente porque um veículo parado ou estacionado a menos de 5 metros de uma passagem de peões impede ou dificulta a visibilidade do automobilista que circule na faixa de rodagem, não permitindo que este veja, com a antecedência mínima necessária, um peão a iniciar o atravessamento da faixa de rodagem. E a visibilidade do peão que inicia essa travessia fica também afetada, não conseguindo ver os automóveis a aproximar-se. Quando o peão é uma criança ou uma pessoa de baixa estatura, o risco de atropelamento é significativamente acrescido.
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Se um automobilista atropelar um peão nestas circunstâncias, poderá invocar que não é responsável, por não ter conseguido ver o peão, graças ao automóvel ilegalmente estacionado a menos de 5 metros da passadeira?
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O Miguel estava no início da adolescência quando foi atropelado, em 1998. Além de estudar, praticava halterofilia e já tinha disputado várias provas nacionais de juvenis. Preparava-se para participar num campeonato europeu, que iria ter lugar em Abril desse ano, bem como no campeonato regional de juvenis, em Maio.
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Uma tarde de Fevereiro de 1998, cerca das 19:30h, a Sofia conduzia o seu automóvel numa rua de Sacavém [a rua mostrada nesta imagem de satélite], à velocidade de 50 km/h e no sentido indicado pelas setas amarelas. O Miguel, que estava a brincar às escondidas com os amigos, começou a atravessar a rua, na passadeira [a andar, não a correr]. Não viu o carro da Sofia a aproximar-se, porque havia um automóvel estacionado a menos de 5 metros da passadeira (até ao tal traço branco), que lhe tapava a visibilidade. Também por causa desse automóvel, a Sofia só viu o Miguel a atravessar a passadeira quando o carro que conduzia já só estava a 5 metros de distância. Antes mesmo de a Sofia conseguir pôr o pé no travão, já estava a atropelar o Miguel, que foi projetado no ar e caiu uns metros mais à frente.
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Num atropelamento à velocidade de 50 km/h, a probabilidade de o peão morrer é de 40%. O Miguel sobreviveu. Foi submetido a uma intervenção cirúrgica para tratamento de fraturas dos ossos da perna direita. Esteve imobilizado durante algum tempo e passou depois a andar com o auxílio de canadianas. Disse adeus aos campeonatos. Na escola, chumbou esse ano letivo. E as marcas do acidente ficarão para o resto da vida: o Miguel ficou com a perna direita mais curta do que a esquerda, com uma limitação de movimentos de flexão num dos joelhos e com várias cicatrizes na cara e nos membros, mesmo após cirurgia plástica.
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Na confusão e na aflição que se seguiu ao acidente, ninguém se lembrou de anotar a matrícula do automóvel mal estacionado. A Sofia não assumiu a responsabilidade pelo acidente, invocando que lhe era impossível ver o Miguel a atravessar a rua por causa do veículo estacionado antes da passadeira, e que o Miguel só devia ter atravessado depois de se certificar de que não vinha nenhum carro. Ainda por cima, dizia a Sofia, conduzia a 50 km/h, e portanto circulava dentro do limite legal de velocidade (limite máximo dentro das localidades).
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O caso foi para tribunal. Os juízes analisaram as circunstâncias em que se deu o acidente e concluíram que se “compreende” que, dada a falta de visibilidade, a criança tenha surgido subitamente a 5 metros de distância e que a Sofia nem sequer tenha tido tempo de travar. Mas acrescentaram: “compreender” porque é que o acidente se deu não significa que a Sofia não tenha culpa no acidente. E atribuíram à Sofia 70% da responsabilidade pelo atropelamento. E porquê?
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A Sofia, apesar de circular a 50 km/h, conduzia a uma velocidade claramente excessiva. Por três razões:
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Em 1.º lugar, o limite máximo de velocidade dentro das localidades (50 km/h) não significa que em todas e quaisquer circunstâncias se possa circular a essa velocidade. Se é essa a velocidade “máxima”, isso significa que só é admissível circular a 50 km/h dentro de uma localidade quando as circunstâncias forem as melhores, designadamente: de dia; com pouca gente na via pública; com o piso seco e em bom estado; com tráfego muito reduzido; com visibilidade excelente.
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Em 2.º lugar, não se pode, dentro de uma localidade, circular a 50 km/h à aproximação de uma passagem de peões. O art.º 25.º, n.º 1 do Código da Estrada é muito claro: o condutor deve “moderar especialmente” a velocidade à aproximação de passagens assinaladas na faixa de rodagem para a travessia de peões. Se a velocidade máxima dentro das povoações é de 50 km/h, mas se à aproximação das passagens de peões a velocidade deve ser “especialmente moderada”, é forçoso concluir que não se pode conduzir a 50 km/h à aproximação de uma passadeira: a velocidade tem de ser necessariamente inferior. Ainda para mais, a Sofia, antes de atropelar o Miguel, já tinha passado uma outra passadeira, poucos metros antes (ver a imagem de satélite acima) – e mesmo assim circulava a 50 km/h.
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Em 3.º lugar, o art.º 24.º, n.º 1 do Código da Estrada obriga o condutor a reduzir a velocidade sempre que ocorra uma circunstância especialmente relevante que o imponha. Ora a Sofia, ao aproximar-se de uma passadeira, e percebendo que a visibilidade sobre esta estava afetada devido à presença do veículo mal estacionado, não podia deixar de ter redobradas cautelas. Circular a uma velocidade de 50 km/h, numa circunstância dessas, é praticar uma condução irresponsável e perigosa. E o resultado ficou à vista: só a 5 metros da passadeira é que a Sofia conseguiu ver o Miguel a atravessá-la e, à velocidade exagerada a que ia, já não era possível travar e evitar o atropelamento.
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A Sofia foi, por isso, condenada pelo tribunal, condenação que incluiu uma indemnização pelos danos morais sofridos pelo Miguel (por exemplo, pelas sequelas do acidente e pelas enormes dores sofridas).
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Apesar de tudo, este caso podia ter tido um desfecho bem mais trágico. Se, num acidente destes, a probabilidade de o peão morrer era de 40%, muito superior era a probabilidade de o Miguel ficar incapacitado para o resto da vida.
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O que é que podemos aprender com este acidente?
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Velocidade
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Primeiro: que numa situação destas o condutor deve aproximar-se da passadeira a uma velocidade muito reduzida. É impensável fazê-lo a 50 km/h e muito menos achar que o “cumprimento” do limite legal o absolve de toda a culpa.
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Esta ilustração da prevenção rodoviária ajuda a perceber o que significa conduzir a 50 km/h numa rua de uma localidade:
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Perante a necessidade de uma paragem de emergência, o condutor tipicamente demora 1,2 segundos até colocar o pé no travão. Nesse pequeníssimo instante, o carro, se circular à velocidade de 50 km/h, percorre nada mais nada menos do que 17 metros! Depois de o condutor colocar o pé no travão, o carro só se imobilizará 12 metros depois (se o piso estiver seco; se estiver molhado, há que contar com 22 metros). Ou seja, à velocidade de 50 km/h, o condutor só conseguirá travar, na melhor das hipóteses, 29 metros depois (ou 39 metros se o piso estiver molhado).
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Não é, pois, difícil perceber que, além de não se poder conduzir a 50 km/h à aproximação de uma passadeira, a velocidade deve ser muito mais reduzida ainda quando há um veículo a cortar a visibilidade sobre o início da passadeira. Numa circunstância dessas, continuar, com total indiferença, a circular a 50 km/h ou mesmo a 30 ou 40 km/h é conduzir de forma negligente e perigosa. Como referiram os juízes neste caso, se o risco de acidente é maior, muito maior terá de ser o cuidado empregue na condução.
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Isto choca-o? Parece-lhe ridículo? Releia este caso e pense nisso... E pense também nisto: se conduzir numa rua alagada, ou com gelo, e as circunstâncias aconselharem a circular muito devagar, para evitar um acidente do qual possa ser vítima, o que é que fará?...
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Num estudo realizado há alguns anos por alunos finalistas da Faculdade de Ciências Médicas de Lisboa, e que implicou a observação de mais de três mil condutores em passadeiras junto a paragens de autocarro e em avenidas residenciais e comerciais de muito movimento (na zona de Alvalade, em Lisboa), concluiu-se que os automobilistas passavam por uma das passadeiras, em média, à velocidade de 60 km/h... Trata-se apenas de uma média e, portanto, muitos automobilistas passaram a uma velocidade muito mais elevada: a velocidade máxima registada foi de 126 km/h...
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Estacionamento antes de uma passadeira
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Segundo: é perigoso estacionar um veículo a menos de 5 metros de uma passadeira (e, se o veículo for mais alto do que o normal, como um jipe ou um monovolume, é altamente aconselhável guardar uma distância superior a essa). Este caso mostra que o risco de atropelamento é real e que as consequências podem ser graves.
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Neste caso, o condutor que deixou o seu veículo mal estacionado não foi chamado à responsabilidade, porque ninguém se lembrou de anotar a respetiva matrícula. Mas podia ser corresponsabilizado pelo acidente: um automobilista que deixa o carro ilegalmente estacionado pode ser responsabilizado por um acidente de viação (atropelamento ou outro) no qual não interveio.
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Atropelamento de criança
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O condutor de um automóvel não pode esperar de uma criança o comportamento que se espera de um peão adulto. Além de não terem tirado a carta de condução e de não conhecerem o Código da Estrada, as crianças são naturalmente inexperientes e imprudentes e têm uma noção reduzida do perigo e das distâncias. Por outro lado, além de não ser legítimo esperar que crianças mais velhas só estejam na rua acompanhadas dos seus pais e de mão dada a estes, também não se pode confiar em que as crianças mais pequenas só circulem na rua de mão dada aos pais, não só porque há progenitores mais imprudentes, mas também porque há inúmeras circunstâncias em que é perfeitamente natural que isso não suceda (pense-se, por exemplo, numa mãe com quatro filhos pequenos - continua a ter apenas duas mãos - ou num grupo de 20 crianças em passeio escolar, em que por regra não há mais de dois ou três adultos encarregados de os vigiar, e isto só para citar dois exemplos). De resto, a eventual corresponsabilização dos pais, quando deva ocorrer, não implica que o condutor de um automóvel que atropele uma criança seja ilibado: as culpas serão, quando muito, repartidas, mas o automobilista continua a ser responsável pelo acidente (salvo em casos muito excecionais).
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Lembre-se de tudo isto quando conduzir dentro de uma localidade e não pense que o limite máximo de velocidade de 50 km/h (caso não haja no local limite inferior aplicável) constitui uma autorização legal automática para conduzir a essa velocidade máxima.
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Joana Ortigão
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Notas adicionais:

1 - Os nomes utilizados neste texto são fictícios. O caso é verdadeiro.
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2 - Como se pode ver na fotografia aérea acima mostrada, relativa à rua onde ocorreu o atropelamento e registada anos depois deste, os veículos continuam a estacionar ali a menos de 5 metros das passadeiras...
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3 - Os artigos citados são os do atual Código da Estrada, depois das alterações de 2005. As regras anteriores eram idênticas (mas os artigos tinham números diferentes).
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Agradecimentos:
- Elsa (pesquisa e esclarecimentos)
- Marta (edição de imagem)
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O gráfico de velocidade foi retirado dos simuladores da Prevenção Rodoviária Portuguesa.
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Sobre este assunto, ver, neste blogue:
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- estacionamento antes das passadeiras um, dois e três
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- estacionamento ilegal autorizado dois, três, quatro, cinco, seis, sete, oito... (as próprias autoridades, por este país fora, criam ilegalmente lugares de estacionamento a menos de 5 metros das passadeiras, em prejuízo da segurança rodoviária). Se isso sucede na sua zona de residência, não cruze os braços: RECLAME à sua autarquia e ameace com uma queixa-crime contra os autarcas se ocorrer um atropelamento grave nestas circunstâncias.
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- Limite de velocidade dentro das localidades

Sobre esta série de artigos: Acidentes de viação: o que podemos aprender com eles [Introdução]
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Publicado originariamente no blogue em Novembro de 2011, sendo em grande parte uma reprodução de artigo que tinha sido publicado no blogue em 2010.
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22 comentários:

Jorge F. disse...

Perfeito.

Pedro M. Fonseca disse...

Está tudo muito bem dito, falta que a polícia comece a multar quem não cumpre com a dita regra. Mas, se não multam quem estaciona em cima do passeio, tenho poucas esperanças.

Eu ando de mota na cidade de Lisboa e tenho uma percepção muito diferente de 97% dos automobilistas, que em muitas zonas me perseguem a poucos metros de distância com a sua máquina, tentando pressionar-me para andar mais depressa. Porém, tenho um princípio na mota: Qualquer acidente está fora de questão, porque não interessam as culpas, eu é que sofro sempre no fim. Portanto, conduzo à velocidade adequada a prevenir problemas. Não se pense que ando "a empatar", mas efectivamente em zonas como as descritas, andar a mais de 40km/h é perigoso. Não desacelerar na passagem por passadeiras, igualmente. E eu tenho uma vantagem em relação ao automóvel: nas passadeiras, desvio-me para o meio da estrada, dando-me mais ângulo de visão e antecipar se alguém se prepara para atravessar.

A minha regra de ouro é: "e se uma criança resolver (não interessa o motivo) atravessar a estrada neste preciso instante, eu consigo evitar o acidente?".

O comportamento dos condutores é o que é, porque estão num tanque de guerra, em comparação com um peão. Como sabem não haver risco para si, o problema aqui descrito nem sequer lhes passa pela cabeça.

Aliás, este não é um problema exclusivo das passadeiras. Na rua onde moro e que é exclusivamente residencial, é comum haver quem acelere a 50Km/h ou mais, quando a probabilidade de haver alguém distraído a sair de entre dois carros a curta distância é real.

Temos, em suma, um caminho gigantesco a percorrer neste assunto, e a vossa contribuição é totalmente louvável. Seria preciso que, por exemplo, a polícia decidisse fazer cumprir a lei, o que num estado como o nosso parece ser coisa complicada.

Maquiavel disse...

Vi nos países nórdicos que häo muitas passadeiras niveladas com a altura do passeio. É muito normal em zonas residenciais.
Na Suécia chegam ao ponto de alargar o passeio à totalidade da faixa do lado contrário às paragens de autocarro: se o autocarro pára, quem vem de frente também pára, e só pode seguir quando o autocarro for embora.

Mas também notei outra coisa: é que nada disso é preciso, que eles param mesmo nas passadeiras. No Norte da Alemanha achei interessante que as passadeiras *nem estavam marcadas*, mas bastava que eu parasse onde o passeio abaixa, os automobilistas paravam. Dizer isto em Portugal parece que estou a gozar com o pagode, mas näo.

Joao disse...

Em Portugal antes bastava estar parado, ao pé da passadeira, que tinha de se parar, mas depois mudaram a lei, porque há muita gente que fica para ao pé da passadeira e não sai dali porque não está para aí virada, e então parece que a lei mudou, e o peão só tem prioridade se colocar o pé na estrada.

O máximo a que se deveria poder circular nas cidades em zonas onde os peões possam circular (que é basicamente em quase todo o lado) a velocidade máxima devia ser aí 10 Km/h. Agora convencer alguém disso? Não estou a ver ninguém que cumprisse, a menos que a estrada seja feita por crateras que possam estragar as suas belas suspensões.

Para além do estacionamento a menos de 5 metros... já para não falar daquelas passadeiras que atravessam o estacionamento em si com os carros lá... ainda há as árvores e outros similares que bloqueiam a vista por completo.

Só funcionava com a chamada tolerância zero, como houve em tempos em algumas zonas do país, e resultou, mas a pressão de alguns ricos e políticos acabou com isso... e lá voltaram os acidentes em larga escala.

Luís Lavoura disse...

Dado que as crianças são, tipicamente, mais baixas do que um carro, elas não são visíveis por trás de um carro que esteja estacionado.
De onde se depreende que, se um automóvel estiver estacionado a 5 metros de uma passadeira, um condutor só verá a criança a começar a atravessar para aí uns sete metros antes de estar em cima dela.
Se o tempo de reação do condutor fôr 1,2 segundos, esses 7 metros correspondem a uma velocidade de 20 km/h.
Ou seja, o condutor só tem tempo de travar se fôr a 20 km/h.
Pergunto: será realista esperar que, numa cidade, os condutores circulem a 20 km/h à aproximação de todas as passadeiras, quando se sabe que há muitas vias largas e de grande tráfego que atravessam a cidade?
E como ficaria o tráfego da cidade, se todos os condutores circulassem a 20 km/h à aproximação de todas as passadeiras?
Ou seja: mesmo concedendo os tais 5 metros de estacionamento proibido antes de uma passadeira, essa passadeira só será segura para crianças se os automobilistas todos circularem a 20 km/h antes dela. O que me parece deveras irrealista.
(Por "passadeira" entendo neste comentário uma que não esteja protegida por um semáforo.)

Cátia Vanessa disse...

Lá vem o LL e os seus disparates!

Mesmo que algo pareça irrealista, não quer dizer que esteja errado. E se para se evitar acidentes como o descrito no artigo, for necessário todos os carros circularem a 20km/h, então é isso que deveria acontecer. À sua pergunta sobre o estado tráfego a 20km/h, estou certo que ficaria muito melhor. Haveria menos carros e, tendo em conta que, em circuito urbano, a velocidade média de um carro é inferior a esses 20 km/h, a diferença nos tempos de deslocação não seria muito pior.

Eu não conduzo automóveis, mas quando circulo de bicicleta em zonas onde há peões (como algumas ciclovias sobre os passeios) e, principalmente, se vejo crianças, redobro o meu cuidado e, normalmente, só passo pela criança se os pais já a seguraram ou, se tenho espaço para me afastar muito dela. E que passo a velocidades inferiores a 10km/h. E estou a falar de uma bicicleta que, mesmo comigo em cima, dificilmente provocará danos comparáveis aos que provoca um automóvel.

Esperemos que nunca lhe aconteça a si mas, imagine a seguinte situação. Um dia, um dos seus filhos vai no passeio e um cão, por detrás de um portão, ladra-lhe. O seu filho assusta-se e foge para a estrada. Um carro que se deslocava a 50km/h atropela-o. O Luís vai achar que devia passear o seu filho com uma trela, ou que aquele condutor devia ir mais devagar numa zona onde há passeios, e esses passeios têm peões, e alguns desses peões podem ser crianças com atitudes inesperadas?

RF

asmelhoresfrancesinhas disse...

"À sua pergunta sobre o estado tráfego a 20km/h, estou certo que ficaria muito melhor. Haveria menos carros e, tendo em conta que, em circuito urbano, a velocidade média de um carro é inferior a esses 20 km/h, a diferença nos tempos de deslocação não seria muito pior."

Exactamente bicicleta.
Se todos os carros andassem a uma velocidade constante relativamente reduzida o tráfego melhorava imensamente. A situação actual de ter veículos a velocidades absolutamente díspares dá cabo da capacidade de uma via e cria congestionamento onde ele não devia existir. É muito mais eficiente ter veículos todos com uma velocidade semelhante e uniforme a circular a uma velocidade baixa.
Uma velocidade constante significava ainda menos para-arranca, menos combustível desperdiçado, menos travagens a fundo, menos acidentes, quase eliminação das vítimas mortais (a 20 km/h mesmo em caso de atropelamento o número de pessoas que sobrevivem é elevadíssimo, não é 100% mas quase), etc., etc. O único inconveniente que vejo, seria o facto de para algumas (poucas) viagens o tempo de percurso poder ser ligeiramente mais elevado.
Ah, e depois há aquele pequeno pormenor de o Código da Estrada obrigar a que se for necessário circular a 20 km/h para se andar em segurança (e isto tem inclui uma criança fazer-se à estrada repentinamente) é isso que se tem que fazer.

Pedro Soares Martins disse...

joana,
Tem de haver uma maior responsabilização das crianças ou dos pais das crianças, porque as estradas são feitas para os carros e não para as crianças andarem a correr ou a brincar estouvadamente no alcatrão. Há um conflito e é preciso resolvê-lo. Pode haver cortes em muitas coisas, mas não se podem curtar os veículos. A circulação de veículos é fundamental nos dias de hoje. A solução tem de passar por ensinar as regras às crianças desde tenra idade e responsabilizá-las e aos seus pais pelos seus actos irreflectidos e que até podem causar danos aos veículos. Olhem também para o outro lado. Os automobilistas têm de ser protegidos. Se existe a estrada e existem os passeios, se existem regras para atravessar a estrada, é por alguma coisa. Não se pode ser legalista para umas coisas e esquecer o legalismo noutras. Eu pessoalmente não vejo outra forma de resolver este problema.
pedro soares martins

Luís Lavoura disse...

Pedro Soares Martins,

concordando consigo, faço no entanto notar que o post da Joana se refere a passadeiras para peões e não a "estradas feitas para os carros". Ou seja, refere-se a atropelamentos de crianças sobre as passadeiras para peões e não a atropelamentos de crianças em "estradas feitas para os carros". As passadeiras de peões são, precisamente, para peões - não são para carros.

asmelhoresfrancesinhas disse...

O Luís já disse à Mãe do seu filho que considera a chapa de um automóvel mais importante do que a vida do filho dela? Ela de certeza que vai ficar radiante de saber isso.

Luís Lavoura disse...

asmelhoresfrancesinhas,

quem tem culpa de um desastre tem que pagar, mesmo que eventualmente também sofra com ele.

Eu uma vez (já há muito tempo), de bicicleta, furei (inadvertidamente) um sinal vermelho e apanhei com um carro em cima de mim. Depois de um vôo de dez metros caí no chão e parti o nariz (felizmente só sofri isso, mais um ligeiro traumatismo craniano)). Apesar desse prejuízo para a minha saúde, ainda tive que pagar a reparação ao pára-choques do carro que me bateu.

Dura lex, sed lex.

asmelhoresfrancesinhas disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
asmelhoresfrancesinhas disse...

"Dura lex, sed lex. "

Exactamente Luis:

"O condutor deve regular a velocidade de modo que, atendendo às características e estado da via e do veículo, à carga transportada, às condições meteorológicas ou ambientais, à intensidade do trânsito e a quaisquer outras circunstâncias relevantes, possa, em condições de segurança, executar as manobras cuja necessidade seja de prever e, especialmente, fazer parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente."

"1 - A velocidade deve ser especialmente moderada:
(...)
c) Nas localidades ou vias marginadas por edificações;
d) À aproximação de aglomerações de pessoas ou animais; "

Luís Lavoura disse...

asmelhoresfrancesinhas

Toda a gente sabe que em Portugal há leis de facto, que se cumprem e se devem cumprir, e leis ideais, que se devem cumprir sempre que possível mas que não são verdadeiras imposições, porque são quase impossíveis de cumprir de forma sistemática.

Até na própria Constituição este problema existe. Há direitos que jamais são tomados à letra, como o direito ao trabalho ou o direito à habitação.

Com a lei rodoviária passa-se a mesma coisa.

É sabido que Portugal tem as leis mais perfeitas do mundo. Não há nenhum país que tenha leis tão boas e perfeitas como o nosso. Só que, boa parte delas são ideais que não se cumprem nem podem ser cumpridos a não ser nalguns casos.

Naquele acidente de bicicleta que relatei no comentário anterior, estou convencido que, se eu tivesse morrido (o que poderia facilmente ter acontecido), ninguém forçaria os meus herdeiros a pagar os danos ao automobilista. A lei só foi aplicada porque os danos para mim não foram demasiado graves.

Jorge F. disse...

Luís Lavoura, não há "leis de facto" e "leis ideais". O facto de haver uma fiscalização deficiente e de haver grandes taxas de incumprimento em determinadas áreas, como a rodoviária, não significa que as leis sejam apenas "ideais". E tanto não são só "ideais" que há quem seja punido por as violar e condenado em tribunal por isso.

O exemplo que deu da Constituição é incorrecto. As normas constitucionais de que está a falar (ex. direito à habitação, direito à cultura) não são leis em sentido técnico, chamam-se "normas programáticas". Não estamos a falar da mesma coisa. Está a comparar alhos com bugalhos.

Essa história de que Portugal "tem as leis mais perfeitas do mundo" também é um mito. E o Código da Estrada é um bom exemplo. Peões e ciclistas, por exemplo, ainda são muito maltratados no nosso Código da Estrada.

Por fim, o seu exemplo final é disparatado. O Luís Lavoura tem uma ideia dos tribunais um bocado básica. Obviamente que se tivesse morrido e o automobilista tivesse pedido uma indemnização pelos danos aos seus herdeiros, o tribunal atribuiria a indemnização (no pressuposto, claro, de o Luís Lavoura ser o culpado).

Cátia Vanessa disse...

O que vale, é que as afirmações estapafúrdias e irreflectidas dos dois bobos da nossa terrinha já não me chocam muito.

É verdade que o alcatrão é para os automóveis. Mas, as cidades são para as pessoas e, consequentemente, se o alcatrão está na cidade, quem tem de ter prioridade é o peão. É este que deve ser protegido porque, por um lado, cidades sem pessoas não existem mas, também e sobretudo, porque é a parte mais frágil da equação.

Não discordo que a circulação de veículos é indispensável. Mas em muitos, mesmo uma grande maioria, dos casos, a circulação de veículos automóveis particulares poderia ser substituída por veículos suaves (como bicicletas), ou por veículos de transporte colectivo, muito mais eficientes e conduzidos por profissionais. Assim, facilmente poder-se-ia reduzir drasticamente o número de acidentes, pela simples redução do número de agentes provocadores dos mesmos.

RF

Luís Lavoura disse...

Jorge, obrigado por me esclarecer. Deve ter razão.

asmelhoresfrancesinhas disse...

Luís Lavoura ontem:

"Dura lex, sed lex. "

Luís Lavoura hoje:

"Toda a gente sabe que em Portugal há leis de facto, que se cumprem e se devem cumprir, e leis ideais, que se devem cumprir sempre que possível mas que não são verdadeiras imposições, porque são quase impossíveis de cumprir de forma sistemática."

Delírios febris?

PB disse...

Tudo isto é muito interessante, no entanto não me parece que as autoridades responsaveis estejam minimamente focadas neste problema, e explico porque o acho:
Em zonas onde o estacionamento foi concessionado (e falo com conhecimento de causa da zona da Expo em Lisboa que foi "entregue" à EMEL), havia locais em que anteriormente era proibido estacionar. E as autoridades agiam, autuando e rebocando as viaturas mal estacionadas, nomeadamente antes das passadeiras e nas paragens de autocarros.
Com a concessão à EMEL, todos os espacinhos foram aproveitados para render à empresa o maximo possivel. Conclusão temos estacionamento permitido (marcado no chão) até imediatamente antes de passadeiras e as paragens de autocarros fazem-se com a "descarga" dos passageiros pelo meio das viaturas pagantes estacionadas em locais devidamente assinalados.
Portanto essas leis são muito bonitas, mas vontade de resolver os problemas não há, nem me parece que seja minimamente correcto dizer que é com multas que se resolveria....seria sim com uma responsabilização geral. E não estamos para aí virados...parece-me !

Unknown disse...

Uma travagem em piso seco, a 50 km/h, dá 12 metros de travagem, só se for com os pneus carecas e embebidos em oleo! 50km/h numa reta numa localidade, é ir quase parado, é claro que há locais que 50km/h é excessivo, mas a condenação em 70% de responsabiliadade acho abusivo, o peão tem de ter consciencia, cuidado, e atenção, caso contrário pode custar-lhe a vida, por irresponsabilidade de alguns condutores, situações adversas, etc! Uma situação muito frequente de passadeiras em estradas com 4 vias, eu só atravesso quando tenho a certeza que os condutores me veem e param, caso contrário é imprudencia e estupidez da minha parte!

Unknown disse...

"O Miguel, que estava a brincar às escondidas com os amigos, começou a atravessar a rua"

aprendi duas coisas quando tirei a carta há 15 anos...

1- Não se deve brincar perto das passadeiras...
2- O peão só deve começar a atravessar depois de imobilizado o veículo.

Logo, discordo muito com esses juiz.
Portanto nestes 2 pontos já corresponde a mais de 50% de culpa para o peão.

Jorge F. disse...

«aprendi duas coisas quando tirei a carta há 15 anos...»

Só aprendeu isso em adulto, mas está à espera que uma criança pense e aja como um adulto?...