(continuação) (clique aqui para ver a quarta parte)
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No lançamento das (poucas) auto-estradas que servem o interior do país, tem sido propagandeado que elas constituem um instrumento fundamental para travar o despovoamento das regiões por elas servidas ["preocupação" esta com o interior que não deixa, aliás, de ser surpreendente, dado que quase todas as auto-estradas em Portugal foram construídas no litoral (ver adiante)].
Assim, quando se anuncia uma auto-estrada para o interior, chovem chavões como o de que a auto-estrada terá um “papel estruturante para o desenvolvimento da região”, o de que promoverá o “desenvolvimento sócio-económico equilibrado e sustentado [!] da região”, que contribuirá para a instalação de empresas, que gerará emprego e, como consequência inevitável de tudo isto, contrariará a tendência de despovoamento.
Deste modo, seria de esperar que a auto-estrada estancasse a migração do interior para o litoral (ou para o estrangeiro), que as novas oportunidades de emprego criadas atraissem mesmo gente de fora e que ocorresse uma migração dentro da região em causa, para os concelhos mais próximos da nova acessibilidade "geradora de atividade económica e de emprego", proveniente dos concelhos onde as oportunidades escasseiam.
Os dois gráficos seguintes mostram a evolução demográfica de duas capitais de distrito do interior – BEJA (Alentejo) e CASTELO BRANCO (Beira Baixa) - entre 1991 e 2009:
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Nota: estes e todos os gráficos seguintes são do Instituto Nacional de Estatística
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Como se pode verificar, a evolução nas duas cidades é muito semelhante, com crescimento muito ligeiro a partir de 1992/1993 e ligeiro decrescimento nos últimos anos – com a diferença de que o recente decréscimo populacional no caso de Castelo Branco tem sido um pouco mais acentuado.
Mas há outra diferença: enquanto Castelo Branco é servida por uma auto-estrada, Beja não.
Curiosamente, a população começou a regredir em Castelo Branco pela altura da chegada da auto-estrada: o número de habitantes do concelho cresceu ligeiramente de 1991 (54 254 hab.) até 2001 (55 184 hab.), estabilizou em 2002 (55 177 hab.), mas a partir do ano em que ficou ligada ao litoral (A1 em Torres Novas) pela auto-estrada A23 (2003) a população começou a diminuir em termos claros, e desde então tem diminuído continuamente todos os anos, sem excepção. O concelho de Castelo Branco perdeu 2,8% da população desde o ano anterior ao da inauguração da auto-estrada e, graças à evolução negativa registada desde 2003, tem agora menos habitantes (53 626 hab.) do que em 1991.
[No mesmo período, a população de Beja diminuiu 2,4% (35 035 hab. em 2002 e 34 193 hab. em 2009), ou seja, a quebra populacional em Castelo Branco foi superior. Mas é Beja a cidade sem auto-estrada.]
A partir da confrontação dos dados da natalidade e da mortalidade com o número de residentes, calculámos o saldo migratório, isto é, a diferença entre o número de pessoas que se fixou em Castelo Branco e o número de pessoas que migrou para outras bandas. Quando o saldo migratório é positivo, isso significa que foram mais as pessoas de fora que se fixaram no concelho do que aquelas que debandaram para outras paragens.
Esses dados permitem-nos ir um pouco mais longe do que atendendo apenas à variação populacional, para a qual pode pesar bastante, por exemplo, uma elevada taxa de mortalidade (indiciando uma população envelhecida). Por exemplo, vamos imaginar que num determinado ano, posterior à inauguração da auto-estrada, a população de um determinado concelho decresceu em mil habitantes (saldo populacional: -1000); e que no mesmo período morreram mais duas mil pessoas do que aquelas que nasceram (saldo natural: -2000). Isso significa que se fixaram mil pessoas vindas de fora (ou, mais rigorosamente, que se fixaram mais mil pessoas do que aquelas que abandonaram o concelho para ir viver para outro lado: saldo migratório: +1000) e, por conseguinte, apesar da diminuição da população, o concelho teria, na verdade, conseguido estancar a debandada de habitantes e mesmo atrair gente de fora, indiciando, eventualmente, um efeito positivo da auto-estrada.
O que verificamos, da análise da evolução registada entre 1996 e 2009 em Castelo Branco [o INE só fornece dados de mortalidade (números absolutos) por concelho desde 1996], é que o saldo natural (diferença entre nascimentos e óbitos) apresenta algumas oscilações sem qualquer tendência definida (no sentido do crescimento ou do decrescimento): por exemplo, o saldo é de -283 em 1996, de -278 em 2000, de -292 em 2003 e de -279 em 2008 [o mesmo sucede, desde 1992, com a taxa de natalidade e com a taxa de mortalidade].
As diferenças relevantes encontramo-las, justamente, no saldo migratório: o crescimento da população de Castelo Branco, até à chegada da auto-estrada, foi suportada exclusivamente por saldos migratórios positivos (dado que os saldos naturais foram sempre negativos), isto é, a cidade estava a conseguir fixar gente de fora, mesmo sem auto-estrada. Nesses anos, os saldos migratórios foram sempre positivos (na ordem dos 300 / 400 habitantes por ano). Mas começaram a descrescer a partir de 2001 (+356) e a queda acelerou mais claramente a partir de 2004, o ano seguinte ao da chegada da auto-estrada: +135 em 2004, +76 em 2005 e +19 em 2006, que foi o último ano em que a cidade conseguiu fixar mais gente de fora do que aquela que a abandonou. Em 2007, o saldo migratório já foi negativo (-41) e esta tendência evolutiva continuou a agravar-se.
Esta evolução negativa é particularmente significativa pelo facto de se tratar de uma capital de distrito.
Para nos situarmos no contexto nacional, é importante referir que PORTUGAL, depois de um decréscimo populacional entre 1987 e 1991, tem visto a população residente crescer todos os anos (sem exceção) nestas duas décadas (um crescimento de quase 700 mil habitantes); que o saldo natural foi sempre ligeiramente positivo (mais nascimentos do que mortes), com exceção dos anos de 2007 (-1000) e de 2009 (-4900); e que o saldo migratório tem sido sempre positivo desde 1993: apesar do grande aumento do número de emigrantes (pessoas que vão viver para o estrangeiro) no período mais recente, o número de imigrantes (pessoas que vêm morar para Portugal) continua a ser superior. O crescimento da população residente em Portugal tem assentado, sobretudo (mas não em exclusivo), nestes saldos migratórios positivos [as únicas exceções são 1993, em que o crescimento da população se deveu, em contribuições iguais, ao saldo natural e ao saldo migratório, e 1994, em que o saldo migratório não foi muito mais elevado do que o saldo natural (17 mil para 10 mil)].
O gráfico seguinte mostra a evolução demográfica noutra capital de distrito do interior brindada com auto-estradas (com duas auto-estradas, por sinal) – a GUARDA (Beira Alta):
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A população da Guarda cresceu continuadamente de 1991 (38 892 hab.) até 2005 (44 270 hab.), estabilizou em 2006 (44 264 hab.) e tem vindo a descer desde 2007, invertendo-se uma tendência de década e meia de aumentos populacionais. A Guarda é servida pela auto-estrada A23 desde 2004 (ligação ao litoral através de Torres Novas) e em 2006 passou a estar diretamente ligada ao litoral (Aveiro) pela auto-estrada A25.
Tal como em Castelo Branco, na Guarda o saldo natural tem sido sempre negativo (a única exceção foi 1998), mas enquanto que até 2005 ocorreram oscilações sem uma tendência definida, a partir de 2006 houve um agravamento significativo do saldo natural negativo. Curiosamente, a taxa de natalidade é hoje [na ordem dos 8 ‰] claramente inferior àquela que se verificava há duas décadas [superior a 11 ‰] e a taxa de mortalidade está a níveis um pouco mais baixos do que há 20 anos.
Ao contrário do que sucede com Castelo Branco, a cidade da Guarda continua a conseguir atrair mais gente de fora do que aquela que vai viver para outros lados: o saldo migratório continua a ser positivo. Mas há uma variação muito significativa nos respetivos valores: antes de existir auto-estrada, os saldos migratórios positivos eram sempre elevados (até 2000, superiores a 500 habitantes por ano). A partir de 2001, começaram a diminuir continuamente (+241 em 2003, ano anterior à chegada da primeira das duas auto-estradas) e a quebra acentuou-se a partir de 2005 [hoje são praticamente nulos (+29 em 2009), ou seja, o número dos que se vão embora já é quase idêntico ao das pessoas de fora que vão viver para a Guarda). Como o crescimento populacional da cidade vinha acontecendo à custa dos novos habitantes vindos de fora, o atual decréscimo de habitantes explica-se por essa quebra no saldo migratório.
"Apesar" das duas auto-estradas que servem a cidade.
ALMEIDA (Beira Alta) foi outro dos concelhos que passou a ver a auto-estrada A25 passar nas proximidades (a 17 km):
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Almeida tem assistido a uma quebra contínua de população desde 1991 e, após um ligeiro abrandamento entre 2000 e 2004, a diminuição anual da população ocorre agora a um ritmo superior. O concelho perdeu 10% da população desde a chegada da auto-estrada.
Esta diminuição da população tem acontecido, quer em consequência de saldos naturais negativos (nascem menos pessoas do que aquelas que morrem), quer por virtude de saldos migratórios negativos, com peso ligeiramente maior do saldo natural. Mas com uma diferença: até 2002 o ritmo da debandada de habitantes (saldo migratório negativo) estava a diminuir e recomeçou a aumentar a partir de 2003.
Almeida está desde 2004 ligada ao litoral (por Torres Novas) através do troço Vilar Formoso-Guarda da A25 (em serviço desde 2003) e da auto-estrada A23 (em serviço a partir da Guarda desde 2004), e está ligada diretamente ao litoral (Aveiro) através da auto-estrada A25 desde 2006.
FIGUEIRA DE CASTELO RODRIGO é, de todos os concelhos aqui analisados, o mais afastado da auto-estrada: está a cerca de 35 km da A25.
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Neste concelho, a população tem diminuído continuadamente desde 1991, fenómeno que a auto-estrada não travou: o número de habitantes diminuiu 6,9% desde o ano anterior ao da chegada da A23 (2004) e 5,4% desde a ligação a Aveiro pela A25 (2006), e, tal como no caso anterior, as perdas de população ocorrem agora a um ritmo superior daquele que se verificava no período imediatamente anterior a 2005.
Também no caso de Figueira de Castelo Rodrigo os saldos naturais anuais têm sido sempre negativos (há mais óbitos do que nascimentos) e, como no caso anterior, com variações sem uma tendência definida. Mas com o saldo migratório a evolução tem sido diferente: até 2000, o ritmo da debandada de habitantes diminuiu continuamente. Essa tendência prosseguiu a partir de 2001, ano em que pela primeira vez o número de novos habitantes vindos de fora foi superior ao daqueles que migraram para fora de Figueira de Castelo Rodrigo. Mas a partir de 2004 essa longa tendência positiva inverteu-se e os saldos migratórios positivos desceram continuamente. A partir de 2008, regressaram os saldos migratórios negativos (embora quase nulos).
Figueira de Castelo Rodrigo está desde 2004 ligada ao litoral (por Torres Novas) através do troço Vilar Formoso-Guarda da A25 (em serviço desde 2003) e da auto-estrada A23 (em serviço a partir da Guarda desde 2004), e está ligada diretamente ao litoral (Aveiro) através da auto-estrada A25 desde 2006.
Em PINHEL (a 29 km da A23 desde 2004 e a 25 km da A25 desde 2006) a situação não é mais risonha:
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A população de Pinhel cai continuadamente desde 1991. Se o ritmo da queda foi diminuindo até 2002, aumentou após 2003 e, sobretudo, após 2007, um ano depois de o concelho de Pinhel passar a ser servido pela segunda auto-estrada, aquela que estabelece a ligação direta com o litoral. Desde o ano anterior ao da chegada da auto-estrada, Pinhel perdeu 8,3% da população.
Para as quebras anuais de população, o saldo natural negativo (= mais mortes do que nacimentos) ainda pesa um pouco mais do que o saldo migratório negativo.
Os saldos naturais têm sido sempre negativos, mas enquanto o número de nascimentos entrou em queda a partir de 2005, o número de óbitos tem-se mantido relativamente estável (embora a taxa de mortalidade tenha subido ligeiramente).
Também em Pinhel são mais os habitantes que se vão embora do que as pessoas de fora que vão morar para o concelho: os saldos migratórios em Pinhel têm sido sempre negativos. Mas o ritmo da saída de habitantes tinha vindo a abrandar todos os anos, de uma forma significativa, até 2002 (ano em que o saldo migratório já era quase nulo: -23) e, depois de estabilizar em 2003 (-26), voltou a acelerar a partir de 2004: há agora mais gente a abandonar Pinhel.
Mais uma vez, se a proximidade das duas auto-estradas teve algum efeito positivo, ele é impercetível nestes números.
TRANCOSO já "beneficiou" de três auto-estradas. Em 2004, ficou a cerca de 45 km da A23. Em 2006, passou a estar a cerca de 20 km da A25, com ligação mais direta ao litoral (Aveiro). Em 2010, o concelho passou a ser atravessado por uma auto-estrada de ligação à A25.
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Desde a chegada da auto-estrada A23, Trancoso perdeu 3,9% da população. Desde a chegada da A25, o concelho perdeu 3,1% de habitantes e, em termos absolutos, perdeu nos últimos 4 anos mais população do que nos 9 anos anteriores à inauguração desta auto-estrada: o ritmo da perda de população aumentou de forma muito significativa a partir de 2006.
Curiosamente, em Trancoso, o saldo natural (sempre) negativo tem vindo a diminuir um pouco desde 2002 (sobretudo em consequência da diminuição do número de óbitos): -124 em 2002, -119 em 2006, -90 em 2009. O que causou a aceleração das quebras anuais de população foi o saldo migratório. Quer dizer, o saldo migratório não tem, em bom rigor, contribuido diretamente para a diminuição da população, já que tem sido sempre positivo desde 1997. Isto é, desde 1997 (muito antes de haver auto-estrada), Trancoso tem vindo a conseguir fixar gente de fora. Mas enquanto até 2002 o saldo migratório cresceu todos os anos (cada vez mais gente de fora estava a ir morar morar para este concelho), até atingir +100 em 2002, depois de estabilizar em 2003 tem vindo a diminuir desde 2004, sendo já muito baixo em 2009 (+16).
(continua)
*Versão revista e ampliada de artigo publicado inicialmente no blogue em Outubro de 2010.
1 comentário:
Interrogo-me sobre qual será o rigor da medição destas variações tão pequenas. Ou seja, com que precisão consegue o INE medir saldos populacionais de 30 habitantes por concelho.
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