Subsidiação pública do automóvel: 1 - Parques de estacionamento subterrâneos

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É muito cara a obra de construção de um parque de estacionamento subterrâneo.  Para se ter uma ideia, a construção do grande parque de estacionamento subterrâneo do Campo d’Agonia, em Viana do Castelo, com capacidade para 1080 lugares, custou, a preços da década passada, 12 milhões de euros – cerca de 11 000 € por lugar de estacionamento; e a construção do parque de estacionamento subterrâneo da Praça de Londres, em Lisboa, com a lotação de 196 lugares, custou, há uma década, 2,7 milhões de euros – cerca de 14 000 € por lugar (17 mil euros por lugar a preços de 2012); a construção de um parque de estacionamento subterrâneo no centro da pequena vila de Penacova, com capacidade para 83 carros, custa 1,2 milhões de euros – 14 mil euros por lugar de estacionamento. O blogue A Nossa Terrinha averiguou os custos de construção de inúmeros parques de estacionamento subterrâneos, em vilas e cidades como Porto, Santo Tirso, Lisboa, Felgueiras, Ponta Delgada, Pombal, Cacém, Elvas, Caldas da Rainha ou Torres Novas e concluiu que os preços oscilam, em regra, entre os 10 mil euros e os 25 mil euros por cada lugar de estacionamento, não se incluindo nestes custos o valor do próprio terreno, que, como se sabe, pode ser bastante elevado numa cidade.
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Mas muito cara é também a exploração e manutenção destas infraestruturas. Esses são dados que só raramente se encontram publicamente disponíveis - como se tratasse de uma questão menor, que dispensasse uma avaliação pública. Sistemas de segurança contra incêndios, sistemas de ventilação forçada, manutenção, reparações e substituição de máquinas e de outros equipamentos, custos de pessoal, vigilância e segurança e um consumo de energia elétrica muito elevado são exemplos de encargos de funcionamento de um parque de estacionamento subterrâneo.
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No ano passado, a Câmara Municipal do Entroncamento estimou que o valor dos gastos de exploração de um parque de estacionamento subterrâneo no centro da cidade, com capacidade para 266 carros, era de perto de 170 mil euros por ano – e isto, note-se, relativamente a um parque que nessa altura estava aberto apenas 15 horas por dia (encerrava entre as 22h e as 7h). Se admitirmos um valor de 250 mil euros anuais para um parque da mesma dimensão aberto 24 horas por dia (esquecendo que o custo de pessoal, vigilância e segurança é mais elevado à noite), isso significa 940 euros por ano - 78 euros por mês - por cada lugar de estacionamento. Estamos, insista-se, a falar apenas de custos de funcionamento. Se quisermos acrescentar o custo da construção, dividindo-o pelo tempo de vida da infraestrutura sem obras de vulto, obteríamos um custo bem superior. [E isto não contando com o valor do terreno; para dar um exemplo bem longe dos grandes centros urbanos, na década passada a Câmara Municipal de Almeirim gastou perto de meio milhão de euros (a preços de 2012) na aquisição de um terreno destinado à construção de um parque de estacionamento subterrâneo]
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Pagar, por exemplo, 60 ou 80 euros por mês pelo estacionamento num parque é, para muitos automobilistas, algo próximo da extorsão. Muitos automobilistas reclamam mais parques de estacionamento mas, simultaneamente, com base na sua qualidade de “residentes”, acham que têm direito a estacionamento barato ou mesmo gratuito. Com relativo sucesso, diga-se. No caso acima considerado (Entroncamento), a autarquia local disponibilizou um dos dois pisos do parque subterrâneo para que os residentes na zona do parque aí estacionassem gratuitamente os seus automóveis. 
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Mesmo quando a exploração de um parque de estacionamento é concessionada a uma empresa privada, a imposição, pela autarquia, de uma política de baixas tarifas de estacionamento para residentes implica, naturalmente, o pagamento da correspondente compensação ao concessionário. Que é suportada pelo erário público. É um subsídio que sai do bolso de todos nós. Não é dinheiro que caia do céu...
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P.S. I – Custo de construção do pequeno parque de estacionamento subterrâneo no centro da pequena cidade de Pombal (explorado pela câmara local): 1,4 milhões de euros. Receita anual de exploração do mesmo parque: pouco mais de seis mil euros (dados de 2008).
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P.S. II – Receitas anuais de exploração do parque de estacionamento do Entroncamento acima mencionado (também explorado pela autarquia): cerca de 25 mil euros. Custos anuais de exploração: perto de 170 mil euros. [Números anteriores à disponibilização de estacionamento gratuito aos residentes]
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P.S. III - Em Lisboa, há automobilistas que pagam entre 100 e 250 euros por mês para estacionarem o seu carro numa garagem na sua área de residência. É esse o valor de mercado, cobrado pela maioria das garagens privadas - mas não só: a EMEL (a empresa pública que gere o estacionamento na cidade) explora três garagens exclusivamente destinadas ao estacionamento de residentes (e de comerciantes locais), com um total de mais de 300 lugares e com preços de estacionamento que oscilam entre os 100 € e os 192 € por mês. Duas dessas três garagens estão cheias, isto é, não têm um único lugar disponível.
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[Está muito difundida, entre os portugueses, a ideia de que o automóvel é um “negócio” lucrativo para o erário público, tendo em conta as quantias pagas pelos automobilistas a título de impostos específicos relacionados com a aquisição, posse e utilização de um carro – nomeadamente, imposto automóvel, IVA, imposto de circulação, imposto sobre os produtos petrolíferos, taxas de portagem de autoestradas e tarifas de estacionamento. Trata-se, na verdade, de uma grande falácia. O Estado e as autarquias suportam com a rodovia gastos astronómicos, que todos aqueles impostos e taxas estão longe de cobrir. O objetivo desta série – para a qual ainda não encontrámos um bom título - é revelar exemplos desses gastos.]

8 comentários:

Luís Lavoura disse...

O meu pai comprou em 1995 lugares de estacionamento no Estacionamento Parque América, situado sob um jardim em Lisboa. O valor da compra foi 10.000 euros por lugar. Eu herdei esses lugares e revendi-os há pouco tempo (dois anos). Na altura informei-me do preço corrente deles, era de 13.000 euros. Pelo que, esse deve ser, de facto, o valor típico para a construção.
Quanto à manutenção, esse parque, que é privado e não recebe qualquer subsidiação (e é guardado 24 horas por dia), custava por lugar um valor certamente inferior a 1000 euros por ano. Creio que, à altura em que o vendi, o valor que eu pagava ao condomínio era de 60 euros por mês, isto é, 720 por ano.
Estes valores são facilmente comprováveis pela Ana, se se quiser dirigir a esse parque - os seguranças facilmente a informarão.
A única subsidiação de que esse parque foi alvo foi o terreno, cujo direito foi cedido gratuitamente pela Câmara Municipal de Lisboa.
Já agora, esse parque nunca foi todo vendido e deu, por esse facto, grande prejuízo a quem o construiu.

Luís Lavoura disse...

Não se deve comparar o custo de uma garagem que ocupa, tipicamente, o rés-do-chão de um prédio, com o custo de um parque subterrâneo, cujo custo de construção e manutenção é muito maior. A garagem no rés-do-chão explora um espaço que, caso contrário, ficaria vago - porque há hoje em dia poucos lojistas interessados em comprar uma loja no meio de uma cidade - não exige escavar o chão para ser construída, e dispensa, em grande parte, iluminação artificial e arejamento forçado. É por isso bastante mais barata que um estacionamento subterrâneo.
A mim parece-me, aliás, que, nos tempos que correm, construir garagens no rés-do-chão dos edifícios residenciais - em detrimento de construí-las no subsolo - é uma excelente opção para rentabilizar um espaço que, caso contrário, ficaria vago em boa parte dos casos.

Nuno disse...

Bom artigo!

Cátia Vanessa disse...

Se Lisboa não fosse uma cidade dominada pelo automóvel, os pisos térreos seriam de enorme interesse comercial.

Outra solução para o rés-do-chão é fazê-lo ligeiramente sobre-elevado, em relação à rua, de forma a também aí ter apartamentos. Isso vê-se em muitos prédios antigos de Lisboa, cujas caves também são apartamentos, normalmente com janelas pequenas, de um lado, e ligação ao logradouro, do outro.

Infelizmente, também os logradouros desapareceram e têm vindo a ser substituídos por barracões para estacionamento ou arrumos. Lembro-me de ser miúdo e ir a casa da minha avó, próximo da Morais Soares, e ouvir as galinhas de um vizinho dela. Isto porque o interior do quarteirão onde se situava o prédio, era como que um enorme quintal. E era grande, pelo menos, tanto quanto me lembro, teria, talvez, quase a área de um campo de futebol!

Este artigo não foi enviado para alguma entidade? Talvez fosse interessante ter um comentário de pessoas como o presidente do ACP, ou outros "lobbyistas" do automóvel...

RF

Joao disse...

Quanto ao Entroncamento, foi feito contra a vontade generalizada da população. Se tivessem feito um referendo, apontando as vantagens e os custos envolvidos, nunca teria sido aprovado... mas nestas coisas os políticos nunca fazem referendos... porque já sabiam a resposta.
O espaço no Entroncamento antes da garagem, tinha mais espaço para os ditos automóveis (os supostos grandes beneficiados), tinha uma dúzia ou mais de árvores e agora é uma se não me engano, e a praça é pouco usada (mas é) ao longo do ano. O movimento de pessoas na área em redor desceu consideravelmente desde as obras, e nunca mais voltaram... não beneficiou os automóveis, não beneficiou as lojas, não beneficiou a população no geral, não trás mais gente à cidade... as pessoas continuam a querer procurar coisas mais interessantes fora da cidade, e as que estão fora não vêm cá pelo novo espaço nem pelo que lá se passa na esmagadora maioria dos casos.

Dito isto, as garagens "públicas", salvo raras excepções não são rentáveis e tanto quanto sei nunca foram. Não as deveriam fazer e pronto (excepto por iniciativa totalmente privada e sem subsídios).

Uma falácia é dizer que os veículos não dão muito dinheiro ao estado! Isso sim, é uma grande falácia! É nos impostos directos e indirectos dos transportes que o estado ganha imenso (rios de) dinheiro. E quanto aos custos directos e indirectos das infra-estruturas, a maior parte foi e continua a ser paga na totalidade ou parcialmente pela União Europeia (que eles até obrigam a meter as placas), por isso o dinheiro dos impostos não foi gasto todo aí... e além disso nas principais infra-estruturas, todas eram até à poucos anos portajadas (falo da A1 e outras auto-estradas principais) depois construíram mais algumas que não eram portajadas... depois de a União Europeia ter pago grande parte das obras... e não me consta que parte do lucro tenha sido enviado de volta para o "investidor" União Europeia.

Maquiavel disse...

Ó Joao, de que interessa o Estado ganhar "imenso (rios de) dinheiro" se a seguir o queima na construAäo e manutençäo de AEs vazias (que essas a UE näo financia), parques de estacionamento, e quejandos?

Cátia Vanessa disse...

Caro João,

É incrível como em tão poucas linhas, conseguiu dizer tantos disparates.

As principais "infra-estruturas" que refere, são apenas uma pequena pequena parte do buraco. O que dizer da CRIL, aqui em Lisboa, que teve dos kms mais caros de sempre, e não tem portagens? ou aquelas AEs do interior, que com os seus muitos viadutos e túneis, também têm custos de construção por km elevadíssimos?

E a UE não pagou a maior parte. A prova disso é que vamos andar a pagar muitas centenas de milhões de Euros, durante os próximos, ao abrigo das famosas PPPs. E, já agora, veja quanto sai do orçamento das autarquias para manutenção da rede viária, ou para a construção destes parques de estacionamento.

Além disso, saberá, com certeza, que um investimento supõe um retorno. No caso das AEs, claramente, não se tratou de um investimento pois o tal desenvolvimento de que se falou nunca aconteceu, nem poderia. Algumas AEs são importantes mas, a maior parte, foram um esbanjar de recursos e, só geraram lucros para as construtoras, para os operadores e para alguns políticos.

Finalmente, pense também nos custos externos associados ao automóvel, de que lhe faço abaixo uma lista muito sumária.

Custos com saúde:
- sinistrados resultantes dos acidentes de viação
- obesidade por as pessoas passarem a vida sentadas, em vez de utilizarem mais as perninhas para se deslocarem
- problemas respiratórios por causa da poluição automóvel nas zonas urbanas

Custos com limpeza:
- por causa da poluição automóvel, ruas e construções têm de ser lavadas com muito mais frequência

Custos com segurança:
- por as pessoas se deslocarem do ponto A ao ponto B sem andarem nas ruas, estas tornam-se desertas e, logo, mais inseguras.
- aqueles que prefeririam andar a pé, frequentemente não o podem fazer pois os carros tornam as ruas hostis a quem opta por andar a pé (o post anterior deste blog é um bom exemplo disso).

Se pesquisar um pouco na Internet, encontrará os números que provam o que aqui escrevo. No entanto, nunca vi números que sustentassem as suas afirmações. Nem os próprios políticos os fornecem. Limitam-se a largar uns chavões para iludir a populaça que, assim, acha que vive num país rico e desenvolvido.

O pior cego é aquele que não quer ver.

RF

asmelhoresfrancesinhas disse...

Juntando ao que o bicicleta disse, refiro mais um número que gosto sempre de mostrar porque mostra bem as dimensões destas coisas: em 2010 a Estradas de Portugal gastou mais de 800 milhões de euros só no distrito de Lisboa (falta somar o que somou nos outros distritos todos, mais o que as autarquias gastaram). As SCUT nesse ano custaram uns 700 milhões. Dizer que as despesas do Estado com o automóvel se resumem às AE ou é ignorância ou é (muita) má fé.

Às externalidades que o bicicleta referiu, acho também importante falar nas forças policiais: grande parte das forças policiais nacionais existem única e exclusivamente para regular o automóvel. É muito milhar de homem pago por todos nós para olhar pelos automóveis.
(também podia juntar todas as instituições do Estado que existem quase só por causa dos automóveis - INIR, EP, IMTT, ANSR, etc., etc. -, mas nem vale a pena)