I
O João e o Nuno
conheceram-se o mês passado numa festa de aniversário, e ficaram a conhecer as
suas bizarras histórias “cruzadas”: o João, de 12 anos, mora a cerca de 300
metros de uma escola (pública) que poderia frequentar (vamos chamar-lhe Escola
1). Mas está colocado numa outra escola (pública), de outro agrupamento, a cerca
de 7 km de distância (que vamos chamar Escola 2), porque é lá que anda o seu
melhor amigo. O Nuno, da mesma idade, mora a menos de 500 metros da Escola 2.
Mas está colocado na Escola 1, de que os pais gostaram mais. Este caso passa-se
na Área Metropolitana de Lisboa. Se o João fosse para a escola (onde tem aulas)
de transporte público, teria de mudar duas vezes de autocarro e demoraria mais
de uma hora. Para o Nuno, seria pior: teria de fazer os mesmos dois transbordos,
mas a viagem demoraria mais de hora e meia. As mães do João e do Nuno levam-nos
à escola de carro. Se ambos tivessem aulas nas escolas existentes na área da
sua residência, poderiam facilmente ir a pé ou de bicicleta. Por seu turno, o João
(outro João, chamemos-lhe João II) vive perto do Nuno, ou seja, perto da Escola
2, mas está colocado numa escola (pública) na cidade de Lisboa, não longe do
local onde o pai trabalha. O pai leva-o todos os dias de carro para a escola.
Os pais destas crianças
não precisaram de usar quaisquer estratagemas para que os filhos ficassem
colocados em escolas fora das respetivas áreas de residência. É a própria lei que
permite estas situações. No requerimento de matrícula dos seus filhos, os pais
podem indicar até cinco escolas, por ordem de preferência, e nenhuma tem de se
situar na área de residência. Se não houver vaga em nenhuma dessas cinco
escolas, nem assim a criança fica necessariamente colocada na escola situada mais
perto de casa: o Ministério da Educação encontrará para ela uma “solução
adequada”.
A lei estabelece,
sucessivamente, algumas regras de prioridade na colocação dos alunos que
pediram matrícula para a mesma escola (desde que as matrículas sejam pedidas
dentro do prazo). Uma delas determina que tem prioridade de colocação a criança
cujo encarregado de educação resida na área do respetivo agrupamento escolar.
Esta regra de prioridade pode, na prática, tornar difícil a colocação, numa
determinada escola, de um aluno que more fora da área do respetivo agrupamento.
Mas o certo é que a lei permite, no limite, a situação absurda de todos os
alunos de uma determinada escola morarem fora da área do respetivo agrupamento
escolar.
O caso do João II é ainda
mais discutível: enquanto o João e o Nuno não beneficiaram de nenhuma preferência
legal de inscrição nas escolas onde estão, já o João II, apesar de morar ainda
mais longe da escola onde está colocado, beneficia, legalmente, de uma
regra de prioridade na matrícula: a proximidade do local de trabalho do
encarregado de educação.
[Há também os casos de
fraude, praticada pelos pais com o objetivo de colocar a criança numa situação
de preferência de inscrição, sendo o caso mais frequente a indicação de uma
morada falsa (de residência ou de trabalho). A fraude é muitas vezes consentida
pelas escolas, sendo aproveitada como instrumento de seleção dos melhores
alunos, contornando as regras legais de preferência de matrícula – basta ser-se
bastante rigoroso com a comprovação da morada aos pais dos alunos que “não
interessam” e pouco ou nada rigoroso relativamente aos pais dos bons alunos
(por vezes, nem é pedida qualquer documentação comprovativa da morada
indicada). Há casos relatados de crianças que vivem a poucos metros de uma
escola e que não conseguiram vaga nessa escola, quando no mesmo estabelecimento
de ensino estão colocados muitos alunos de fora da respetiva circunscrição
geográfica.]
Esta situação constitui
a negação do planeamento urbano. Por outro lado, a dispersão geográfica dos
alunos torna impossível organizar qualquer sistema eficiente de transporte
escolar, bem como percursos adequados e rápidos de autocarro, colocando em
causa a sustentabilidade do transporte público, que vê reduzida uma das suas principais
fontes de procura.
No percurso
casa-escola, a utilização do carro é a opção para muitos pais. O resultado
disso é, aliás, bem visível – o trânsito automóvel é bastante mais volumoso nos
dias de escola, por comparação com os dias úteis fora do período escolar.
A questão da mobilidade pura e
simplesmente não tem qualquer peso neste tipo de decisões políticas. Uma
política de mobilidade sustentável, tendo por objetivo a redução da utilização do automóvel em
meio urbano, só é verdadeiramente eficaz se for encarada como uma questão
transversal. E ainda não é.
I
[O que se passa com as
escolas é, infelizmente, apenas um exemplo. Hoje, continuam a planear-se e a construir-se
equipamentos públicos que pressupõem - como se fosse algo natural, lógico - o
uso do automóvel particular, como é o caso deste polo universitário que vai
começar a ser construído no próximo ano, com mil (!) lugares de estacionamento
automóvel.]
I
2 comentários:
E depois há os casos, de crianças que apesar de morarem a menos de 1.000m da escola, os pais insistem em levá-los de automóvel...
Sim, esses casos são muito numerosos. E incompreensíveis.
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