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Ano após ano, a CP analisa a
perda de utentes do comboio e associa-a sempre, exclusivamente, a causas externas. Da parte da empresa
transportadora, nunca existe a humildade de uma autocrítica nessa análise.
Nunca se coloca a hipótese de incluir, entre as causas do descalabro da
ferrovia, fatores como erros de gestão da própria transportadora, má qualidade
do serviço prestado, transbordos vários, estações ao abandono e degradadas, horários desajustados e
desencontrados,
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[Lembra-se do
estudo suíço que recomendava a introdução de um novo sistema horário na rede
ferroviária portuguesa e que custou 380 mil euros ao erário público? Continua numa
gaveta. Desde 2009.]
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…etc. Não. As causas são sempre
exteriores. De forma que, anualmente, chegamos sempre à conclusão de que a CP
presta um serviço perfeito e de que a enorme quebra do número de passageiros
verificada nos últimos 23 anos se deve exclusivamente a fatores externos e
conjunturais - como a crise económica ou as greves.
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Mas poderiam os números de 2011
ter sido diferentes? Isto é, será expectável que, em período de crise
económica, o número de passageiros do comboio cresça?
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É natural que a crise económica
e o crescimento do desemprego conduzam, por um lado, a uma retração da procura deste meio de
transporte. Os passageiros diários do comboio (em movimentos pendulares
casa-trabalho-casa) que perdem o emprego deixarão, na normalidade dos casos, de
viajar diariamente neste meio de transporte. E tenderá a haver uma diminuição
da procura nas viagens de longo curso por motivos de lazer.
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Por outro lado, no entanto, a
crise económica constitui, para a CP, uma oportunidade de ouro de captar muitos
novos utentes, nomeadamente entre os que optam pelo (mais caro) automóvel
particular nas suas deslocações. E em Portugal ainda é grande, como bem
sabemos, a margem para essa transferência modal.
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A evolução positiva do número
de passageiros registada nos comboios suburbanos do Porto desde a eclosão da
crise económica em 2008 (o número de passageiros de 2011 foi 13,8% mais elevado
do que o de 2007) é um bom exemplo de como, mesmo em tempos de grave crise
económica e de desemprego galopante, o número de passageiros do comboio pode
crescer.
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O que se espera de uma empresa
transportadora ferroviária verdadeiramente empenhada em captar utilizadores de
outros modos de transporte – sobretudo, o carro – é que, precisamente, tenha
uma estratégia de aproveitamento da crise para atrair novos utentes.
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Já aqui referimos, noutra
ocasião, que a CP não fez um único estudo de mercado para
avaliar o potencial crescimento da procura do comboio em consequência da
introdução das portagens nas anteriores autoestradas SCUT (Sem Custos para o Utilizador).
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Como se sabe, a autoestrada A23
desenvolve-se no mesmo corredor da linha férrea da Beira Baixa. A A23
foi, justamente, uma das autoestradas anteriormente gratuitas para o utilizador
que passaram a ter portagens.
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A introdução das portagens na
A23 coincidiu temporalmente com a conclusão das obras de modernização e de
eletrificação da Linha da Beira Baixa entre o Entroncamento e a Covilhã, onde se gastaram muitos milhões de euros, e que passaram a
possibilitar à CP a prestação de um serviço de maior qualidade, capaz de
atrair muitos dos utilizadores do automóvel.
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Contudo, a CP não só não fez um
estudo nem delineou uma estratégia destinados a conquistar viajantes para a
linha modernizada e eletrificada, como, meses depois de um aumento dos preços das
viagens de comboio, degradou a qualidade do serviço de longo curso
(Intercidades) prestado, com diminuição de conforto e de velocidade – tal como explicámos aqui há alguns meses.
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Resultado: numa linha
modernizada e com todas as condições para ver crescer o número de passageiros
(com a preciosa «ajuda» da introdução de portagens na concorrente autoestrada
vizinha), isso não aconteceu, apresentando a CP, no documento de gestão
esta semana publicado, a Linha da Beira Baixa como uma linha que
continua a registar «baixos índices de procura» e «fraca procura».
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Em contrapartida, tal como foi
recentemente noticiado no Jornal do Fundão, os utentes do autocarro de longo
curso entre Covilhã e Lisboa têm vindo a aumentar. Só nos primeiros três meses
deste ano, o número de passageiros do autocarro cresceu 10% relativamente ao
mesmo período de 2011. "Apesar" da crise.
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A Rodoviária da Beira Interior
delineou uma estratégia e, desde a introdução das portagens na autoestrada A23
e da alteração, para pior, do serviço Intercidades da CP, introduziu mais dois
autocarros naquele percurso para captar novos utentes e introduziu melhorias na
qualidade da frota, com a entrada ao serviço de cinco novos autocarros,
equipados com internet sem fios e tomadas elétricas.
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A crise económica (que para a
CP é causa de perda de passageiros do comboio) é, precisamente, apontada pelo
administrador da Rodoviária da Beira Interior como explicação para o
crescimento do número de passageiros que se tem verificado no autocarro de longo
curso entre Covilhã (Fundão, Castelo Branco) e Lisboa, não deixando de referir a ajuda suplementar da
introdução das portagens na A23 e... a diminuição da qualidade da oferta
ferroviária. Esta transportadora rodoviária está agora a estudar novo reforço
da oferta, com a introdução de mais autocarros diários no horário.
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