O troço de 59 quilómetros da Linha de Évora entre as cidades de Évora e de Estremoz foi encerrado ao tráfego de passageiros em 1 Janeiro de 1990. Mas a linha não foi desativada e, ao contrário de outras linhas na região (ex. Ramal de Portalegre), manteve as condições de operacionalidade em toda a sua extensão, sendo que nas últimas duas décadas foi sendo, esporadicamente, utilizada para o tráfego de mercadorias. Esta linha continuou, por isso, a figurar oficialmente no mapa da rede ferroviária portuguesa. Até 2011.
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Mapa da rede ferroviária nacional, 2011.
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O interesse da Câmara Municipal de Estremoz na requalificação e urbanização dos terrenos do domínio público ferroviário na envolvente da estação – que fica junto ao centro da cidade – resultou no encetamento de negociações com a empresa pública gestora da rede ferroviária (REFER), na sequência das quais surgiu um primeiro projeto de urbanização e um protocolo assinado entre as duas entidades em Julho de 2008:
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Assinado o protocolo com a REFER, o então Presidente da Câmara Municipal de Estremoz (atual vereador na autarquia) declarou publicamente que o projeto de requalificação da zona passaria pela “manutenção do comboio no concelho”.
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Na realidade, o que então se planeava era a desativação da Linha de Évora nos sete quilómetros compreendidos entre a estação de Estremoz e a estação vizinha de Ameixial (próxima da cidade): os carris da linha manter-se-iam até Estremoz, mas já não chegariam à estação, mas apenas ao Museu Ferroviário (ver o projeto acima mostrado). Para lá do núcleo museológico (na direção de Vila Viçosa), os carris seriam levantados e a zona inteiramente urbanizada, mediante a construção de uma nova avenida.
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Este projeto implicava, pois, a desativação da estação de Estremoz, incluindo, nomeadamente, a zona de carga e descarga de mercadorias (na imagem do projeto acima mostrada, é a zona à direita do "edifício de passageiros").
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Mas o projeto previa a manutenção da linha entre Évora e Ameixial: segundo o Presidente da Câmara, a ideia era mesmo “intensificar o transporte de mercadorias” entre Ameixial e Évora, aproveitando a ligação ferroviária de mercadorias ao Porto de Sines e a Espanha.
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Também de acordo com fonte da REFER, a linha seria mantida entre Évora e Ameixial, o que permitiria a eventual recuperação do transporte ferroviário de passageiros entre Évora e Estremoz ou o seu aproveitamento para a circulação de comboios turísticos.
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Simultaneamente, avançou o projeto da linha de alta velocidade Lisboa-Madrid, que incluía uma linha convencional de mercadorias, cujo projeto implicava, por seu turno, a renovação integral e eletrificação de cerca de um sexto do troço Évora-Estremoz, entre a estação de Évora e o km 126+800 (estação de Évora-Norte). As obras de requalificação deste subtroço de nove quilómetros avançaram em 2010 e acarretaram a suspensão imediata de todo o tráfego ferroviário de mercadorias entre Évora e Estremoz.
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Entretanto, foi decidido não manter o núcleo museológico ferroviário em Estremoz e, perante esta nova realidade, surgiu em cima da mesa um novo projeto, que implicava já o levantamento da totalidade dos carris na cidade. Uma voz isolada na Câmara Municipal de Estremoz (o vereador António Ramalho), crente nas potencialidades de aproveitamento turístico da linha e nos benefícios desse aproveitamento para a cidade, protestou, em reunião camarária, contra a remoção integral dos carris, bem como contra o fim do Museu Ferroviário em Estremoz.
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O pior estaria para vir: o anúncio da desativação da Linha de Évora entre Évora e Estremoz, com exceção apenas do troço de nove quilómetros acima referido com obras de renovação e de eletrificação em curso.
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Do Museu Ferroviário de Estremoz começaram a ser retirados os históricos comboios, com destino ao Entroncamento.
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© 2011 Ecos de Estremoz
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A alteração ao protocolo celebrado entre a Câmara Municipal de Estremoz e a REFER acabaria por ser aprovada em reunião camarária de 31/8/2011, com quatro votos a favor e três contra. Um dos três vereadores que votou contra (o ex-Presidente da Câmara) alertou, em vão, que “se votarem favoravelmente este protocolo, estão a admitir que a linha entre Évora e Estremoz acabou”.
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Os carris foram retirados…
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© 2011 Ecos de Estremoz.
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…e as obras de urbanização avançaram rapidamente.
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© 2012 Joana Ortigão
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Os vestígios da linha férrea já desapareceram e no seu lugar está a nascer uma nova avenida, que fará a ligação rodoviária entre a EN 18 e a Av. de Santo António. Do investimento total de 4 milhões de euros, 3 milhões destinam-se à construção desta nova avenida (2,3 milhões) e de outros acessos rodoviários (700 mil euros). Segundo o Presidente da Câmara, os novos acessos facilitarão as ligações rodoviárias ao centro da cidade e elimina-se uma «barreira física» entre a zona industrial e o centro da cidade: a linha ferroviária.
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O troço da Linha de Évora entre Évora e Estremoz incluía um dos trechos mais bonitos de toda a rede ferroviária portuguesa, atravessando uma grande, fabulosa floresta de sobreiros (a tal árvore que foi agora consagrada como Árvore Nacional de Portugal e um dos símbolos do país), num percurso ferroviário único no mundo.
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Com a desativação do troço entre Évora-Norte e Estremoz, ficou arredada a hipótese de salvação do restante troço da Linha de Évora, entre Estremoz, Borba e Vila Viçosa (agora oficialmente designado “Ramal de Vila Viçosa”), com 16 quilómetros de extensão, já desativado e que também não vê comboios de passageiros desde 1990. Para esse trecho da linha, as câmaras municipais de Estremoz, de Borba e de Vila Viçosa anunciaram a construção de uma “ecopista”, cujo estudo prévio foi apresentado publicamente há alguns meses. Em reunião da Câmara de Estremoz de Janeiro de 2011, o vereador António Ramalho disse esperar que houvesse o "bom senso de preservar o ramal de caminho-de-ferro que liga Estremoz a Borba e Vila Viçosa", mantendo-se os carris. Mas o projeto prevê a pavimentação integral do canal ferroviário. O levantamento dos carris está para breve.
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A Linha de Évora, de 140 quilómetros de extensão, fica reduzida a 36 quilómetros (os 27 quilómetros de Casa Branca a Évora e os referidos 9 quilómetros até Évora-Norte presentemente em obras de requalificação). O resto morreu. No mapa da rede ferroviária nacional publicado na sexta-feira passada pela REFER (no directório oficial da rede), não consta, pela primeira vez desde há 138 anos, o troço Évora-Estremoz.
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Mapa da rede ferroviária nacional, 2012.
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O processo de desmantelamento da rede ferroviária nacional continua.
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7 comentários:
Enquanto na maioria dos países da Europa se investe na ferrovia como modo de mobilidade em Portugal sucede o contrário, como demonstra este exemplo.
Os portugueses väo acordar deste sonho em que säo ricos e väo sentir na pele o pesadelo que é. Será tarde. E pessoalmente só terei pena de uns 20% deles.
Em 20 anos ninguém nas autarquias entre Vila Viçosa, Estremoz e Évora fez puto para manter o comboio a andar. Nisso Mirandela é um exemplo para o País.
Está bem que näo cometeram o maior crime que foi arrancar a linha, mas isso é muitíssimo pouco. Entretanto, as lindas estaçöes que perduram säo hotéis de luxo, perdäo, "de charme".
E assim ficará o Tugal do séc. XXI: comlindos hotéis onde os tugas näo teräo dinheiro para ir, com "belíssimas" AEs ainda mais vazias, que o preço do combustível será proibitivo, e o Zé Tuga em casa a definhar, sem dinheiro para o autocarro que eventualmente haja nem para o comboio que näo existe, ou existirá só em versäo CAV (comboio de alta velocidade).
Nos países dignos desse nome os municípios lutam para que novas linhas lá passem... os tais países ricos... por isso é que säo ricos!
Esta notícia parece-me potencialmente bem mais grave do que as outras nesta série.
Trata-se de eliminar a possibilidade de transportar mercadorias por meio ferroviário, o que pode ser muito grave e nefasto a médio prazo.
Trata-se também de eliminar uma das poucas estações ferroviárias do país que fica no centro de uma cidade e potencialmente próxima de uma zona industrial.
Não se trata de eliminar um qualquer serviço, mas de eliminar a própria possibilidade de no futuro vir a prestar esse serviço.
Quem nos diz que no futuro não poderia haver uma qualquer indústria pesada que quisesse instalar-se em Estremoz, beneficiando da linha férrea para a distribuição dos seus produtos?
Em minha opinião isto revela uma grave falta de visão prospetiva do futuro.
Lavoura, parabéns pelo seu comentário!
A linha foi recentemente electrificada até Évora näo deve ser apenas pelos lindos olhos dos eborenses, mas cheira-me que é para continuar até Badajoz (como parte da "tal" linha convencional de mercadorias Sines-Poceiräo-Badajoz).
Entäo em vez de seguir para Estremoz (a maior urbe nessa direcçäo, e já com linha) o que faräo, pelo Redondo e Alandroal? Ou väo na mesma por Estremoz, mas sem passar perto da terra, o que invalida que tenha serviço futuro de passageiros?
Essa é outra!
Espantoso que num país pobre se fale de linhas exclusivas para passageiros ou mercadorias, quando por exemplo na linha Viena-Innsbruck (Áustria) se vêm na mesma linha "apenas" dupla comboios de 10 em 10 minutos, direi 2/3 dos quais de carga, e os outros tanto regionais como inter-cidades.
Portugal näo cabe na cabeça de ninguém...
Viseu com as rotundas, e Estrenoz com as avenidas.
É apenas mais uma das machadadas no Alentejo... Durante milénios, a via principal de ligação com Espanha e o resto da Europa foi sempre por Badajoz... Só nos últimos 100 anos os lobbies do norte "desviaram" a ligação para ter de passar pela linha do norte que para além de ser mais longe, vai por serras e vales em oposição à planície Alentejana (pesquisem no google que está lá explicado como foi) Tivesse o Rei continuado vivo e teriamos ainda a linha até Vila Viçosa e prolongamento até Espanha como inicialmente planeado. O conceito de orgulhosamente sós veio de mentes(captos) anteriores ao Salazar...
Pronto, tinha de aparecer um monárquico de serviço!
O rei? O rei só quis a linha até Vila Viçosa que era para ir passar férias ao palácio!
Se bem que tem grande razäo quando refere que a ligaçäo natural (e mais barata) entre Lisboa e Madrid (e o resto da Europa) sempre foi o Alentejo. Aliás, em Bruxelas pergunta-se porque é que o troço de Linha de Alta Velocidade Ferroviária mais barato de toda a Europa é dos que ainda nem começado foi...
... pronto, os espanhóis têm de fazer viadutos e túneis pela pedra mais dura da Europa, em Portugal há algo ainda mais duro: a cabeça dos tugas!
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